Opinião

Lei facilita acesso do produtor rural à recuperação, mas restringe créditos

Autores

  • Felipe Granito

    é advogado sócio do GBA Advogados Associados mestre em Direito Processual Civil na PUC-SP pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Magistratura (EPM) graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor universitário.

  • Thiago Regis F. Donato

    é integrante da equipe do escritório GBA Advogados Associados.

18 de abril de 2021, 6h04

No último dia 23 de janeiro, a Lei 14.112, de 2020, deu nova redação à já conhecida Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/05), trazendo importantes mudanças no processo recuperacional e falimentar brasileiro, entre as quais destacam-se as questões ligadas ao pedido de recuperação judicial por produtores rurais.

O primeiro e grande ponto positivo abordado pela nova lei trata a respeito do requisito temporal para que o produtor rural seja apto ao pedido de recuperação judicial. A antiga redação da lei tratava do assunto em seu artigo 48, que definia como necessário o prazo de dois anos de atividade regular do produtor rural para a concessão da recuperação, sem deixar claro a partir de quando esse tempo seria contado, ensejando a grande pergunta sobre o tema: o produtor rural pode contabilizar o tempo anterior ao seu registro na junta comercial para fins de atender ao requisito de dois anos da atividade?

Durante anos, tal questão foi motivo para divergência jurisprudencial e grande insegurança jurídica, pois, apesar de nosso Código Civil prever um tratamento diferenciado para este tipo de atividade, facultando-a o registro na junta comercial e, a partir deste, equiparando o produtor rural, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro, nem sempre os juízes admitiam o tempo anterior ao registro para atender o supracitado requisito temporal.

O tema tomou notoriedade nacional pela primeira vez no julgamento do STJ no REsp nº 1.800.032/MT, em que a 4ª Turma decidiu favoravelmente ao produtor rural, permitindo a contabilização do tempo anterior ao registro a fim de atender os dois anos que prevê a lei e, mais recentemente, este, mais uma vez, foi o entendimento do STJ, agora, pela 3ª Turma no julgamento do REsp nº 1.811.953/MT. Nesse sentido, parece ser também o entendimento do poder legislativo, vista a nova redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020, ao parágrafo 2º do artigo 48 e a inclusão os parágrafos 3º, 4º e 5º no mesmo artigo.

Tais dispositivos, apesar de não preverem expressamente a contabilização do prazo anterior ao registro na junta comercial para fins de comprovação dos dois anos de atividade exigidos pela lei, preveem que para comprovação do referido prazo poderá o produtor rural apresentar: escrituração contábil fiscal (ECF) ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substitui-la; livro-caixa digital do produtor rural (LCDPR) ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substitui-lo; ou pela declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial. Isso deixa claro a posição adotada pelo legislador de que o período anterior ao registro na junta comercial contará para o alcance do prazo exigido no caput do artigo 48, visto que alguns desses documentos referem-se ao tempo que o produtor rural exercia atividade como pessoa física.

Nesse ponto, deve-se apontar que tal previsão parece acertada pelo legislador, pois mostra-se em plena consonância com o real objetivo da Lei de Recuperação e Falências e o processo recuperacional, que é o soerguimento do empresário e a preservação da atividade empresarial em sua função social de distribuição de riqueza, manutenção de empregos, produção e circulação de mercadorias, bens e serviços, geração de tributos, redução de preços pelo equilíbrio mercadológico, e o abastecimento contínuo na proporção da demanda social de toda a coletividade.

Também tal posição deve ser elogiada do ponto de vista da coesão de nosso ordenamento jurídico, dado que o Código Civil brasileiro claramente adota um conceito econômico de empresário, no qual devem estar presentes para a caracterização de empresário: atividade organizada, o que se evidencia com a escrituração contábil e organização de produção, e, circulação econômica de bens e serviços.

Outra inovação positiva trazida pela Lei 14.112/2020, esta prevista no artigo 70-A, é a possibilidade de o produtor rural optar pelo procedimento simplificado, que até então era prerrogativa exclusiva de microempresas e empresas de pequeno porte, desde que o valor do passivo sujeito à recuperação judicial não exceda R$ 4,8 milhões.

Todavia, a nova redação não trouxe somente mudanças positivas. A lei trata de outro assunto que sempre gerava calorosa discussão antes de sua vigência, qual seja, quanto a quais débitos do produtor rural estariam submetidos à recuperação judicial e, aqui, ao que parece, não ajudou os produtores rurais como deveria.

Logo no §6º do artigo 49, há a primeira má notícia aos produtores rurais, pois a nova lei define que: "Estão sujeitos à recuperação judicial apenas os que constarem na contabilidade do devedor". Previsão que trata o produtor rural diferentemente de todos os demais agentes econômicos, e não o favorece, pois aos demais admite-se, como sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, os mesmos créditos não contabilizados. Na sequência, no §7º do mesmo artigo, também são excluídos do processo recuperacional os créditos decorrentes de "recursos controlados e abrangidos nos termos dos artigos 14 e 21 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965", que são os créditos voltados ao fomento da atividade rural. Todavia, nesse ponto há uma flexibilização, pois, em caso de em nenhum momento prévio ao pedido tais créditos terem sido alvo de renegociação, eles ficam sujeitos ao processo. Já o §9º exclui o crédito para aquisição da propriedade rural, se a dívida for constituída nos três anos anteriores ao pedido de recuperação judicial.

Ainda, apesar de o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ter vetado tal dispositivo (vet. 57/2020), no dia 17 de março, o Congresso Nacional, exercendo seu poder de análise de vetos, restabeleceu a previsão de que não estaria sujeito a recuperação judicial os créditos de Barter e de antecipação de preço quando ligados a cédula de produto rural (CPR) com liquidação física, título de crédito que representa uma promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia (artigo 1º, Lei 8.929/1994). Salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto, devendo, em até 48 horas, ser promulgado pelo presidente o texto com o reestabelecimento de tal previsão.

Concluindo, a verdade é que raramente nosso legislador acerta por completo, e esse foi mais um caso. Se por um lado o produtor rural teve seu acesso facilitado com a pacificação do entendimento de que é possível contabilizar o período anterior ao registro para fim de comprovar os dois anos de atividade previstos na lei, por outro grandes foram as restrições a quais créditos este pode incluir em sua recuperação judicial.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados), mestre em Direito Processual Civil na PUC-SP, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Magistratura e professor universitário.

  • é integrante da equipe do escritório GBA Advogados Associados.

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