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Sem o plenário virtual, Supremo entraria em colapso, diz Gilmar Mendes

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18 de abril de 2021, 7h27

Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a ampliação da competência do plenário virtual para o julgamento de casos com repercussão geral reconhecida foi fundamental para que a Suprema Corte saísse de um atoleiro: admitir cada vez mais temas de repercussão geral sem, no entanto, conseguir julgá-los na mesma proporção.

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Em 2020, os ministros bateram um recorde de julgamentos de mérito em recursos com repercussão geral reconhecida: foram julgados 134 REs, o que representa quase quatro vezes mais em relação ao ano anterior, quando foram julgados apenas 33. É o maior número de méritos já julgados desde 2008, conforme as estatísticas do tribunal.

Segundo Gilmar, foi redentora a mudança no regimento interno da corte, que ocorreu em 18 de março de 2020, logo no início da epidemia, ainda na gestão do ministro Dias Toffoli. Com a ampliação do plenário virtual, os ministros passaram a ter essa possibilidade de dinamizar o que irão julgar, não dependendo da presidência para pauta. E como a competência foi alargada, conseguiram, ainda, atualizar o estoque, julgando ADIs antigas cujos votos já estavam prontos.

Na entrevista, concedida para a próxima edição do Anuário da Justiça Brasil, o ministro reconhece que o excesso de casos pautados nesse ambiente "pode gerar surpresas na jurisprudência" e diz estar ciente das críticas de advogados. Mas informa que "estão avaliando uma quantidade razoável para ser pautado para que todos consigam acompanhar". "Não significa que não haja debate, reflexão, mas de fato se criou uma alternativa que não é a mesma do plenário efetivo."

Mesmo durante a epidemia, continua indo bastante ao gabinete, especialmente nos dias de sessão, e diz que a produtividade, ao menos em seu gabinete, se manteve. Sua equipe adotou o home office em sistema de rodízio e estão seguindo todos os protocolos sanitários, segundo informou. "O que afetou mesmo foram as conversas prévias na antessala de julgamento. Isso de alguma forma desapareceu", conta.

Ainda no tema da repercussão geral, o ministro sugere uma revisão no controle dos casos de repercussão geral. "Para rejeitar a repercussão precisa-se de oito votos. Para reconhecer, precisa de quatro. É o contrário de muitos tribunais do mundo, que têm filtros mais adensados. Talvez os ministros devessem fazer um filtro mais rigoroso daqueles casos que querem aceitar como de repercussão geral", diz.

Na entrevista, o ministro também acha mais razoável que o Congresso se debruce sobre uma nova lei para substituir a ultrapassada Lei de Segurança Nacional, reconhece que os pedidos de vistas precisam ter uma regulamentação melhor e pede agilidade para que a liminar sobre a figura do juiz das garantias vá ao plenário. Gilmar ainda afirma que a Súmula 691 do Supremo acaba sendo um bloqueio do exercício de direito de defesa, devendo ser relativizada quando possível.

Confira o vídeo da entrevista ou leia a íntegra abaixo:

ConJur — A rotina foi muito afetada por conta da epidemia? Afetou a produtividade do gabinete?
Gilmar Mendes —
 Continuo despachando, vindo ao gabinete, todos os dias praticamente, especialmente para os dias de sessão, me parece mais adequado fazer daqui uma vez que há problemas na própria conexão. Tenho a impressão de que a produtividade não foi afetada, uma boa parte da equipe está em home office.

O que afeta foram as nossas conversas prévias, de visita aos colegas, para que a gente discuta determinadas questões, ou conversas até mesmo na ante sala do julgamento. Isso de alguma forma desapareceu. Não é a mesma coisa ligar para alguém para conversar coisas do julgamento, considerando-se que não é meio seguro.

ConJur — 2020 foi o ano em que o STF julgou mais recursos com repercussão geral, fruto da ampliação do Plenário virtual. Qual a avaliação do senhor?
Gilmar —
 Essa mudança ocorreu na gestão do ministro Dias Toffoli e foi quase que redentora para o Supremo. Tínhamos um sem-número de processos, próximo a mil, com repercussão geral conhecida, que não conseguíamos julgar. Fora outros processos que têm de ser julgados no Plenário, como ADI, ADC, ADO, ADPF, essas ações diretas todas.

Passamos a ter um grande problema e agora, com a ampliação do Plenário virtual, temos essa possibilidade de dinamizarmos, porque não dependemos da Presidência para a pauta. A cada semana tem a pauta e nós podemos colocar. Eu mesmo tinha aqui muitas ADIs que estavam esperando julgamento e conseguimos atualizar de alguma forma o nosso estoque com essa possibilidade. Então foi um grande ganho.

Agora, claro, há algumas considerações críticas em torno disso, porque essa dinâmica toda também às vezes não permite um debate mais aprofundado e alguns dizem que isso pode ocasionar repercussões talvez nem sempre desejáveis na jurisprudência. Isso é algo que tem preocupado, e vejo que os próprios advogados têm criticado.

Nesse momento, há um consenso de que foi uma mudança para melhor, mas talvez a gente tenha que ter cautela, colocar um número razoável nas sessões virtuais, seja da turma, seja do Plenário, para dar tempo. É claro que a gente pode fazer o pedido de vista, destaque, mas isso também não é o ideal. O importante é que o sistema possa fluir com naturalidade.

Isso é um aprendizado. São pontos que temos que ir aperfeiçoando, mas de qualquer forma a mudança foi importantíssima, porque solucionou um problema de estrangulamento mesmo que havia na Corte. Estamos trabalhando também com critérios de possibilidade e foi o que se colocou, do contrário o Tribunal entraria num looping, em um quadro de colapso, com cada vez mais processos acumulados com repercussão geral reconhecida sem capacidade de julgamento.

ConJur — Foram cerca de 130 casos em repercussão geral julgados em 2020, enquanto que em 2019 foram 32, uma diferença bem grande. A Corte vem caminhando para ser estritamente de teses?
Gilmar — 
Não acredito que seja vocação do Tribunal ser estritamente de tese, porque ele acaba resolvendo o caso concreto. Matéria criminal temos muitos processos, discutimos situações concretas, embora possamos estabelece também paradigmas para decisões de outros tribunais, isto é inegável. Reputo inicialmente positivo esse avanço, e isso se deu graças à possibilidade de julgar no Plenário virtual essas matérias. O problema que pode ocorrer é de fato essa possível carência do debate que tentamos mitigar com a possibilidade de vista e destaque. Só que isso faz com que entremos naquela fila muito disputada de pauta do Plenário.

ConJur — O Supremo vem consistentemente reduzindo o número de processos pendentes de julgamento. O que precisa ser feito agora, qual é o próximo passo?
Gilmar — 
Talvez devamos fazer algum tipo de controle dos casos de repercussão geral. Se vocês olharem, para rejeitar a repercussão geral, precisamos de oito votos, para reconhecer, precisamos de quatro, é o contrário de muitos tribunais no mundo que tem um filtro mais adensado, mais preciso. Mas, aqui foi uma construção para chegar a esse modelo de repercussão geral na Emenda Constitucional 45. Talvez a gente pudesse até discutir no Congresso Nacional essa matéria, e eventualmente alterar esse critério, mas não alterado, talvez mesmos devamos fazer um filtro mais rigoroso daqueles casos que queremos aceitar como de repercussão geral. Porque reconhecemos algo como de repercussão geral, às vezes mandamos suspender o julgamento das matérias dos processos e depois não conseguimos julgar.

ConJur — Os pedidos de vista precisam ser mais bem regulamentados e sair da discricionariedade de cada ministro?
Gilmar — 
Temos que chegar a isso. Na medida em que o sistema flui com maior naturalidade, resolvemos também essas questões, porque ficam alguns casos pendentes muito evidentes, se houver demora. O importante é que se fixe um prazo que seja razoável, porque o grande problema é que somos uma Corte com uma acumulação de processos muito grande, diferentemente de outros. Muitas decisões que tomamos, monocráticas, no sentido da inadmissibilidade, temos que estar decidindo a toda hora. É uma distribuição muito intensa de processos.

O segundo dado é que fazemos esse julgamento em que muitas vezes temos uma participação muito marcante, no caso da liberdade religiosa e dos cultos. Praticamente todos os ministros prepararam voto, não só o relator. Os gabinetes têm que se transformar, se dedicar à elaboração de um posicionamento nessa matéria. Talvez a gente possa racionalizar isso em algum momento, mas essa é a praxis atual. Isso consome muito tempo da própria equipe, não só daquele gabinete que está incumbido da relatoria, mas de todos, que deixam de fazer às vezes os processos de sua rotina, e passam a ter que se dedicar àquilo que veio para a pauta. Isso é uma constante aqui. Também na turma, em que a gente julga às vezes questões complexas de Direito Criminal.

ConJur — Em debate na ConJur com o deputado Arthur Lira, o presidente da Câmara vê como ruim o fato de partidos com pouca representatividade poderem ajuizar ações diretas no STF. Essa é uma questão que deve ser repensada?
Gilmar — 
Não é um tema tão fácil. Não é uma solução tão óbvia, porque se fosse fazer uma emenda constitucional tentando estabelecer um limite de representatividade, muito provavelmente não seria aprovada. Há várias minorias que acabam fazendo essas ações. Talvez a reforma político-partidária que é tão almejada, e que começou já com a proibição de coligações para as eleições proporcionais, leve a um certo enxugamento. Alguns estimam que nas próximas eleições, mantido esse atual sistema, talvez a gente chegasse a 12 partidos representados no Congresso, e não mais, portanto, esse número atual, que é bastante alto.

Isso precisa ser olhado, mas pode ser ideal, mas duvido que se consiga aprovar, pelo menos nas atuais circunstâncias, uma emenda constitucional fazendo essa redução. Até porque a gente tinha um histórico de limitação. O procurador-geral da República era o único legitimado. Então a reação foi essa que vocês veem no artigo 103 da Constituição.

ConJur — Os mais diversos setores estão se utilizando da Lei de Segurança Nacional. E o próprio Supremo, para embasar o inquérito das fake news, e outros inquéritos que estão tramitando. O senhor inclusive foi vítima também da LSN. Seria uma melhor resposta o Congresso editar uma nova lei, como está sendo aventado, ou o STF consegue resolver o problema nas ações ajuizadas?
Gilmar — 
Vamos ter que olhar isso com cuidado, mas é bastante saudável o Congresso se debruçar sobre uma nova lei, são mais de 30 anos já de Constituição de 1988. Retardou-se muito isso, e agora se passou a se fazer uso muito frequente da Lei de Segurança Nacional. E se tem uma discussão, se não se estaria cometendo algum tipo de abuso. Vamos examinar essa questão, mas ao mesmo tempo o Congresso está se debruçando. Pelo menos a Câmara promete votar esse projeto que já está lá há alguns anos também.

ConJur — As Cortes Superiores já têm se debruçado sobre algumas questões do pacote anticrime. Mas um dos principais pontos, que é o juiz das garantias, não está vigente. Como resolvê-lo?
Gilmar — 
Tem que votar esse tema no Plenário. O ideal é que essa liminar seja colocada e que eventualmente seja superada. Há boas razões para se ter dúvida sobre a capacidade de organização rápida de um modelo de juiz de garantia, especialmente no interior. Se haverá um juiz que possa exercer essa função, e outro que possa exercer a função de julgar. Mas há experiências antigas no Brasil. Por exemplo, o Dipo [Departamento de Inquéritos Policias] funciona um pouco assim na capital paulista. Agora o STJ, em função dessa crise que passa a Justiça Criminal Federal, está discutindo essa matéria, tentando criar varas de inquérito, para que fique responsável pela execução, pelas medidas coercitivas, quebras de sigilo. Mas esse juiz não ficaria envolvido então com o próprio julgamento. Vai se chegar em algum momento a um consenso em torno disso.

ConJur — Como o senhor tem visto a atuação das defensorias públicas no Supremo? As instâncias inferiores têm desrespeitado muito a jurisprudência das cortes superiores?
Gilmar — 
Não só as defensorias, os advogados em geral. O STJ reclama muito dos Tribunais de Justiça em relação ao cumprimento de sua jurisprudência. Até mesmo jurisprudência em matéria criminal. E isso talvez explique também o grande número de recursos criminais, Habeas Corpus. Vejo com bons olhos a atuação da Defensoria, não só da Defensoria Pública da União, mas também das defensorias públicas dos estados. Cumprem um papel muito importante, temas na área criminal foram defendidos e se saíram vitoriosos. A partir da iniciativa da Defensoria, pleitos de pessoas que a rigor não teriam condições de fazer com que um advogado chegasse até o Supremo.

Acho que cumprem um papel muito relevante, e são muito dedicados, trabalham como advogados mesmo. Fazem sustentações orais, distribuem memoriais, chamam a atenção para as situações diferenciadas. De fato, fazem um excelente trabalho.

ConJur — O senhor disse recentemente que "muitas vezes por trás do não conhecimento de um Habeas Corpus existe um juiz covarde". A Súmula 691 deveria ser superada com mais frequência pelos ministros?
Gilmar — 
Essa é uma discussão antiga. Levamos muitos anos para aprovarmos as últimas cem súmulas, antes da Súmula Vinculante, e entre elas veio essa 691. Logo em seguida, quando começou a ser aplicada, se não me engano o ministro [Cezar] Peluso propôs já a sua revogação, porque de fato deixa ensejo a avaliações das mais diversas.

Um ministro pode superar a Súmula 691 e outro não. Veja: atrás da Súmula 691 há um problema. Por quê? O juiz, normalmente do STJ, negou uma liminar e depois não decide a matéria, às vezes se tratando de réu preso por muito tempo, a matéria então acaba chegando aqui. E se a gente se arrimar apenas na Súmula 691, diz: "Não, foi uma liminar negada". Mas foi negada quando? E não mais foi julgada, portanto.  Não houve juízo de mérito. Isso vai impedir que a parte traga até nós uma brutal violação a um direito de liberdade que estamos falando?

Precisamos ser bastante críticos em relação ao uso da Súmula 691. E mesmo quando a usamos, devemos apelar para que o Tribunal a quo, que no nosso caso é o STJ, que ele decida a matéria, porque do contrário isso vira um bloqueio ao exercício do direito por parte de quem reclama.

ConJur — Há muita discussão também sobre o que fazer com o material apreendido das mensagens hackeadas da "lava jato". Afinal, mensagens assim podem servir para absolver?
Gilmar — 
A gente vai ter que travar essa discussão em algum momento num caso concreto. Em tese, a resposta pode ser positiva, de que embora não possa usar uma prova ilícita para condenar, posso usá-la para absolver, além do que pode ser que aquilo seja usado como elemento indiciário. E que a partir dela você consiga outras provas. Isso acontece muito, por exemplo, com denúncias anônimas, porque depois, na verdade, se revelam inconsistentes e tal, e dão ensejo a uma investigação mais profunda.

ConJur — Diante de tantas transformações que a sociedade passou recentemente, o conceito de prova ilegal poderia ser repensado de alguma maneira?
Gilmar — 
Veja a ironia. Vocês se lembram das Dez Medidas, propostas lá pelo pessoal de Curitiba, não é? Eles defendiam uma relativização da prova ilícita. Agora dizem que essas provas são ilícitas e não servem para responsabilizá-los. Interessante. Machado de Assis dizia: "a melhor forma de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo nas mãos".

O problema é que o chicote muda de mãos, e, acréscimo meu, o Machado só ficava nessa primeira perspectiva. Então é essa questão que se coloca. O processo civilizatório exige que de fato a gente repudie as provas ilícitas, que ninguém seja condenado com base em provas ilícitas. Acho isso fundamental. Mas, certamente, se amanhã alguém violar uma correspondência, e com isso exonerar alguém de uma condenação criminal, por exemplo, ninguém vai dizer que isto, que esta prova ilícita não serve. Acho que nessa perspectiva a gente precisa aprofundar, mas teríamos que ter situações ou casos concretos.

O que eu acho desse episódio todo: é muito triste, muito lamentável a constatação de que havia essas combinações. E muitas dessas ações ilícitas por parte de procuradores e juízes. Acho que está havendo uma certa omissão por parte das autoridades, de dizer, tentar explicar, solucionar essa questão. Pelo menos para a frente. Porque de fato é muito constrangedor tudo o que ocorreu.

ConJur — Vemos tentativas de pressionar os ministros do Supremo de várias formas. Houve reação da Corte por meio de abertura de inquéritos. Mas como passar para a sociedade a ideia que ela tem o direito de criticar sem passar a sensação de autoritarismo pelo STF?Gilmar — Isso tem que ser devidamente explicado. Uma parte dessas ações envolvia investigações até mesmo de procuradores. E também a Procuradoria tinha muita dificuldade de fazer essa investigação. Foi em uma situação de necessidade que tinha base no regimento que, por via da Constituição anterior, era norma legal. Aí é que se instalou essa investigação, que foi muito efetiva porque evitou aqueles desdobramentos que tínhamos. Manifestações a cada hora na frente do Supremo, tiro de fogos, ataques dos mais diversos. E feitas as investigações, remete-se às autoridades competentes que fazem o processo, a denúncia, o juiz competente que julga. O devido processo legal está sendo observado.

ConJur — Diante dos ataques e das críticas que magistrados em geral sofrem e a responsabilidade do cargo, vale a pena ser juiz no Brasil?
Gilmar — 
O Brasil passa por uma fase muito complicada. E está enfrentando imensos desafios. Muita gente se pergunta se vale a pena ter função pública hoje, também porque há muita crítica e muita incompreensão. De qualquer forma é mais fácil ser juiz do que ser gestor nesse momento, por exemplo de pandemia de Covid-19. Vivemos também dores e embaraços de uma democracia jovem. É preciso que isso seja entendido .Temos que continuar a incentivar os jovens a estudarem Direito. E aqueles que se sentirem vocacionados a virem para a magistratura.

ConJur — O senhor já disse que o sistema de escolhas de ministros é o menos pior que há. Ao longo da história o STF tem tido bons ministros?
Gilmar — 
Acho que sim. Temos tido nomes muito representativos, muito expressivos, muitas vezes os melhores que há numa dada circunstância. E pessoas com uma experiência muito diversificada. Juízes de tribunais, ex-desembargadores, professores, advogados, em suma, acho que conseguimos. E o tribunal tem uma jurisprudência também.

Digo sempre que o Supremo é maior do que a sua composição atual. Há toda uma tradição mais do que centenária de desenvolvimento. Agora, sempre se pode discutir critérios de escolha. E é muito difícil achar um critério adequado. O critério sempre é suscetível de discussão.

ConJur — O que representa a saída do decano Marco Aurélio?Gilmar — É o nosso decano, o juiz agora com mais tempo na Corte. Está desde os anos 1990 aqui. Portanto, viveu todas as transformações do Supremo Tribunal Federal. Um juiz garantista, instruiu a jurisprudência do tribunal, uma marca de garantismo, e muitas vezes foi voto vencido. Houve até um livro chamando a atenção de votos vencidos que depois viraram votos vencedores. Então, o ministro Marco Aurélio nunca mostrou medo de assumir uma dada posição e, às vezes, até de ficar isolado nela. E algumas dessas decisões depois se tornaram majoritárias.

ConJur — E o senhor se tornará em breve o decano. Qual é o papel que entende que o decano da Suprema Corte deva assumir?
Gilmar — 
Tenho a impressão que o decano tem que tentar fazer preservar a jurisprudência e evitar mudanças abruptas, vacilos. Acho que essa deve ser uma de suas funções, e ter a noção também de preservação da institucionalidade da Corte. É um tribunal muito complexo porque normalmente o presidente é o mais antigo entre aqueles que não foram presidentes. Então ele preside um colegiado em que já tem cinco ex-presidentes pelo menos. É uma tarefa sempre muito complexa, e o decano também tem esse papel de dialogar, de conversar e de eventualmente antecipar problemas, em determinadas situações políticas delicadas, junto com outros juízes experientes que tem na Corte.

ConJur — A jurisprudência dos mais antigos, como o ministro Moreira Alves, ainda é viva no Supremo?
Gilmar — 
Saiu recentemente o ministro Celso [de Mello], que também vinha daquele período. É anterior ao ministro Marco Aurélio. Tinha sido indicado ainda no governo [José] Sarney [1985-1990]. E agora sai o ministro Marco Aurélio. Cheguei aqui em 2002 [governo FHC] e ainda convivi por um tempo com o ministro Moreira Alves [1975-1983], com outros ministros antigos. Em seguida foram saindo. Tivemos três substituições em 2003. O tribunal foi passando por um processo de grande renovação, mas tínhamos inclusive um núcleo com o qual o ministro Marco Aurélio conviveu, que é pré-88, que aplicou largamente a Constituição de 1967 e 1969. E tinha uma visão outra do papel do Supremo Tribunal Federal, que foi muito mudada a partir de 1988.

Tem muitas questões que estão vivas e para as quais o ministro Moreira Alves deu grande contribuição, inclusive para o processo constitucional. Ajudou a modernizar o próprio processo constitucional. Agora, muitas coisas mudaram. O recurso extraordinário sofreu uma mudança brutal a partir da Emenda Constitucional 45, com a reforma do Judiciário. É uma inovação pós-88, inclusive. Era uma de suas especialidades: a admissibilidade do recurso extraordinário. Tudo isso mudou significativamente.

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