Opinião

O 'estado de hipossuficiência': a nova lei de custas de Mato Grosso

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16 de abril de 2021, 19h20

A busca pela resolução de conflitos dentro do seio social sempre foi um desafio. As relações interpessoais possuem reflexos, possuem consequências. Muitas vezes, o diálogo e as formas alternativas de resolução desses conflitos não encontram êxito para a finalização da querela.

Aí nasce o princípio constitucionalmente assegurado de acesso à Justiça. O próprio artigo 5º de nossa Constituição Cidadã faz expressamente essa previsão: "XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; LXXIV — o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Pois bem, em razão desses princípios constitucionais, cláusulas pétreas por excelência, não podemos ter ou aceitar que se tenham discrepâncias ao acesso à essa Justiça.

Mas como definir ou conceituar esse "estado de hipossuficiência", essa "insuficiência de recursos".

Nesse contexto, o NCPC trouxe alterações significativas para as definições propostas, mormente com a revogação de artigos da Lei nº 1.060/50, que inclusive conceituavam de forma expressa a condição de hipossuficiência.

Atualmente, pela dicção do artigo 99, §3º, do NCPC, milita em favor do requerente a chamada presunção de veracidade, que não se faz absoluta, competindo à parte contrária possível contraponto.

Assim, por simples declaração, nos dias de hoje, pode-se conceituar a hipossuficiência ou a insuficiência de recursos para fins processuais de acesso à Justiça.

Ainda houve com o advento do NCPC a possibilidade dessa manifestação ou requerimento de gratuidade de Justiça ser feito em qualquer tempo processual, inclusive na fase recursal.

Nessa esteira, e considerando a nova lei de custas processuais do estado de Mato Grosso, em vigor desde janeiro deste ano, algumas observações e correlações se fazem oportunas.

A primeira delas, e aqui não entraremos nas discussões institucionais e sociais que circundam a lei das custas com uma batalha social intransigente para sua revogação capitaneada pela OAB-MT, diz respeito ao momento do acesso gratuito à Justiça.

Nesse contexto, como trazido pelo novo codex processual, a simples declaração de hipossuficiência confere o processamento da peça inaugural. Quanto a isso, resta à parte contrária manejar a impugnação respectiva, agora como "preliminar" em sua peça contestatória, podendo inclusive o juízo buscar diligências complementares.

Ocorre, porém, que, à luz da nova lei de custas judiciais do estado de Mato Grosso, temos o parâmetro de R$ 41.343,13 para que o valor das custas não seja fixado em percentual sobre o valor da causa, mas, sim, em valor fixo, hoje de R$ 413,40.

E aí surge a necessidade premente de (re)conceituação do "ser" hipossuficiente para fins de acesso à Justiça.

Como entender pela hipossuficiência ou insuficiência de recursos em causas cuja discussão elevaria o seu valor para R$ 500 mil, por exemplo?

Na conta simples da aplicação da nova lei de custas, temos que o valor a ser pago para que o interessado possa ter acesso à Justiça, sem a gratuidade, seria de 2% do quantum definido como valor da causa. No exemplo acima, para que o interessado possa levar sua súplica ao Poder Judiciário de Mato Grosso, terá que de pronto desembolsar a quantia de R$ 10 mil.

Será que necessariamente qualquer pessoa natural que venha a discutir um contrato cujo valor seja o exemplificado acima teria condições de desembolsar, para exercer um direito constitucional (cláusula pétrea), como mencionado alhures, o valor de custas proposto pela nova lei?

Vamos além. Caso tenha a necessidade de interpor recurso ao segundo grau de jurisdição, pela tabela de custas, o desembolso seria de 3% sobre o valor da causa. Nesse prisma, teria de desembolsar o valor de R$ 15 mil.

Somam-se a primeira e a segunda fases processuais, se me permitam assim conceituar, e teremos desembolsado para exercer um direito constitucional o valor de R$ 25 mil.

Dentro desse aspecto, quem poderia ser considerado em estado de hipossuficiência? Quem o Estado poderia reconhecer como hipossuficiente?

Entendo, com as vênias devidas, que esses conceitos hoje não podem estar inseridos em conceituações fechadas. O estado de hipossuficiência para fins de acesso à Justiça está a merecer uma revisão ampla.

A discussão aqui proposta vai nesse sentido. Será o caso concreto, o momento concreto a definir o estado de hipossuficiência, mormente se não houver qualquer alteração na nova lei de custas judiciais em Mato Grosso.

E sim, os valores hoje postos ao cidadão de Mato Grosso com toda certeza farão aumentar ainda mais os pedidos de Justiça gratuita, e até mesmo a desistência do exercício desse primordial direito.

Não podemos, pois, "enlatar", "enquadrar" o estado de hipossuficiência, que deixará de ser uma exclusividade das pessoas com menor nível financeiro e, em razão da discussão processual pontual, deverá, sim, ser aplicada àqueles que, embora possuam condições financeiras maiores, serão conceituadas como hipossuficientes processuais, sob pena de colocar em risco, para o exercício de seu regular direito constitucional (acesso à Justiça), a sua mantença e de sua família. Fica a reflexão. 

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