Opinião

Nem só de boas leis é feito o Direito: o prazo de vigência de patentes e a ADI 5529

Autores

  • André Portugal

    é advogado sócio do Klein Portugal mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra e professor de Teoria da Decisão do FAE Centro Universitário.

  • Érico Klein

    é advogado sócio do Klein Portugal e especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Bacellar e em Propriedade Intelectual pela World Intellectual Property Organization.

15 de abril de 2021, 7h10

Por ser um sistema aberto e, espera-se, sujeito a melhorias contínuas, o Direito é impelido a abrigar uma indesejada companhia: a lei ruim. Nem sempre ela é identificada de imediato. Há leis que nascem boas, mas, em razão da complexificação social, tornam-se obsoletas, anacrônicas e, por isso mesmo, ruins. Outras, por vezes, padecem de um vício de inteligência originário: elas nasceram estúpidas, carentes de sentido.

A lei ruim, no entanto, não é necessariamente inconstitucional. Ela pode padecer desse defeito, é verdade. Mas a má qualidade de uma lei não a torna, só por isso, inconstitucional. Juízos valorativos traduzidos em palavras como "bom" e "ruim" têm pouco a contribuir ao jogo de linguagem da constitucionalidade das leis. Eles são subjetivos e de difícil aferição. Afinal, o que é uma lei boa? E uma lei ruim? Boa/ruim para quem? A partir de que critérios?

É para reduzir a complexidade desse tipo de juízo que o Direito e, com ele, a definição de critérios próprios para o uso do termo "constitucionalidade", aparecem. Sob essa perspectiva, inconstitucionais serão apenas as leis que contrariarem a Constituição, cujo texto já é resultado de um filtro jurídico-político dos valores e das compreensões econômicas e políticas da sociedade em seu tempo. Toda argumentação sobre a inconstitucionalidade de leis, então, tem no texto constitucional um ponto de partida obrigatório, que diz muito e impõe limites à interpretação: a ele os intérpretes devem sempre deferência, mesmo que discordem de seu conteúdo.

O parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial é ruim. Há pouca discussão em torno disso. Mas não é esse o tema da ADI 5529, certo? A ADI ajuizada em 2016, pela PGR, àquela época capitaneada por Rodrigo Janot, quer ver declarado inconstitucional o referido dispositivo. É esse o tema que teve o julgamento iniciado na última terça-feira, no STF.

O questionamento se volta ao prazo mínimo de dez anos, contados do deferimento da patente, para a exploração monopolista da patente pelo inventor (parágrafo único do artigo 40). O caput do dispositivo, seguindo acordo internacional (Trips), estabelece o período de 20 anos, a contar do depósito da patente. Com a adição do prazo do parágrafo único, o período pode extrapolar esses vinte anos, o que ocorre em 62% dos casos, segundo estudo do Ministério da Economia, de 2018.

A racionalidade por trás da lei vigente é que se deve dar ao menos dez anos de proteção "forte" (posterior ao deferimento da patente) ao inventor, garantindo que, nesse prazo, ele explorará a patente com segurança e sem ressalvas. Há quem diga, na mesma linha, que o inventor não pode ser penalizado pela morosidade do estado na análise de sua patente (backlog).

Já os contrários ao prazo mínimo de dez anos entendem que, na prática, o inventor terá mais de 20 anos de monopólio sobre a criação. É verdade, ainda, que o artigo 44 da LPI concede indenização ao inventor por violações, desde a data da publicação da patente, isto é, muito antes da concessão, desde que a patente venha a ser concedida. Vê-se que há, sim, direito antes da concessão, bastando, para isso, que ela venha a acontecer. Argumenta-se, igualmente, que a possibilidade de extensão do prazo estimula comportamento de má-fé, com o uso de petições protelatórias, atrasando o curso normal do processo e visando a aproveitar essa brecha. No final das contas, a propriedade intelectual não atenderia ao interesse social que ela também deve assegurar.

A consequência do sistema descrito é a insegurança durante o prazo de backlog, isto é, enquanto pende análise patentária pelo INPI. Além disso, fica claro que a extensão do prazo ao inventor por mais de 20 anos, e por prazo indeterminável, prolonga ambiente de monopólio, em detrimento de interesses da sociedade civil e da concorrência, por privilegiar o inventor. A situação promove ambiente negativo de inovação e na iniciativa privada como um todo, e prejudica políticas públicas relevantes, especialmente na área da saúde.

A ADI 5529, no entanto, deve ser julgada a partir da Constituição, não a partir do que julgamos ser o melhor ou o pior arranjo. E a Constituição, a um só tempo, atribui status de direito fundamental e estabelece critérios gerais para a restrição infraconstitucional à propriedade intelectual dos inventores. Esses critérios são os seguintes: 1) a proteção ao uso monopolístico do invento deve ser temporária; 2) sua regulação deve atender ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Ou seja, a Constituição concilia duas perspectivas para analisar o direito às patentes: aos inventores é necessário saber que terão segurança e retorno do investimento, e por isso lhes é concedido o monopólio na exploração do invento, de modo que o monopólio, por ser prejudicial ao mercado, é exceção; ao mesmo tempo, a sociedade demanda acesso aos inventos em tempo razoável, e não seria razoável, em sociedade de informação como a nossa, que houvesse monopólios superiores a 20 anos sobre um invento. E se o invento for medicamento importante para o tratamento de doenças com grave impacto social, e a compra do produto monopolizado, como política pública de saúde, causar grandes ônus ao Estado?

Apenas um, entre esses critérios, é facilmente aferível: o caráter temporário da proteção ao monopólio. Por temporário, entende-se aquilo que não é definitivo e eterno. Os outros dois são conceitos abertos, ligados a compreensões específicas de filosofia política e de economia. Que arranjo protege mais o desenvolvimento tecnológico e econômico: a proteção tão forte quanto possível às patentes ou a liberação dos inventos ao mercado? Pessoas razoáveis discordarão.

Isso significa que, na prática, a Constituição atribuiu ao Poder Legislativo a prerrogativa de definir, entre as alternativas possíveis de regulação da matéria, a que reputasse mais adequada a atender a esses objetivos, desde que se fixasse prazo para a proteção do uso monopolístico. Quando há a utilização de termos abertos, afinal, o legislador tem a seu dispor diferentes formas de regular os direitos, promovendo, assim, a adequação social do direito e eventuais correções de rumo. O Legislativo — que representa a sociedade — tem o direito de errar e aprender com seus erros, em suma. Violarão a Constituição aqueles critérios legais que claramente extrapolem os limites do texto constitucional, tal como ele é usado pela comunidade de falantes e cidadãos.

Por essas razões é que, embora se trate de um dispositivo ruim e inconveniente, o parágrafo único do artigo 40 da LPI, a nosso ver, atende a todos os critérios estabelecidos pelo texto constitucional: 1) o uso monopolístico do invento não será perpétuo e, ainda, será relativamente determinável; 2) a relativa indeterminação em relação ao início da contagem do prazo de dez anos não retira o caráter temporário desse prazo; e 3) dada a abertura e, consequentemente, o caráter controverso dos conceitos de "interesse social" e "desenvolvimento tecnológico e econômico", o prazo fixado em lei, embora, em alguns casos, possa ultrapassar o período de 20 anos, contados do pedido de registro, enquadra-se em uma zona de penumbra, de modo que não é possível afirmar, sem controvérsia, que ele implicaria uma violação a esses critérios. Embora ruim, o dispositivo é constitucional. Que ele seja substituído, mas por meio do devido processo legislativo.

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