Um novo procedimento de negociação, com intuito preventivo à insolvência ou ao processo de recuperação judicial do empresário em situação de crise, passou a ser disciplinado pela Lei nº 11.101/05, que foi alterada recentemente pela Lei nº 14.112/20, por meio da inclusão dos artigos 20-A a 20-D na seção II-A do capítulo II (que trata das disposições comuns à falência e à recuperação judicial).
Referida alteração na legislação falimentar teve por inspiração algumas normativas internacionais, valendo destacar a Diretiva Europeia 2019/1023, que no seu item 24 [1] dispôs que "os devedores, incluindo as entidades jurídicas e, se o direito nacional assim o previr, as pessoas singulares e os grupos de sociedades, deverão poder dispor de um regime de reestruturação que lhes permita enfrentar as suas dificuldades financeiras numa fase precoce, quando for provável que será possível evitar a sua insolvência e garantir a viabilidade da empresa. O regime de reestruturação deverá estar disponível antes de o devedor ser declarado insolvente nos termos do direito nacional, ou seja, antes de o devedor preencher as condições do direito nacional necessárias para iniciar um processo de insolvência coletivo que, normalmente, implica a inibição total do devedor e a nomeação de um síndico".
Com a inserção dessas novas disposições na seção II-A da Lei nº 11.101/05, criou o legislador um novo regime preliminar de tentativa de reestruturação da empresa, que busca garantir ambiente adequado à negociação entre credores e empresário devedor, antes de eventual decretação da quebra da empresa (pela consolidação da situação patrimonial de insolvência), ou antes do processamento de recuperação judicial, isto é, buscou-se garantir um espaço de manobra para a negociação entre o empresário devedor e seus credores, com o intuito último de evitar a quebra da empresa.
A reforma normativa oferece aos empresários mecanismos de mediação e conciliação preventivos à instauração do processo de falência, servindo esses mesmos mecanismos também como medida preventiva ou antecedente à instauração do processo de recuperação judicial. É o que se extrai do disposto no artigo 20-A, o qual dispõe que "conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores". Na sequência, dispõe o artigo 20-B que "serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente: (…) IV — na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial".
Contudo, para assegurar a eficácia das medidas preventivas de reestruturação negociada anunciadas na seção II-A, nos termos do recomendado pela normativa internacional supracitada, foram criados institutos jurídicos para assegurar, de um lado, que os devedores não exerçam as execuções individuais de suas dívidas — com a consequente quebra do ambiente de negociação coletiva —, e para assegurar, de outro lado, que eventuais abusos não sejam praticados por parte dos empresários devedores.
Para estabelecer um efetivo e eficaz ambiente de negociação, o legislador trouxe um breathing space (espaço para respirar) para o empresário devedor no §1º do artigo 20-B da Lei nº 11.101/05.
Trata-se da concessão ao empresário devedor de um stay period, medida típica do processo de recuperação judicial, mas que aqui assume o caráter de tutela jurisdicional cautelar antecedente, na medida que serve de instrumento para o êxito das negociações preventivas, com o fim de possibilitar a solução negociada do débito coletivo, por meio da suspensão das execuções individuais pelo prazo de 60 dias.
Vale destacar mais uma vez que o breathing space deve ser requerido judicialmente (conforme expressamente estabelecido, inclusive, no §1º do artigo 20-B), tendo em vista que a aludida medida envolve a suspensão de demandas, o que exige decisão judicial neste sentido.
Mas, atento a eventuais condutas providas de má-fé por parte de empresários devedores, destinadas ao prolongamento excessivo e indevido do stay period (em especial nas negociações antecedentes ao pedido de processamento da recuperação judicial), o legislador acresceu ao artigo 20-B o §3º, o qual dispõe que "se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, observados os critérios desta Lei, o período de suspensão previsto no § 1º deste artigo será deduzido do período de suspensão previsto no artigo 6º desta Lei".
Assim, em caso de processamento da recuperação judicial será deduzido do prazo de stay period o prazo concedido a título de breathing space. Isto é, os prazos não são cumulativos, em que pese acreditarmos que a jurisprudência deva relativizá-los, como já ocorre com o stay period, para a adequação aos casos concretos.
Com isso, observa-se que o breathing space é instrumento concedido judicialmente, de natureza cautelar, crucial (frente à suspensão das demandas individuais) para eventual êxito das mediações e conciliações antecedentes aos processos de recuperação judicial, as quais compõem um verdadeiro regime preliminar de tentativa de reestruturação negociada da empresa, na medida em que garante a possibilidade de negociação coletiva dos débitos antes da instauração de procedimento concursal.
[1] Diretiva disponível em https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwi0osXk4O_vAhXrJrkGHciCA7cQFnoECAIQAA&url=https%3A%2F%2Feur-lex.europa.eu%2Flegal-content%2FPT%2FTXT%2FPDF%2F%3Furi%3DCELEX%3A32019L1023%26from%3DEN&usg=AOvVaw3XPnsv9ZqAJYXX-xklDtci. Acessado em 07/04/2021.