Poder do relator

Plenário do STF irá avaliar se 13ª Vara de Curitiba podia julgar Lula

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14 de abril de 2021, 20h29

O relator de um processo no Supremo Tribunal Federal tem o poder discricionário de submeter pedido de Habeas Corpus ao Plenário. Com esse entendimento, o Plenário do STF, por 9 votos a 2, decidiu nesta quarta-feira (14/4) que cabe aos onze ministros da Corte, e não à 2ª Turma, julgar recursos contra uma decisão do ministro Luiz Edson Fachin — que decretou a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar processos envolvendo o ex-presidente Lula e anulou as condenações do petista.

Carlos Humberto/SCO/STF
Prevaleceu o entendimento de Fachin de que o relator pode enviar HC ao Plenário sem justificar sua decisão
Carlos Humberto/SCO/STF

O julgamento será retomado na sessão desta quinta (15/4). Os ministros analisarão se confirmam ou não a decisão de Fachin e se, com ela, a decisão sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, antigo titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, perdeu o objeto.

Em 8 de março, Fachin decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba é incompetente para processar e julgar os casos do tríplex, da chácara de Atibaia (SP), além de dois processos envolvendo o Instituto Lula. Com isso, as condenações do ex-presidente foram anuladas e ele voltou a ter todos os seus direitos políticos, se tornando novamente elegível. Porém, o ministro preservou as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões. Os autos, que estavam no Paraná, foram enviados para a Justiça Federal do Distrito Federal, por ordem do magistrado.

Depois da decisão, Fachin declarou que a suspeição de Moro tinha perdido o objeto. Mas a 2ª Turma decidiu dar continuidade ao julgamento. Fachin então enviou o caso ao Plenário. Em 23 de março, a 2ª Turma considerou Moro suspeito no caso do tríplex, anulando todo o processo e inutilizando as provas.

Na sessão desta quarta, o relator do caso, Edson Fachin, afirmou que a afetação de casos ao Plenário é poder discricionário do relator, segundo diversos dispositivos do Regimento Interno do Supremo.

O ministro também disse que, no julgamento do HC 143.333, impetrado por Antonio Palocci, ex-ministro da Casa Civil e da Fazenda, a corte validou a afetação ao Plenário pelo relator — no caso, o próprio Fachin.

O voto do relator foi seguido pelos ministros Luiz Fux, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

O presidente do STF, Luiz Fux, seguiu Fachin, afirmando que o artigo 21, XI, do Regimento Interno, permite que o relator afete o caso ao Pleno sem ter que apresentar razões para tanto. Na visão de Fux, a discussão envolvida no caso é relevante, pois pode afetar outros processos da “lava jato” e “atingir um grande trabalho feito pelo Supremo Tribunal Federal no combate à corrupção”.

Alexandre de Moraes também lembrou que não há necessidade de fundamentar a afetação de HC ao Plenário. “Por quê? Porque diz respeito à liberdade de ir e vir. E o STF é o último degrau na escala judiciária em que se pode definir a liberdade de uma pessoa. Assim, o Regimento Interno tratou de forma diferente a afetação. O relator, então, pode afetar, como o fez”.

Para Alexandre, não é possível afirmar que o julgamento pelo Plenário significa desrespeito ao princípio do juiz natural. Afinal, a Constituição Federal nada diz sobre as turmas do Supremo. Pelo contrário: a estrutura da corte privilegia o Plenário, e as turmas só foram criadas devido ao excesso de trabalho do tribunal, avaliou.

Luís Roberto Barroso ressaltou que não faz diferença se o caso analisado envolve Lula. “Desde que me tornei ministro, abdiquei totalmente de quaisquer preferências políticas e não luto por qualquer questão jurisdicional. Há situações na interpretação constitucional que, de fato, comportam mais de uma interpretação razoável. Nesses casos, a cosmovisão do juiz pode, sim, fazer alguma diferença. Mas aqui, nesse caso, não há nenhuma ambiguidade. O Regimento Interno é claríssimo: é uma discricionariedade do relator afetar ou não ao Plenário”.

No HC sobre a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, discute-se uma questão que pode ter uma repercussão sistêmica, opinou Barroso. Nesses casos, disse, o relator pode levar o caso ao Pleno, como ele fez ao afetar o processo que tratava da criminalização do não pagamento de ICMS.

Divergências e críticas
O ministro Ricardo Lewandowski abriu a divergência. “Dos milhares de Habeas Corpus que as turmas julgam durante o ano, por que é que justamente o caso do ex-presidente [Lula] que é submetido ao Plenário do Supremo? Será que o processo tem nome, e não apenas capa, como diz o ministro Marco Aurélio?”.

Lewandowski lembrou que, em 2018, um HC de Lula que discutia a execução da pena após a condenação em segunda instância também foi afetado ao Plenário, antes do julgamento das ações diretas de constitucionalidade que questionavam o entendimento firmado pelo Supremo em 2016. E a Corte, em um momento em que Lula liderava as pesquisas de intenção de voto para presidente, permitiu a sua prisão e posterior retirada da corrida eleitoral.

“Se essa inversão [julgamento do HC de Lula antes do das ADCs] não tivesse sido feita, a história do Brasil talvez tivesse tomado um rumo diferente, e os atuais eventos históricos que vivemos fossem diferentes”, disse o ministro.

Conforme Lewandowski, não existe nenhuma decisão puramente discricionária. “Todas as decisões têm que ser fundamentadas, sob pena de nulidade”, analisou, apontando que Fachin não fundamentou o envio do caso ao Plenário. E a questão da competência é simples, corriqueira, não justificando análise do Pleno, opinou.

O ministro ainda disse que, se Fachin concedeu o HC como integrante da 2ª Turma, os agravos contra a decisão não poderiam ter sido afetados ao Plenário, pois a competência daquele órgão colegiado já havia sido fixada, conforme o artigo 10 do Regimento Interno.

O ministro Gilmar Mendes seguiu o voto de Fachin. Porém, criticou as idas e vindas do ministro sobre a afetação ou não do HC ao Plenário. “É um ir e vir um tanto quanto desorientado”.

Ao declarar a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar Lula, Edson Fachin revogou despacho de afetação do Habeas Corpus ao Plenário. 

Em novembro de 2020, Fachin enviou o caso ao Plenário porque a defesa de Lula questionou a observância do precedente firmado pelo STF no julgamento da questão de ordem no Inquérito 4.310. Neste caso, o Supremo concluiu que Moro só teria competência para julgar os casos que teriam relação com a apuração de fraudes e desvio de recursos no âmbito da Petrobras.

No entanto, Fachin revogou a afetação ao Plenário por entender que a 2ª Turma do Supremo já havia, em diversos momentos, se pronunciado sobre a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

De acordo com Gilmar, não se confunde discricionariedade e arbitrariedade. Afinal, o poder tem limites. Em sua visão, a decisão de afetação deve ser motivada.

O ministro também destacou que as turmas têm competência plena, conforme o artigo 3º do Regimento Interno. “Matéria que já foi decidida pela turma não pode ser submetida ao Plenário. Pois isso sugere expediente que não condiz com o devido processo legal. Não tem base”, declarou, afirmando que, em matéria decidida pela turma, o recurso compete à própria turma.

Para Gilmar, as idas e vindas do caso são um “vexame” e, por isso, é preciso alterar o Regimento Interno da Corte. “Fica mal para o tribunal. Como dizem os mais jovens: não é legal”.

Gilmar Mendes ainda destacou que não se pode ter processo ad hoc (para uma finalidade). “Processo ad hoc é da União Soviética, do modelo nazista. Lutamos muito e queremos preservar a democracia no Brasil. Queremos ter esse compromisso”.

Já o decano da corte, ministro Marco Aurélio, afirmou que o Plenário pode recusar a afetação de processo. A seu ver, não faz sentido transferir a discussão sobre a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para o Pleno, e não o julgamento sobre a suspeição de Moro, que é bem mais importante.

O ministro questionou se Lula tem a prerrogativa de só ser julgado pelo Plenário. E ressaltou que, se o relator julgou o caso monocraticamente, o recurso não deve ir para o Pleno.

HC 193.726

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