Trabalho contemporâneo

Justiça do Trabalho, seus amigos e inimigos

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13 de abril de 2021, 8h04

Semanalmente procuro fazer reflexões neste espaço com diferentes conteúdos, ora destrinchando os detalhes das alterações legislativas, ora criticando a forma de se interpretar e aplicar o Direito do Trabalho, necessariamente abordando o problema do voluntarismo nas decisões judiciais, o que vem me tornando uma espécie de voz dissonante, como bem analisado pela colega Olga Vishnevsky Fortes, vice-presidente em exercício da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), em artigo publicado aqui mesmo na ConJur.

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Tenho refletido bastante sobre a questão, principalmente a partir das repercussões do conhecido artigo "O caso MPT x churrascaria Fogo de Chão: R$ 17 milhões por cumprir a lei", que alcançou não apenas a comunidade jurídica trabalhista, mas também os colegas de diversos ramos do Direito e, ainda, outros setores da sociedade. Além dos mais de cem mil acessos na semana da publicação só aqui no site da ConJur, recebi centenas de mensagens elogiosas em todas as redes sociais, a questão foi comentada por jornalistas, da mídia tradicional e da independente, colegas juízes de outros ramos entraram em contato, médicos enviaram congratulações, enfim, ficou claro que boa parte da sociedade concorda com a "voz dissonante" que me tornei.

Em comum em todas as manifestações pude perceber um elogio à coragem com que expus um problema da atualidade, que é refletir sobre a forma como os juízes decidem e as repercussões disso para a sociedade, numa linguagem simples e contundente, a ponto de o artigo ter sido objeto de compreensão por quem não é da área jurídica; igualmente, ficou evidente o cansaço da sociedade com um Poder Judiciário imprevisível e que não dimensiona as consequências de suas próprias decisões, com especial destaque para a Justiça do Trabalho, enviesada numa atuação pró-trabalhador sob o manto da realização de uma justiça social conforme os valores ideológicos dos próprios magistrados.

Internamente tenho sofrido por ser essa "voz dissonante", a ponto de estar respondendo a reclamação disciplinar por conta da publicação do artigo acima citado, estando prestes a ter uma decisão oficial da corregedoria acerca da minha liberdade de expressão. A matéria é pacífica entre nós, juízes e membros do Ministério Público, no sentido de que um magistrado que exerce atividade docente e científica não pode ter menor liberdade de manifestação do seu pensamento que outros acadêmicos, sob pena de lesão ao princípio da isonomia, conforme nota pública da Frentas, entidade que congrega mais de 40 mil membros do Judiciário e do Ministério Público:

"9 — Malfere o princípio da isonomia, insculpido no caput do artigo 5º da Constituição da República, qualquer tentativa de se impor apenas a professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), que cumulem tais condições à de magistrado(a) ou de membro(a) do Ministério Público, restrições aos(às) demais não extensíveis, manifestamente comprometedoras da dignidade da profissão e da excelência no seu desempenho".

Embora aparentemente essa questão interna tenha um destino previsível, até porque vozes diferentes da minha já obtiveram tal reconhecimento perante o Conselho Nacional de Justiça, conforme decisão proferida no caso da colega Valdete Souto Severo, que publicou artigo intitulado "Por que é possível falar em política genocida no Brasil em 2020?" (veja aqui o artigo e aqui a decisão do CNJ), tive acesso nos últimos dias a um excelente estudo que demonstra exatamente o quanto pretendi expor e criticar, o que me causou imensa alegria por perceber que minha voz não é única, quiçá dissonante, mas possivelmente abafada.

Trata-se da dissertação da agora mestra Suzanne Teixeira Odane Rodrigues, sob a orientação do colega Luciano Benetti Timm, cujo título resume o problema: "Como decide a Justiça do Trabalho? Uma análise econômica da existência de viés protetivo do trabalhador nas decisões judiciais trabalhistas", defendida perante o Instituto Brasiliense de Direito Público.

A obra ainda não foi publicada, o que espero aconteça em breve, pois a comunidade jurídica trabalhista necessita de tais reflexões. Deixarei, portanto, de expor aqui seu conteúdo, reproduzindo apenas a parte final do resumo, que, creio, apresenta o tom de voz que considero necessário para o debate atual:

"As conclusões apontam para uma não-neutralidade dos magistrados trabalhistas, os quais consideram que possuem o dever de proteger a classe trabalhadora e, por conseguinte, criam direitos e deveres em prol destes para além do texto legal. Ao final, constata-se que o desconhecimento dos magistrados sobre as consequências econômicas de suas decisões ocasionam um efeito oposto ao esperado: desproteção da classe trabalhadora e aumento das taxas de informalidade e desemprego no país".

Impressiona a capacidade de em poucas linhas resumir o problema fundamental da Justiça do Trabalho. Coincidentemente, em palestra gratuita que ministrei online para o Conselho Trabalhista da Firjan, semana passada, defendi a necessidade de os magistrados trabalhistas estudarem Economia, não para se tornarem especialistas no tema, mas basicamente para poderem compreender que cada decisão judicial provoca um efeito na economia que pode produzir o oposto do esperado. O tal do efeito bumerangue tão bem identificado por Luciana Yeung Luk Tai e Luciano Timm no excelente artigo "A Justiça do Trabalho e o efeito bumerangue".

Não há dúvidas de que todos nós, magistrados do Trabalho, que vestimos a camisa e queremos exercer nosso papel para obter as transformações necessárias na sociedade em prol da tão sonhada justiça social, atuamos ativamente para que esse ideal seja alcançado. Não há dúvidas de que o desejo dos magistrados trabalhistas, de diferentes visões, é não mais encontrar nas mesas de audiências trabalhadores miseráveis, em situações constrangedoras e humilhantes. No fundo, o horizonte é o mesmo, apenas por caminhos diferentes.

Como alegoria, vamos imaginar dois caminhos básicos, um à esquerda e outro à direita. O da esquerda visto como um ideal luminoso, sob a batuta do sol, trilhado por pessoas do bem que comungam de um ideal transformador, progressista, que entendem melhor do que os próprios destinatários o que é bom para eles, concretizando seus direitos fundamentais sob a tutela da força imediatista. O da direita, vil, impiedoso, que lava as mãos para a justiça, preocupado apenas com números, lucro, atuando como robôs cumpridores das leis sem se vincular aos seres humanos, verdadeiros agentes impiedosos da vontade do mercado, que optam pela desconstrução e destruição, preferindo sombras apenas porque o sol está oposto. O primeiro lado supostamente amigo da Justiça do Trabalho; o outro, seu feroz inimigo.

Ambos os caminhos, em seus extremos, produzirão a morte do ideal da justiça social, seja porque o caminho do sol excessivo costuma cegar seus seguidores, seja porque o caminho das sombras fatalmente leva ao abismo. Nas alternativas aparentes, a maioria opta pela luz, aderindo a um coletivo que lhe dá suporte, afago e conforto emocional, bem como portas abertas para eventos, obras e publicações, sem preocupação com sua liberdade de expressão. E quem não escolhe explicitamente o caminho do sol automaticamente é colocado nas sombras, não adiantando nenhuma voz para se defender. Algo como dizia o personagem do "Auto da Compadecida" do saudoso Ariano Suassuna, Chicó: "Não sei, só sei que é assim".

A imunização cognitiva que vivenciamos com as vozes dissonantes revela o problema central da dificuldade de implementarmos as mudanças que necessitamos: existe liberdade plena de pensamento, mas de expressão apenas para quem fala para a maioria, num modelo prévio considerado por "correto".

Se pretendemos evoluir, precisamos reaprender algumas antigas lições a fim de que o debate na área trabalhista possa ser efetuado de forma honesta e para os ideais a que sempre se propôs: melhorar a condição do trabalhador. Para não ficar cansativo, elegi apenas um deles, que, penso, resume os demais: fraternidade. A quem se interessar, segue o link da encíclica Frattelli Tutti.

Independentemente de religiões, que a mensagem da fraternidade possa entrar nos corações de todos os caminhantes do bem, pois a perda da visão somente pode ser superada pelo amor, como Jesus ensinou a São Paulo Apóstolo. Que a Justiça do Trabalho cumpra seu papel, não fazendo poesia, mas distribuindo justiça conforme os limites impostos pelo ordenamento jurídico, de forma firme e sincera, ciente das consequências de seus atos, sem sucumbir aos lobos em pele de cordeiros. Amém.

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