Opinião

Os vetos à nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

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12 de abril de 2021, 6h34

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos foi sancionada no último dia 1º pelo presidente da República com 28 vetos. Após anos de tramitação do projeto original, a nova lei cria um marco legal para substituir a lei atual, de 1993, e as Leis do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações (RDC).

A Lei 14.133/21 pretende aperfeiçoar e modernizar o regime de contratações públicas em vigor, que há muito vem sendo questionado no meio jurídico. A esperança é de que a nova lei traga oportunidades para tornar as contratações mais ágeis e eficientes. Por outro lado, críticos já se antecipam em dizer que a nova lei representaria tímida inovação, com apego ao formalismo e à burocracia.

Comentamos a seguir aspectos envolvendo os principais vetos, que poderão ser revisados pelo Congresso Nacional até o início de maio.

Controle externo
Foram vetados dispositivos que disciplinavam a competência dos tribunais de contas, como o artigo 172 (e parágrafo único), que previam que órgãos de controle deveriam orientar suas decisões pelas súmulas do Tribunal de Contas da União (TCU) no tocante à aplicação da nova lei. Segundo as razões de veto, os dispositivos violariam a separação dos poderes e a autonomia federativa de estados, Distrito Federal e municípios.

A nova lei tratou da aplicação conjunta de penalidades a infrações tipificadas em diferentes normas. Nessa linha, o artigo 159 prevê que atos tipificados como infrações tanto na nova lei ou em outras leis de licitações quanto na Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção) serão julgados conjuntamente em um único processo, regido pela Lei Anticorrupção. O tema possui relevância em razão da insegurança causada pela multiplicidade de órgãos com competência para apuração de tais infrações.

Entretanto, recaiu veto sobre o parágrafo único do referido artigo 159, o qual previa que, em caso de celebração de acordo de leniência sob a Lei Anticorrupção, a Administração poderia isentar a empresa colaboradora de sanções previstas na nova lei e, com manifestação favorável do tribunal de contas competente, de sanções previstas na lei orgânica do respectivo tribunal. As razões do veto destacaram que a previsão violaria novamente o princípio da separação dos poderes, extrapolaria as competências conferidas aos tribunais de contas e contrariaria o interesse público ao condicionar a assinatura do acordo de leniência a uma nova etapa no procedimento, podendo vir a enfraquecer o instituto.

Todavia, ainda que o veto aparente esvaziar em parte a competência dos Tribunais de Contas no que concerne à celebração de acordos de leniência, já é reconhecida atualmente, por exemplo, a possibilidade de atuação conjunta do TCU com outros órgãos no âmbito de tais acordos, em casos envolvendo dano ao erário federal.

Também foi vetado o inciso XII do §1º do artigo 32, o qual conferia aos órgãos de controle externo prerrogativa expressa para acompanhar e monitorar os diálogos competitivos (modalidade de licitação instituída pela nova lei), e opinar, em até 40 dias úteis, sobre a legalidade, a legitimidade e a economicidade da licitação, antes da celebração do contrato. As razões do veto consideraram que o controle sobre atos internos da Administração extrapolaria a competência conferida a tribunais de contas.

Se por um lado o texto vetado pretendia garantir segurança jurídica aos gestores, que apenas celebrariam o contrato após deliberação do controlador, por outro, acabaria desestimulando a realização de tais procedimentos, sobretudo em razão do longo prazo concedido para apreciação do órgão.

Diálogo competitivo
Diálogo competitivo é a modalidade de licitação, importada da União Europeia, na qual a Administração estabelece diálogo com licitantes selecionados, de modo a reunir informações para definição de soluções que atendam às necessidades públicas, a serem previstas em edital.

O veto presidencial recaiu sobre o inciso III do artigo 32, que previa entre as hipóteses para adoção do diálogo competitivo aquela em que a Administração considerasse inadequada a utilização dos modos de disputa aberto e fechado para avaliação comparativa entre as propostas. O texto vetado já vinha sendo alvo de críticas por se tratar de hipótese de difícil comprovação e por descaracterizar o diálogo competitivo ao ampliar sua flexibilidade para a fase de avaliação de propostas.

Contratação integrada e semi-integrada
A nova lei contempla dois regimes de contratação de obras e serviços de engenharia, antes restritos ao RDC e às empresas estatais. São as contratações integrada e semi-integrada, nas quais fica a cargo do contratado a elaboração dos projetos básico e executivo (contratação integrada) ou do projeto executivo (contratação semi-integrada).

Com os vetos aos §§7º e 8º do artigo 46, foi suprimida a limitação do uso de tais regimes a contratos com valor superior a R$ 10 milhões. Considerou-se que a restrição impediria a adoção de tais regimes para obras de pequeno e médio porte.

Também foi vetado o §4º do artigo 115, segundo o qual, nas contratações de obras e serviços de engenharia, a manifestação ou licença prévias deveriam ser obtidas antes da divulgação do edital, caso a responsabilidade pelo licenciamento ambiental fosse da Administração. Todavia, nos termos das razões do veto, referida previsão deixaria de considerar o regime de contratação integrada, na qual o projeto — que é condição para a obtenção da licença prévia — ainda será elaborado pelo futuro contratado.

Publicidade e transparência
A nova lei cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que centralizará a divulgação das contratações de todos os entes federativos.

Sob o fundamento de que o PNCP já atenderia ao princípio da publicidade, foram vetados os §§4º e 5º do artigo 94, que estabeleciam à contratada (salvo se micro ou pequena empresa) a obrigação de divulgar em seu sítio eletrônico o teor dos contratos firmados sob a nova lei. Ainda, as razões do veto consideraram que a medida contrariaria o interesse público por impor ônus financeiro adicional ao particular, podendo acarretar aumento dos custos dos contratos com a Administração.

Na mesma linha foi vetado o §1º do artigo 54 da nova lei, que estabelecia a obrigação de publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do estado, do Distrito Federal ou do município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação. Conforme as razões do veto, a determinação de publicação em jornal de grande circulação contrariaria novamente o interesse público, por configurar medida desnecessária e antieconômica, dado que a divulgação em sítio eletrônico oficial já atenderia ao princípio da publicidade. Ainda, constou dos vetos que o referido princípio já seria devidamente observado com a divulgação dos instrumentos no PNCP.

Sob idênticos fundamentos, foi vetado o §2º do artigo 175, o qual exigia a divulgação complementar de extrato do edital em jornal diário de grande circulação local para municípios até o final de 2023.

Também foi vetado o §5º do artigo 174, que previa a divulgação no PNCP de notas fiscais destinadas a órgãos da Administração. Conforme as razões do veto, a medida contrariaria o interesse público, notadamente em casos envolvendo segurança pública ou nacional, já que o texto vetado não previa exceções para casos de sigilo.

Parecer jurídico
A nova lei avança ao suprir a lacuna da atual lei a respeito da fase interna da licitação, especialmente em relação às etapas de planejamento da Administração. Nessa linha, o artigo 10 da nova lei prevê que a autoridade que precisar se defender na esfera administrativa, controladora ou judicial, em razão de ato praticado em conformidade com orientação exarada em parecer jurídico elaborado nos termos da lei poderá, a seu critério, ser representada pela advocacia pública.

Contudo, foi vetado o inciso I do §1º do referido artigo, que estabelecia que a autoridade não gozaria de tal prerrogativa caso o responsável pela elaboração do parecer não pertencesse aos quadros permanentes da Administração. A supressão do referido dispositivo busca assegurar a proteção de gestores para casos em que o parecer seja elaborado por servidores comissionados (tal qual nos casos de muitos municípios) ou por servidores exonerados. Embora não mencionado nas razões do veto, também não deveria constituir exceção à regra o parecer jurídico elaborado por assessores contratados.

Também foi vetado o §2º do artigo 53, o qual previa que o parecer jurídico que desaprovasse no todo ou em parte a continuidade da contratação poderia ser rejeitado de forma motivada pela autoridade máxima do órgão ou entidade, hipótese em que esta assumiria a responsabilidade pessoal e exclusiva por eventuais irregularidades dali decorrentes. Como apontado nas razões do veto, o dispositivo daria margem à interpretação de que, como regra geral, o parecerista seria corresponsável por atos de gestão, contrariando a posição tradicional da jurisprudência e gerando insegurança à atividade de assessoramento jurídico.

Ainda, o veto presidencial suprimiu a previsão do §6º do artigo 53, no sentido de que o membro da advocacia pública seria civil e regressivamente responsável caso agisse com dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico. A supressão do dispositivo não impacta a responsabilização do agente público, já que a responsabilidade profissional da advocacia pública é disciplinada em outras normas e, ao agir com dolo ou fraude, o agente público já estaria sujeito, por exemplo, às disposições da Lei de Improbidade Administrativa e ao artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Por fim, por considerar que violaria a separação dos poderes ao tratar de fluxo processual interno da Administração, foi vetado o inciso III do §1º do artigo 53, que estabelecia regras específicas para a padronização dos pareceres jurídicos quanto às ilegalidades identificadas. Referido veto suprimiu a exigência de que o parecer aponte orientações específicas e sugestão de medidas que possam adequar o ato à legislação aplicável.

Margem de preferência
Foram vetados, também, os §§3º e 4º do artigo 26 da nova lei, que estabeleciam a possibilidade de: 1) estados, Distrito Federal e municípios instituírem margem de preferência de até 10% para bens manufaturados nacionais produzidos em seus territórios; e 2) municípios com até 50 mil habitantes instituírem margem de preferência de até 10% para empresas ali sediadas.

As razões do veto destacaram corretamente que tais previsões violariam dispositivo constitucional que veda a criação de distinções ou preferências entre brasileiros, e que limitariam a concorrência, especialmente em contratações de infraestrutura. O texto vetado havia sido alvo de críticas, tanto sobre a ausência de racionalidade em margens de preferência baseadas na localização de licitantes quanto pela ampla discricionariedade conferida ao gestor público local. Ainda, vale destacar que tais vetos estão em linha com o Acordo de Compras Governamentais da OMC, ao qual o Brasil pretende aderir, que veda a discriminação de fornecedores.

Divulgação do orçamento
Outro veto recaiu sobre o inciso II do artigo 24 da nova lei, que determinava que o orçamento seria tornado público logo após a fase de julgamento das propostas. As razões do veto consideraram que a medida contrariaria o interesse público, ao fixar o momento de divulgação do orçamento.

O texto vetado prejudicaria a fase de negociação, que ocorre após a fase de julgamento, uma vez que o licitante já teria tido acesso ao orçamento da contratação. Assim, o veto confere maior autonomia ao gestor para definir o melhor momento para sua divulgação, em observância aos princípios estabelecidos na nova lei.

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