Justiça Tributária

A demorada reforma tributária e o Código de Defesa do Contribuinte

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

12 de abril de 2021, 8h02

"O Código Tributário Nacional se preocupa tão
somente com a arrecadação e a administração tributária,
não dando qualquer indicação de que os direitos do
contribuinte devam ser legalmente protegidos.”

"Justiça Tributária", Editora Outras Palavras, São Paulo, 2014, pg. 156)

Spacca
Nossa Constituição traz em seu preâmbulo os princípios básicos sobre os quais todos os nossos direitos e obrigações devem assentar-se. Assim, antes da enumeração das normas constitucionais, o Congresso Nacional Constituinte, considerando que todo poder emana do Povo (CF artigo 1º, § único) reuniu-se, em nome desse  povo que representava,

"…para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…”

Um dos direitos sociais certamente é a proteção ao contribuinte contra eventuais abusos do fisco. Para viabilizar tal amparo foi apresentado ao Congresso  em 2001 o Projeto de Lei Complementar  nº 194, cuja ementa diz que tal proposta  "Dispõe sobre os instrumentos de defesa do sujeito passivo da obrigação tributária".

Nesta quinta-feira (8/4), a Folha de S.Paulo noticiou que 27 secretários estaduais de Fazenda e representantes de 5.000 municípios teriam apresentado documento defendendo uma reforma tributária parecida com propostas já em discussão na Câmara e no Senado.

Entidades da área tributária, incluindo representantes do fisco, sustentam que é necessária a unificação de todos os tributos sobre consumo em uma única base de incidência. Um "fatiamento"da reforma, segundo tais representantes, poderia gerar mais insegurança jurídica, permitindo que ainda permaneça a grande complexidade das normas hoje em vigor.

Na verdade, o que temos hoje é uma grande confusão geral no sistema tributário. Ainda recentemente um atacadista de cosméticos estabelecido em Goiás negou-se a vender mercadorias a um varejista de São Paulo, alegando que o fisco goiano exigia que o ICMS fosse recolhido na origem, incluindo a margem de venda ao varejo. O custo da operação impediu o negócio, com perda para ambas as partes.

O nosso sistema tributário é, provavelmente, o mais confuso do mundo! Isso acaba gerando interpretações que causam incertezas tanto para o sujeito ativo (fisco) quanto para o passivo (contribuinte) da relação jurídica.

Uma ocorrência muito comum é a lavratura de auto de infração baseada em presunções, sem provas adequadas de existência de elisão, fraude ou sonegação. A jurisprudência registra julgados muito claros nessa questão: meras presunções não podem embasar lançamento tributário.

Ainda neste exercício é pouco provável que seja feita uma reforma tributária que torne menos confusa a vida do contribuinte brasileiro.

Seja por uma razão ou outra, torna-se cada vez mais urgente lutarmos pelo Código de Defesa do Contribuinte.

Em 18 de janeiro deste ano, com o título "Descaminhos e pandemônio na novela da reforma tributáriaafirmamos que:

“…. ninguém duvida de que a nossa carga tributária é uma das mais elevadas do mundo (perto de 40%). Apesar disso, os serviços e benefícios que nos retornam são desproporcionais. Não é necessário nos alongarmos muito. Já a "máquina pública" sustentada pelos impostos é um insaciável monstro devorador de tudo.

A reforma tributária deveria sair neste ano, mas está cheia de defeitos e mantém as injustiças em vigor. Está claro o descaso do Ministério da Economia em relação a essa questão.”

Concluímos aquela coluna ainda afirmando:

"Temos repetido que a reforma tributária de que necessitamos deve atingir três objetivos fundamentais: redução da carga tributária, simplificação da burocracia fiscal e segurança jurídica.”

Quanto ao Código de Defesa do Contribuinte, que está mofando há 20 anos nas gavetas do Congresso, surgiu em 2010 a Lei 12.325 para inventar em seu lugar o "Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte". Essa "coisa" foi sancionada pelo então presidente Lula e também pelo ministro Guido Mantega e o então advogado-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams.

Vejamos o texto integral dessa lei, composta de apenas dois artigos que dizem algo, um que foi vetado e o último que trata da vigência. Ou seja: lei feita para nada, por pessoas que "faziam tudo" que não prestava! E o Congresso em 2010 ficou calado!

“Art. 1º Fica instituído o Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte, data de conscientização cívica a ser celebrada, anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte.

Art. 2º Os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e pela arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde possuírem sede, campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes.

Parágrafo único. Os servidores dos órgãos referidos no caput participarão ativamente das atividades de celebração do Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte.”

Resumo da ópera: os contribuintes não somos respeitados, existem códigos até para proteger plantas e animais, mas nós, na visão do nosso "governo", merecemos apenas o dia 25 de maio! Precisamos com urgência de uma ampla reforma tributária e também de um Código de Defesa dos Contribuintes. Em síntese: queremos Justiça Tributária!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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