A história se repete

Decisão do Supremo sobre instalação de CPI tem precedentes de 15 anos na Corte

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11 de abril de 2021, 12h27

Ao determinar que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, instaurasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a irresponsabilidade do governo federal na gestão da crise sanitária, o ministro Luís Roberto Barroso estava seguindo precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Nelson Jr./SCO/STF
Nelson Jr./SCO/STFBarroso seguiu precedentes do Supremo para garantir direito das minorias no Senado

Barroso reeditou um roteiro traçado pela Corte em 2005. Na ocasião, por nove votos a um, acompanhando o voto do ministro Celso de Mello, o STF determinou ao então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), a instauração da CPI dos Bingos.

Na ocasião, o colegiado debateu pela primeira vez a questão dos direitos da minoria no Congresso. Em um voto hoje histórico, Celso de Mello sustentou que o direito de oposição prevalece mesmo que com inferioridade numérica. O fundamento básico da decisão foi o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição Federal.

Celso de Mello ressaltou que, em um regime democrático, "não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição". A posição de Celso prevaleceu por 9 votos a 1, vencido apenas o ministro Eros Grau.

A CPI pretendia investigar as ligações do governo Lula com o escândalo deflagrado pelas gravações em que Waldomiro Diniz, assessor de José Dirceu (que era ministro da Casa Civil), aparecia negociando contratos da loteria federal com o bicheiro conhecido como Carlinhos Cachoeira.

Depois, em 2007, a história se repetiu, dessa vez na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, à época, Arlindo Chinaglia (PT), tentava contornar a instalação de outra CPI, dessa vez para investigar o apagão aéreo.

Na época, o requerimento da CPI foi protocolado pelos deputados tucanos Vanderlei Macris (SP) e Otávio Leite (RJ). Quando Chinaglia anunciou a abertura da CPI, o líder petista na Câmara, Luiz Sérgio (RJ), levantou uma questão de ordem. O parlamentar argumentou que o requerimento para a criação da comissão não cumpria requisitos constitucionais, como a existência de um fato determinado. Com o argumento, consegui a suspensão da instauração no plenário e entrou com recurso na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para impedir a abertura da CPI.

Carlos Moura/SCO/STF
Carlos Moura/SCO/STFCelso de Mello foi relator de dois mandados de segurança que cimentaram precedentes sobre direitos das minorias no Congresso

Um mês depois, o Supremo decidiu novamente obrigar o parlamentar a dar andamento à CPI, também guiado pelo voto do ministro Celso. "Não há nada que impeça, em situações como esta, que o STF venha exercer o poder que a lei lhe impõe, quando devidamente provocado", afirmou na ocasião.

Para Celso de Mello, a relevância do caso impõe reconhecer que existe um estatuto constitucional para garantir o direito da minoria parlamentar. "O STF tem consciência de que precisa garantir a efetiva prestação jurisdicional do direito de oposição. A Corte deve sempre fiscalizar e corrigir omissões legislativas. Ao assim proceder, não se vulnera ao princípio da separação dos poderes."

"Há direito subjetivo da minoria, como estabelece a própria Constituição Federal", ressaltou Gilmar Mendes no julgamento. "Não estamos falando de questão política. Estamos reforçando um controle que se exerce sobre os atos do Congresso Nacional. O Tribunal hoje está, mais uma vez, ressaltando o papel fundamental de controle judicial e o valor da própria Constituição."

CPI da Covid-19
Acostumado a culpar governadores, prefeitos, a mídia e o Judiciário pelos efeitos da sua própria falta de iniciativa no combate à Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar o Supremo Tribunal Federal na sexta-feira (9/4), na figura do ministro Luís Roberto Barroso.

Barroso atendeu a um pedido de dois senadores e determinou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), faça o que tem obrigação de fazer: abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito quando o pedido conta com a assinatura de mais de um terço dos parlamentares da Casa.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Tânia Rêgo/Agência BrasilBolsonaro culpa Judiciário pelos efeitos de sua falta de iniciativa no combate à Covid

Bolsonaro usou a decisão para atacar Barrroso, dizendo que se tratou de "uma jogadinha casada [entre] Barroso [e] bancada de esquerda no Senado para desgastar o governo". "Tem processo de impeachment contra ministros do STF, não tem? Quero ver se o Barroso vai ter coragem moral de mandar instalar esse processo de impeachment também. Pelo que me parece, falta coragem moral para o Barroso e sobra ativismo judicial."

Por meio de nota institucional, o Supremo afirmou que "os ministros que compõem a Corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis e que, dentro do Estado democrático de Direito, questionamentos a elas devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país".

Barroso também se defendeu dos ataques do presidente e disse que consultou todos os integrantes da Corte antes de ordenar a instalação da CPI no Senado: "Na minha decisão, limitei-me a aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros. Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar."

O ministro Marco Aurélio, ao Valor Econômico, defendeu Barroso e criticou o presidente. "Eu espero que o presidente da República deixe um pouco de lado a retórica e arregace as mangas para fazer o melhor para o povo brasileiro", afirmou o ministro. "O presidente ao invés de ter dado, de início, o bom exemplo, ele ridicularizou [a pandemia]. Gripezinha, quem não sai à rua é marica."

No sábado (10/4), o ministro Alexandre de Moraes classificou as falas do presidente como "grosseria e desrespeito". "É lamentável a forma e o conteúdo das ofensas pessoais que foram dirigidas ao ministro Barroso. Eu digo a forma e o conteúdo porque não só o conteúdo é falso, absolutamente equivocado, mas a forma também. A forma grosseira, a forma descabida, de relacionamento entre os poderes", disse.

Neste domingo, em entrevista ao Estadão, o ministro aposentado Celso de Mello afirmou que Bolsonaro age como um "monarca presidencial" e "revela a face sombria de um dirigente que não admite nem tolera limitações ao seu poder".

MS 24.831-9 (CPI dos Bingos)

MS 26.441 (CPI do Apagão Aéreo)

MS 37.760 (CPI da Covid-19)

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