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Emendas em MP de modernização de negócios propõem conciliação forçada

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11 de abril de 2021, 7h50

No último dia 30/3, o governo federal editou uma medida provisória que busca desburocratizar o ambiente de negócios e facilitar a abertura de empresas no país. A MP 1.040/2021, enviada ao Congresso, também visa garantir a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior e a liberação de construções de baixo risco.

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Proposta do governo quer melhorar ambiente de negócios do país123RF

O principal objetivo do governo é melhorar sua posição no ranking Doing Business, do Banco Mundial, que avalia a facilidade de firmar negócios em um país. Atualmente, o Brasil é o 124º colocado dentre 190 nações, atrás de economias bem menores.

Para isso, a medida prevê a unificação das inscrições no CNPJ, a disponibilidade de guichê único eletrônico a operadores de comércio exterior, permissão para trabalho virtual de tradutores e intérpretes comerciais e aceleração de processos de acesso a energia elétrica. Também promove alterações na Lei das S.A. para estender prazos de envios de informações, vedar acúmulo de funções de topo e aprimorar a comunicação.

Porém, algumas movimentações no Congresso acendem polêmicas sobre a proposta. Emendas apresentadas tanto na Câmara quanto no Senado sugerem tornar obrigatória uma tentativa extrajudicial de resolução dos conflitos entre as partes antes de acionar a Justiça. Por mais que a intenção seja de aliviar o volume de demandas no Judiciário, juristas indicam preocupação quanto ao teor das propostas.

Incentivo ou imposição?
Uma emenda apresentada pelo deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) propõe que o interesse processual em demandas de direitos patrimoniais disponíveis somente ocorra caso seja constatada "a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor". A demonstração dessa resistência se daria justamente mediante a tentativa prévia de conciliação.

"A importância da presente iniciativa está em incentivar tanto consumidores quanto fornecedores a buscarem a resolução dos conflitos entre si, em vez de inundar o Judiciário com questões que podem ser solucionadas de forma mais rápida e menos custosa para o Estado", justifica o parlamentar. Ele acrescenta que os meios não litigiosos costumam oferecer melhores desfechos para as partes.

Cadu Tavares
MP ainda passa pelo Congresso e diversas emendas já foram propostas
Cadu Tavares

Outra emenda, da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), traz a mesma ideia, com especificações ainda mais detalhadas. Ela defende que a judicialização no Brasil poderia ser evitada "caso as partes fossem estimuladas a uma tentativa de autocomposição forçada, antes do ajuizamento de uma ação".

A parlamentar também sugere punição pelo uso desnecessário do sistema público para resolução das controvérsias. A proposta é condenar ao ônus sucumbencial a parte que negar acordo e depois conseguir em juízo um valor inferior à oferta extrajudicial.

"Essa emenda obriga as partes a se procurarem antes de propor a ação. Parece bom para evitar a litigiosidade judicial, mas, na prática vai facilitar a vida do devedor, que terá mais tempo para se furtar ao pagamento, e dificultar a do credor, que não poderá tomar medidas cautelares com a urgência necessária", opina Alberto Toron, advogado criminalista.

Um ministro do Superior Tribunal de Justiça pensa que os projetos parecem ir longe demais: "O acesso à Justiça, especialmente para os mais vulneráveis, fica prejudicado. A maneira pela qual se prevê o esgotamento das tentativas de autocomposição parece muito draconiana, além do que se vê no Direito Comparado. Só falta seguirmos a Suprema Corte americana, admitirmos arbitragem para tudo e acabarmos com as ações coletivas".

Ao estabelecer o interesse processual apenas em tais ocasiões, a emenda poderia criar uma confusão sobre esse conceito de longa data consagrado no processo civil, na opinião de Marcos Roberto de Moraes Manoel, advogado coordenador da área de Direito Empresarial e de Negócios do escritório Nelson Wilians Advogados. "A meu ver, fica caracterizada uma inconsistência técnica que tende a fomentar mais debates jurídicos processuais em sedes preliminares, dificultando-se o enfrentamento do mérito das ações."

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    Parlamentares sugerem que tentativas de conciliação sejam obrigatóriasReprodução

O advogado também expõe sua visão sobre o "dever de negociar": "Entendo que ninguém pode ser compelido a negociar e/ou a buscar a autocomposição, ou a celebração de acordo, em que pese os seus aspectos indiscutivelmente positivos. É legítimo que alguém que se sinta lesado em um direito deseje obter um pronunciamento do Poder Judiciário sobre a questão".

Por fim, Marcos ressalta que já existem diversas leis que amparam a solução extrajudicial de conflitos, como a Lei de Mediação, a Lei de Arbitragem, e o próprio Código de Processo Civil, que estabelece que o autor de uma ação deve indicar se tem interesse em audiência de conciliação e mediação. Há também os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), que atendem os interessados em composições extrajudiciais. "O problema da excessiva judicialização só pode ser resolvido por meio de uma mudança de mentalidade e cultural", conclui

Prescrição intercorrente
Para além das emendas, a redação original da MP apresenta uma polêmica quanto ao prazo da prescrição intercorrente — o tempo que uma parte tem para buscar bens penhoráveis para a execução ou o cumprimento da sentença. A medida iguala esse período ao prazo da prescrição da pretensão.

Contudo, de acordo com Paulo Henrique Gomiero, diretor jurídico da consultoria Alvarez & Marsal, em artigo publicado na ConJur, a proposta erra ao inserir a mudança no Código Civil, e não no CPC. Além disso, a norma dispôs sobre o prazo apenas para a execução, e não para o cumprimento da sentença.

Já os professores da UFMG Juliana Cordeiro de Faria e Edgard Audomar Marx Neto, na coluna Direito Civil Atual, consideraram que a alteração indica maior segurança e previsibilidade do prazo de prescrição, mas não consegue regular toda a abrangência do fenômeno e não contempla elementos como hipóteses de cabimento, termo inicial, impedimentos e suspensão da contagem de prazos.

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