Opinião

Uma proposta contra os crimes de ódio na internet

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9 de abril de 2021, 18h13

A polarização política que vem dominando o Brasil, associada às divergências acerca do enfrentamento da Covid-19, exacerbaram as ofensas e elevaram o tom das críticas veiculadas na internet. Muitas delas ultrapassam os limites civilizados e geraram uma demanda por soluções de restrição à liberdade de manifestação.

Contudo, não podemos esquecer que a Constituição de 1988 fez uma indiscutível opção por garantir as liberdades de comunicação, informação e manifestação ao vedar qualquer forma de "censura ou licença". Optou pela responsabilização posterior em caso de abuso.

O único requisito para o exercício do amplo direito à livre manifestação é a identificação de quem emite a mensagem, por meio da vedação ao anonimato. Assim dispõe a Constituição, em seu artigo 5º, incisos IV, IX e V:

"IV  é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX  é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
V
 é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".

Esses incisos foram inspirados na 1ª Emenda à Constituição norte-americana e no artigo 7º [1] da Constituição Francesa de 1793 [2], bem como nos artigos 19 [3] da Convenção de Direitos Humanos de 1948 (ratificada pelo Brasil em 1968) e 13 [4] do Pacto de San José da Costa Rica, a chamada Convenção Americana de Direitos do Homem (assinada em 1960 e ratificada pelo Brasil em 1992).

Como consequência da clareza do texto constitucional e do status igualmente constitucional das referidas convenções, garantido pelo §3º do artigo 5º, qualquer solução de desestímulo às agressões e ao ódio na internet deve passar pelos Direitos Penal e Civil, não pela inconstitucional restrição ao direito de manifestação.

Ocorre que nosso Código Penal traz penas muito leves para as ofensas, sejam calúnias, difamações ou injúrias, e simplesmente não contempla as manifestações de ódio e incitamento a agressões a pessoas ou instituições.

A solução para tais problemas é a tipificação das manifestações de ódio e o agravamento das penas de ofensa. O agravamento pode ser feito por meio da alteração do artigo 141, que regula os três tipos de crimes contra a honra. Já a tipificação seria adequadamente colocada como um tipo novo em seguida ao de ameaça, com a qual se assemelha.

Segue o texto das sugestões:     

"Ameaça pública
Artigo 147-B
 Incitar publicamente, por qualquer meio, o cometimento de agressões a pessoas ou manifestar desejo de que sofram agressões, lesões ou venham a óbito.
Pena
 reclusão de dois a oito anos e multa.
§1º 
 Nas mesmas penas incidem os que atacam, incitam ou defendem publicamente ataques a prédios ou instituições públicas ou privadas.
§2º  As penas privativa de liberdade e de multa serão dobradas se a vítima for agente público no exercício de suas funções.
Calúnia, difamação e injúria  (…)
Artigo 141  As penas cominadas neste Capítulo aplicam-se cumulativamente e em quádruplo se qualquer dos crimes é cometido:

Seriam mantidos os quatro incisosm [5], uma vez que o inciso III já abrange o uso da internet em razão da expressão 'por meio que facilite a divulgação".

 


[1] First Amendment Text: "Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances".

[2] "Article 7 – Le droit de manifester sa pensée et ses opinions, soit par la voie de la presse, soit de toute autre manière, le droit de s'assembler paisiblement, le libre exercice des cultes, ne peuvent être interdits. La nécessité d'énoncer ces droits suppose ou la présence ou le souvenir récent du despotisme".

[3] CDH, 1948: "Todo homem tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser incomodado por suas opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias, por quaisquer meios de expressão, independentemente de fronteiras".    

[4] CADH: "Artigo 13 – Liberdade de Pensamento e de Expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessária para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou  b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pública.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões".

[5] Texto atual: "Artigo 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II – contra funcionário público, em razão de suas funções; III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria".

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