Opinião

Sobre os caminhos da 'lava jato'

Autor

  • Paulo Klein

    é advogado na área de Direito Penal e Processual sócio fundador do escritório Klein & Giusto pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em convênio com a Universidade de Coimbra em Portugal e membro da Comissão de Direito Penal da OAB de Petrópolis (RJ).

9 de abril de 2021, 13h37

A recente decisão do ministro Edson Fachin lançada nos autos do Habeas Corpus nº 193726, impetrado pela defesa técnica do ex-presidente Lula, causou verdadeiro terremoto na política nacional e intenso e acalorado debate técnico e acadêmico a respeito da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde, como se sabe, tramitaram e ainda tramitam os processos da autodenominada operação "lava jato".

A bem da verdade, para os advogados que acompanham a referida operação em Curitiba, assim como o seu respectivo desdobramento no Rio de Janeiro, não foi qualquer surpresa, uma vez que, desde o início, várias foram as arguições de incompetência não só do juízo da 13ª Vara Federal, assim como o da 7ª Vara Federal, respectivamente.

Como se sabe, após vários julgamentos, nas mais diversas instâncias, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a competência para processamento e julgamento dos processos que tramitavam na 13ª Vara Federal de Curitiba seria somente naqueles que estivessem relacionados com a Petrobras, conforme julgamento realizado em 23 de setembro de 2015, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, onde se assentou que, a partir do voto proferido pelo ministro Dias Toffoli, a ausência de "dependência recíproca entre esses fatos, geneticamente relacionados, em tese, à gestão de empréstimos consignados no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e a apuração de fraudes e desvio de recursos no âmbito da Petrobras" (INQ 4.130).

Portanto, nada obstante a alegação de incompetência da defesa técnica do ex-presidente Lula só tenha sido reconhecida agora, como bem ressaltou o ministro Edson Fachin em seu irretocável voto, a decisão que a firmou está lastreada em iterativa jurisprudência da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, na linha do que foi assentado no aludido julgamento do Plenário do próprio Excelso Pretório.

De outro lado, parece que a mesma distribuição por prevenção e conexão inexistente, e que teria atraído a competência para processamento e julgamento da denominada organização criminosa liderada pelo ex-governador Sérgio Cabral, também deverá seguir a mesma trilha, ou seja, restará reconhecida a incompetência do juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro para o julgamento da operação "Calicute" e todos os seus desdobramentos.

Isso porque, vale lembrar, a primeira fase da autodenominada "lava jato" no Rio de Janeiro, distribuída para 7ª Vara Federal, mais especificamente a operação "Radioatividade", que dava conta de suposta corrupção ativa, peculato e organização criminosa envolvendo os fatos relacionados à construção da Eletronuclear, nasceu do reconhecimento da incompetência do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, em razão das colaborações premiadas firmadas pelos executivos da Construtora Camargo Corrêa, então uma das prestadoras de serviços para Petrobras.

Nesse sentido, como parte dos fatos delatados pelos executivos da Camargo Corrêa não estavam relacionados à Petrobras, mas, sim, à suposta prática de crimes havidos na execução das obras para a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Rio de Janeiro, reconheceu-se que a competência seria da Justiça federal desta última.

Com efeito, a partir das aludidas colaborações descortinou-se que todas as grandes empreiteiras que supostamente participaram do esquema de corrupção na Petrobras também o fizeram em outras estatais, sempre utilizando o mesmo expediente.

Tanto é assim que, posteriormente e a partir da prisão dos executivos da Andrade Gutierrez na operação "Radiotatividade", foram obtidas novas colaborações, desta vez apontando a prática de supostos crimes na gestão do então governador Sérgio Cabral.

Ou seja, a competência por prevenção e conexão, envolvendo os fatos dos supostos crimes praticados na gestão da Eletronuclear e aqueles narrados pela força-tarefa do Ministério Público Federal, relacionados à organização criminosa liderada pelo ex-governador, e que justificariam a competência da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, foi, em verdade, firmada a partir das colaborações premiadas dos executivos da Andrade Gutierrez, que, por sua vez, decorreram daquelas da Camargo Corrêa no âmbito da Petrobras S/A, em Curitiba.

Ocorre que, conforme o valioso e irretocável voto do ministro Gilmar Mendes nos autos do Habeas Corpus nº 181.978, restou consignado que a jurisprudência do Supremo já teria pacificado o entendimento de que a colaboração premiada não fixa competência, conforme decisão nos autos do Inquérito (INQ) 4130, pois os fatos relatados em colaboração premiada não geram prevenção.

Com efeito, segundo a lição do ministro, enquanto meio de obtenção de prova, os fatos, quando não conexos com o objeto do processo que deu origem ao acordo, devem receber o tratamento conferido ao encontro fortuito de provas, e prossegue: "A regra, no processo penal, é o respeito ao princípio do juiz natural, com a devida separação das competências entre Justiça Estadual e Justiça Federal". Segundo o relator, a competência não pode ser definida com base em critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos de persecução e julgamento, "como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, independente das peculiaridades de cada situação".

Assim, dentro dessa perspectiva, ainda que a competência dos fatos envolvendo a suposta organização criminosa liderada pelo ex-governador pudesse eventualmente ser da Justiça federal, em razão dos recursos que foram utilizados nas obras da Copa do Mundo e da Olimpíada terem saído do orçamento da União, estes deveriam ter sido encaminhados à livre distribuição a uma das Varas Federais do Rio de Janeiro, sob pena de violação do princípio constitucional do juiz natural.

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    é advogado especializado em Direito Penal e Processual, sócio-fundador do escritório Klein & Giusto, pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais de Coimbra (IBCCRIM).

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