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STF permite restrição de cultos presenciais para conter transmissão do coronavírus

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8 de abril de 2021, 19h49

A liberdade de professar religião em cultos não é um direito absoluto e pode ser temporariamente restringida para assegurar as garantias à vida e à saúde. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por nove votos a dois, negou, nesta quinta-feira (8/4), pedido do Partido Social Democrático (PSD) contra o Decreto 65.563/2021, que proibiu atividades religiosas presenciais no estado de São Paulo para conter a propagação do coronavírus.

Carlos Moura/SCO/STF
Alexandre de Moraes disse que restrição a cultos não suprime liberdade religiosa
Carlos Moura/SCO/STF

No último sábado (3/4), o ministro Nunes Marques aceitou pedido liminar da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) para suspender decreto paulista e determinou que quaisquer decretos semelhantes nos estados e municípios do país não sejam cumpridos. Já nesta segunda o ministro Gilmar Mendes negou liminarmente o pedido do partido pela inconstitucionalidade do decreto de São Paulo.

Na sessão desta quarta (7/4), o relator do caso, Gilmar Mendes, votou para negar, no mérito, a ação do PSD. De acordo com o magistrado, o direito à liberdade religiosa tem duas dimensões: a interna, que assegura que as pessoas podem acreditar no que elas quiserem, e a externa, que permite a manifestação de suas crenças. A primeira faceta desse direito não pode ser restringida pelo Estado, mas a segunda, sim, especialmente em prol da vida e da saúde, disse Gilmar, citando o artigo 5º, VI, da Constituição. O dispositivo possui a seguinte redação: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux seguiram o relator.

Alexandre de Moraes criticou as sustentações orais feitas na sessão desta quarta em defesa da permissão de cultos religiosos durante a epidemia.

"Parece que estamos julgando a criminalização de religiões, perseguições, a prisão de pastores e padres. Alguns trechos [das sustentações orais] foram realmente inacreditáveis de serem ouvidos no momento em que o país chega a 340 mil mortos de Covid-19 e há um colapso da rede de saúde", disse.

Segundo Alexandre, a liberdade religiosa tem duas acepções: a de proteger o indivíduo de ações estatais que visem a sua supressão e a de assegurar que o Estado é laico e não pode tomar medidas com base em dogmas religiosos. E os decretos que restringem os cultos durante a epidemia não suprimem a fé das pessoas — apontou o ministro, destacando que a liberação dos eventos seria uma total falta de razoabilidade.

Por sua vez, Edson Fachin lembrou que a restrição não é apenas aos cultos, mas a todos os eventos que possam gerar aglomerações. "Não há como, no auge da pandemia, entender que a restrição aos cultos é inconstitucional. Inconstitucional não é o decreto. Inconstitucional é a omissão de quem não age de imediato para evitar as mortes, não promove meios para que as pessoas fiquem em casa com condições dignas, recusa as vacinas que teriam impedido esse cenário".

Luís Roberto Barroso disse que a restrição temporária das atividades presenciais, em prol da proteção à vida, não fere o núcleo essencial da liberdade religiosa. O ministro lembrou que a medida busca proteger não só os fiéis, mas toda a população, porque os religiosos circulam e podem ser vetores de transmissão do coronavírus.

Rosa Weber avaliou que o gestor público responsável e diligente não só pode como deve implementar medidas restritivas para conter a Covid-19. Conforme a ministra, a proteção à saúde autoriza o Estado a limitar atividades religiosas presenciais.

Já Cármen Lúcia ressaltou que o artigo 196 da Constituição obriga o poder público a adotar políticas de prevenção ao coronavírus. "A saúde é direito de todos, mas dever do Estado, garantindo por políticas sociais e econômicas que reduzem o risco de doenças", disse.

Ricardo Lewandowski afirmou que o veto a cultos presenciais é uma medida legítima em um cenário de emergência. "Não imagino que os ingleses fossem pedir a liberdade de culto enquanto estavam sob bombardeio da Alemanha na Segunda Guerra Mundial", analisou.

"O Supremo não governa. Quem governa é o Executivo", declarou Marco Aurélio, avaliando que o governo de São Paulo agiu a tempo de evitar um desastre ainda maior. "Queremos rezar, rezemos em casa. Não há necessidade de abertura de templos".

O presidente do STF, Luiz Fux, argumentou que a situação excepcional permite a proibição de cultos presenciais. "A fé abstrata levou a inúmeros óbitos, como no caso da pílula contra o câncer. É o momento de deferência à ciência", disse.

Voto vencido
Nunes Marques abriu a divergência e foi seguido por Dias Toffoli. O mais novo integrante do Supremo afirmou que a liberdade religiosa não pode ser suspensa nem em estado de sítio ou defesa. Portanto, não pode sofrer restrições no atual momento, em que nenhum desses regimes excepcionais foi decretado.

"O confinamento é importante, mas também pode matar se as pessoas não tiverem algum alento espiritual. E as igrejas têm esse papel", disse Nunes Marques. Segundo o ministro, a doença está sendo realmente transmitida em bares, festas, baladas — não em cultos.

Dessa maneira, em nome dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, Nunes Marques votou para permitir atividades religiosas presenciais com protocolos de prevenção ao coronavírus, como distanciamento social, ventilação, obrigatoriedade de máscaras, disponibilização de álcool em gel nas entradas e aferição de temperatura dos fiéis.

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ADPF 811

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