Interferência no Senado

STF mantém decisão que aplicou censura a Deltan por post contra Renan Calheiros

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8 de abril de 2021, 10h56

O membro do Ministério Público deve ser, por excelência, imparcial. Assim, ao criticar diretamente agentes políticos, os procuradores podem passar para para a população a impressão de que têm um "lado" e que, se fossem processar determinado agente, seriam especialmente rigorosos. 

Fernando Frazão/Agência Brasil
2ª Turma do Supremo manteve censura aplicada a Deltan
Fernando Frazão/Agência Brasil

O entendimento é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento finalizado nesta quarta-feira (7/4). O colegiado negou um pedido feito pelo procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da extinta "lava jato" de Curitiba, para a anular a pena de censura que lhe foi imposta pelo Conselho Nacional do Ministério Público por criticas ao senador Renan Calheiros (MDB-AL). 

O relator, ministro Nunes Marques, votou contra o requerimento de Deltan. Ele foi seguido por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Luiz Edson Fachin abriu divergência e foi seguido pela ministra Cármen Lúcia. Em julgamento virtual, a maioria da Turma já havia decido pela manutenção da punição contra Deltan desde o fim de março. Mas restava ainda o voto de Cármen Lúcia. 

Antes das eleições para a presidência do Senado, que ocorreram em 2019, Deltan disse no Twitter que se Renan vencesse a disputa dificilmente a Brasil veria a aprovação de uma reforma contra a corrupção. "[Renan] tem contra si várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não tem coragem de votar na luz do dia", afirmou o procurador na ocasião.  

Para Nunes Marques, "a manifestação acima, se viesse de um cidadão não investido de autoridade pública ou do titular de um cargo eletivo, seria absolutamente compatível com a liberdade de expressão. Seria a opinião política do emissor, independentemente da procedência ou não do que afirmado". 

"Porém", prossegue o ministro, quando "essa manifestação parte de uma autoridade que tem certas garantias e vedações constitucionais justamente para manter-se fora da arena política, então há um problema”. “O autor não emitiu uma opinião geral sobre política […] Ele emitiu opinião muito bem determinada, a respeito de uma eleição específica e contra um candidato claramente identificado.”

Nunes Marques também rejeitou a alegação da defesa de Deltan de que um processo semelhante contra ele já havia sido julgado e indeferido pela Corregedoria  do Ministério Público Federal (CMPF). Para o procurador, a apreciação, pelo CNMP, de um caso já tratado pela CMPR, violaria a garantia de ne bis in idem, que impede que um mesmo caso seja julgado mais de uma vez. 

"O Supremo já decidiu, em relação ao Conselho Nacional de Justiça, mas com motivos perfeitamente aplicáveis ao CNMP, que a competência correicional desse órgão é originária e concorrente à das corregedorias setoriais. Assim, eventual decisão da Corregedoria do Ministério Público Federal em nada afeta a competência até mesmo para rever a decisão da CMPF", disse o ministro.

Divergência
Ao abrir divergência, Fachin disse que a Constituição de 1988 consagrou em diversos dispositivos as liberdades de expressão, pensamento e manifestação como garantias de todos. Também afirmou que a declaração de Deltan não comprometeu a dignidade do MPF. 

"A apuração de violação funcional do dever de manutenção do decoro necessita que a manifestação do membro do Parquet , comprometa, de alguma forma, a dignidade da instituição que representa; entretanto, o mero exercício da liberdade de expressão, ainda que em tom ácido ou crítico, não tem esse condão, por si só", disse. 

Censura
Em setembro do ano passado, o CNMP julgou um processo administrativo disciplinar (PAD) contra Deltan e entendeu que as manifestações do procurador contra Renan Calheiros buscaram interferir nas eleições do Senado. Ficou decidido pela aplicação da pena de censura — mera advertência por escrito. 

O relator do caso foi o conselheiro Otavio Luiz Rodrigues Jr. Seguiram o voto condutor os conselheiros Oswaldo D'Albuquerque; Sandra Sandra Krieger; Fernanda Marinela; Luciano Nunes; Marcelo Weitzel; Sebastião Caixeta; Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho; e Reinaldo Reis. Apenas o conselheiro Silvio Roberto Oliveira de Amorim Junior divergiu.

"Reduzir esse caso a um debate sobre liberdade de expressão é ignorar os imensos riscos à democracia quando se abrem as portas para agentes não eleitos, vitalícios e inamovíveis, disputarem espaços, narrativas e o poder com agentes eleitos. Nada impede que os primeiros deixem o conforto dos seus cargos públicos e entrem na arena partidária, disputando votos, espaços na mídia, sem a proteção reputacional que a toga e a beca quase sempre emprestam. Não é possível ser titular da ação penal e, ainda assim, ser um político", afirmou o relator em seu voto. 

Segundo o conselheiro, além de Dallagnol interferir na eleição para a presidência do Senado, afirmando que, se Calheiros vencesse, dificilmente o Brasil teria uma reforma contra a corrupção, o procurador alavancou uma campanha contra o sistema de votação fechado, dizendo que o pleito deveria ser aberto para que todos soubessem quem votou em Calheiros.

"Um membro do MP se sentiu no direito de interferir no processo eleitoral do Senado. Ele incentivou uma campanha contra o sistema de votação da câmara alta do parlamento, em seus atos internos, sob o argumento de que agir contrariamente equivaleria a fomentar a corrupção no país. O membro violou o dever funcional de guardar decoro pessoal, previsto no artigo 236, inciso X, da Lei Complementar 75", disse Rodrigues. 

Clique aqui para ler o voto de Nunes Marques
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