Anuário SP 2021

TJ-SP reconhece inconstitucionalidade de 87% das leis julgadas

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8 de abril de 2021, 10h11

* Esta reportagem integra o Anuário da Justiça São Paulo 2020/2021, que será lançado nesta sexta-feira (9/4), às 15h, com transmissão ao vivo pela TV ConJur. O debate online terá a participação do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo Geraldo Pinheiro Franco, de seu corregedor-geral Ricardo Anafe e dos ministros do STF Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes.

O Órgão Especial julgou 728 leis municipais e estaduais em 2019. Em 87% delas, o colegiado entendeu que vereadores e prefeitos foram além, invadiram a competência estadual ou federal ou desequilibraram a harmonia que deve existir entre os poderes. Houve também muitos casos de desrespeito a princípios constitucionais, como os da razoabilidade, da igualdade e da moralidade.

A criação de cargos em comissão ou temporários, na tentativa de contornar a necessidade de abertura de concurso público, continua entre os temas mais comuns entre as leis questionadas. O Órgão Especial as tem derrubado, quando as características do cargo criado não justificam a contratação excepcional, como nos casos de procurador-geral de município. O colegiado esclareceu que os cargos de direção da advocacia pública devem ser preenchidos por servidores de carreira de procurador jurídico. Como não há controvérsia sobre o tema na corte, inadmitiu o incidente de resolução de demanda repetitiva que tratava do tema (IRDR 2095475-22.2018.8.26.0000).

A falta de indicação da fonte de custeio para executar a lei, argumento de inconstitucionalidade muito frequente, deixou de ser aceita. Com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal, o colegiado entende que essa situação apenas adia o cumprimento da lei, até que haja previsão orçamentária.

A maior parte das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) foi proposta por prefeitos contra a atuação do Legislativo em 2019. No seu papel de fiscal da lei, o Ministério Público foi o segundo maior autor de ADIs e obteve sucesso em 87,5% delas — no todo ou em parte. Sindicatos, associações e partidos políticos aparecem em seguida, com mais de 50% de êxito.

O Órgão Especial julgou ações contra leis do estado de São Paulo e de 221 municípios paulistas. Mauá liderou o ranking de inconstitucionalidade, com 13 leis revogadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e outras 13 com violações à Constituição em parte de seus artigos, parágrafos ou incisos. Todas as ações foram propostas por prefeitos do município contra o Legislativo; a principal constatação foi de que houve desrespeito dos vereadores aos seus limites de atuação.

Como no caso em que eles proibiram o corte de energia, por inadimplência, aos finais de semana. De acordo com o relator, Carlos Bueno, o planejamento e a organização do município é uma atividade própria da Administração, segundo critérios de conveniência e oportunidade. O princípio da reserva da Administração também foi violado pela Lei 5.351/2018, de Mauá, que permitiu que os corredores exclusivos de ônibus pudessem ser usados por veículos do transporte escolar. O Órgão Especial observou que, sim, o tema é de interesse local e a competência da União sobre trânsito e transportes não foi invadida. Porém, a iniciativa deveria partir do Executivo, responsável pela organização administrativa, e não do Legislativo.

A violação ao princípio da separação de poderes foi motivo recorrente para a declaração parcial de inconstitucionalidade. Os vereadores atuam dentro da sua competência ao instituir eventos no calendário oficial. Mas, como decidiu o Órgão Especial, não podem estabelecer prazos para o Executivo regulamentar a lei ou impor a adoção de providências administrativas específicas. Quem decide como e quando colocar em prática a nova lei é o prefeito.

Mas há exceções. O município de Sorocaba, o segundo no ranking de inconstitucionalidade, viu revogada a lei que tratou da complementação de aposentadoria e pensão de servidores públicos inativos. A previsão de que o benefício seria custeado pelo Tesouro Municipal não foi suficiente. Por unanimidade, o Órgão Especial entendeu ter havido ofensa ao regime constitucional contributivo e ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.

Essa ação foi uma das quatro propostas pela Procuradoria-Geral de Justiça contra normas de Sorocaba. Por meio delas, o MP-SP derrubou também a lei que garantiu assistência à saúde a ex-agentes políticos e ocupantes de cargos em comissão exonerados; a norma que proibiu nas escolas municipais o uso de banheiros e vestiários de acordo com a identidade de gênero; e, ainda que em parte, a resolução legislativa que previu a revisão anual dos subsídios de vereadores.

O incentivo à produção de cerveja artesanal em Ribeirão Preto, terceiro colocado no ranking de inconstitucionalidade, levou o Órgão Especial a esclarecer, detalhadamente, à Câmara de Vereadores até onde vai sua competência. A definição do que é “produto artesanal”, “produção familiar” ou “microcervejaria” é de interesse de toda a Federação e, portanto, é papel da União tratar de conceitos gerais de produção. Nesse ponto, houve violação ao pacto federativo. Questões ligadas à concessão de alvarás e licenças devem ficar a cargo do prefeito, em respeito ao princípio da reserva de Administração e separação de poderes. Tampouco cabe ao Legislativo municipal dizer quais atividades têm baixo impacto ambiental, como dispõe a lei de incentivo a microcervejarias. O relator, Evaristo dos Santos, destacou a decisão do STF no Tema 145, que diz que o município só pode atuar em matéria ambiental quando houver interesse local e em harmonia com as regras editadas pela União. No mérito, o incentivo tributário concedido às cervejarias de pequeno porte e aos comerciantes de cervejas artesanais foi considerado razoável pela corte.

Desde 2015, 2020 foi o ano em que o Judiciário paulista menos julgou no mérito as ações de controle de constitucionalidade. Foram 576 ações apreciadas, contra 728 em 2019, e a primeira vez em que a marca das seis centenas nos últimos cinco anos não foi ultrapassada. Paradoxalmente, foi também o ano em que mais municípios tiveram leis confrontadas com a Constituição do estado. No total foram 270 municípios arguidos de inconstitucionalidade. Destes, apenas nove passaram incólumes pelo teste. Os campeões – Valinhos e Mauá – tiveram 15 ações de inconstitucionalidade julgadas procedentes. Em 2019 e 2018, os cinco primeiros colocados do ranking superaram essa marca.

São números estranhos de um ano estranhamente marcado pela epidemia de Covid-19, que tirou o mundo dos trilhos. No caso do controle de constitucionalidade legislativo é até compreensível que legisladores e administradores municipais tenham se empenhado em produzir leis locais para enfrentar o inimigo universal. Mas boa intenção e voluntarismo nem sempre conduzem à melhor solução.

Assim, a Procuradoria-Geral de Justiça promoveu mais de três dezenas de ações de inconstitucionalidade para barrar leis municipais que não respeitavam a Constituição. Na maioria dos casos, tratava-se de leis locais que tentavam abrandar as restrições impostas pelo governo do estado por meio do Plano São Paulo de enfrentamento à crise sanitária. Em uma dezena de outros casos eram os próprios prefeitos que se insurgiam contra iniciativas dos vereadores para domar a fera ou para aliviar a pressão dos eleitores contra a quarentena.

Os julgadores também não ficaram insensíveis diante da crise. Muitas vezes, ao proferir uma decisão que, por exemplo, iria anular a contratação de servidores que ingressaram irregularmente no serviço público, os desembargadores do Órgão Especial tomaram o cuidado de modular os efeitos da decisão, de modo a não prejudicar a prestação de serviços, já prejudicada pela crise sanitária. “Eficácia a partir de 30 de abril de 2021 (art. 27 da Lei 9.868/99), diante do cenário de pandemia mundial e ano eleitoral”, decidiu o colegiado em julgamento de ADI contra lei de Osasco, que cria cargos em comissão considerados irregulares, cujo relator foi o desembargador Evaristo dos Santos.

Em outro caso, os vereadores de Rinópolis invadiram a área de atuação do prefeito e instituíram um sistema de transporte para doentes pobres poderem se tratar em cidades vizinhas. Os desembargadores consideraram a lei inconstitucional, por vício de iniciativa, mas adiaram a aplicação de seus efeitos para não piorar uma situação que já estava ruim: “Aplicação da diretriz do artigo 27 da Lei 9.868/99 para atribuir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade a partir de 1/1/2021, com o encerramento do decreto de calamidade pública em razão da epidemia de Covid-19, por questão de interesse social e humanitário, eis que os sistemas de saúde do SUS estão impactados pelo esforço do seu enfrentamento”, diz a ementa do acórdão, redigida pelo relator Jacob Valente.

No sufoco provocado pelo novo coronavírus, houve até ADI contra medida provisória municipal, no caso editada pelo prefeito de Euclides da Cunha, no nobre propósito de impor medidas de enfrentamento à calamidade. Como explicou o relator, desembargador Alex Zilenovski, a Constituição Federal prevê a possibilidade de MP em todas as esferas da Federação, desde que esteja prevista também na Constituição do estado e na lei orgânica do município. No caso de Euclides da Cunha, faltou combinar com os constituintes estaduais.

Voltando ao normal, em 2020 o Órgão Especial analisou 652 ações de inconstitucionalidade, das quais 576 foram julgadas no mérito. Outras 66 foram extintas, na maioria dos casos por perda do objeto – ou seja, as leis contestadas foram revogadas antes mesmo de serem declaradas inconstitucionais. Aconteceu 24 vezes com leis municipais relacionadas à epidemia.

Do total julgado no mérito, 500 ações foram consideradas procedentes, ou seja, as leis nelas contestadas foram declaradas inconstitucionais. Isso significa que de cada 100 leis contestadas, apenas 13 são de boa qualidade. Em 2020, Valinhos e Mauá ficaram empatados no topo do ranking, com 15 ações procedentes cada uma. Valinhos chegou pela primeira vez ao pódio da inconstitucionalidade, mas Mauá repetiu o feito do ano anterior, quando também ficou em primeiro lugar, com 26 ações procedentes. Completando as cinco primeiras posições, aparecem Guarulhos (12 ações procedentes), Ribeirão Preto (dez) e Sorocaba (oito), todos municípios frequentadores das primeiras posições do ranking nos anos anteriores.

No caso de Valinhos, bem como no de Mauá e de todos os municípios que respondem por grande número de ações de inconstitucionalidade, a parte ativa das ADIs é o Poder Executivo municipal e a passiva, o Legislativo – todas, no caso de Valinhos; todas menos uma, no de Mauá. Da mesma forma, as principais causas de impugnação das leis são o vício de iniciativa e a ofensa ao princípio da separação dos poderes. Quase sempre as duas causas ocorrem juntas, e sempre significam a intromissão dos vereadores em assuntos que são da competência do prefeito. São um indicativo, também, de desarmonia política entre os poderes municipais.

Estes vícios, por sinal, dominam os fundamentos das condenações por inconstitucionalidade municipais. Em pelo menos 86 das ações julgadas a alegação é citada. Em 60% dos casos ela foi aceita. No quesito separação dos poderes, a alegação foi feita em 65 casos e em 74% dos casos foi levada em conta. Outra alegação em voga desde sempre em matéria de inconstitucionalidade é a de usurpação de competência da União pelos municípios. Em 67 ações analisadas, confirmou-se o vício em 83% dos casos.

A principal irregularidade combatida nas ADIs continua a ser a contratação irregular de servidores para ocupar cargos supostamente comissionados, burlando a regra constitucional do concurso público para ingresso no serviço público. Pelo menos 104 municípios fizeram leis com o intuito de emplacar este subterfúgio. Em 95% dos casos não conseguiram.

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