Opinião

A Petrobras e o desafio de conciliar função social e lucratividade

Autor

  • Marcello Guimarães

    é árbitro e presidente da Swot Global Consulting advogado doutorando no PPGD UFF mestre em Direito e Economia pela UGF e membro do Dispute Board Resolution Foundation (DBRF).

7 de abril de 2021, 17h17

A discussão vem a público sempre que a alta do petróleo e a pressão nos preços dos combustíveis torna o tema político. A interferência não técnica do Poder Executivo vai contra os alicerces dos preceitos liberais econômicos, prejudica o funcionamento do livre mercado e, em última ratio, os acionistas.

A função social e a lucratividade das estatais de economia mista têm sua base na Constituição, na Lei das S.A. e na Lei das Estatais. Essa última trouxe governança e transparência na gestão das corporações, onde, gradativamente, programas de compliance são implementados em decorrência tanto de uma tendência internacional quanto de desdobramentos da operação "lava jato", em função das normatizações que ocorrem nesse campo por meio de leis ordinárias e regulamentações.

Cumprir a função social e perseguir o lucro dentro de parâmetros de compliance são os dois lados de uma mesma moeda. São necessários para a reforma do Estado brasileiro sob a perspectiva humanista e consagradora da eficiência e da moralidade, mas há de se considerar a escassez dos recursos públicos e a pesada carga de tributos suportados por toda a sociedade.

A captação de poupança popular via mercado de capitais é fonte de financiamento barato para as empresas e para o atendimento da função social. Sem o investimento dos acionistas minoritários não haveria recursos para o custeio sustentável das empresas nem para a dinamização de suas atividades em ambiente competitivo de mercado.

O compliance é um custo adicional, mas sua existência na cadeia concorrencial é vital, sob pena da competição desleal das empresas que não o praticam e que, portanto, não possuem tal custo em seu overhead. É a ferramenta que pode viabilizar o atendimento da função social na forma definida pelo acionista controlador, e tal objetivo talvez não seja inconciliável, desde que: a lucratividade venha como objetivo de gestão sempre antes da função social; a lucratividade seja pautada pelo caminho da governança e do compliance na forma do artigo 6 da Lei das Estatais; a maximização de dividendos se reverta para os acionistas, incluindo o controlador, que aí, sim, irá aplicar tais lucros na busca da função social, conciliando de forma harmônica dois princípios que devem se completar em vez de colidir.

Todavia, a inversão de tal ordem a função social antes da lucratividade só traz dor e ranger de dentes, além de subverter a lógica de administração racional de qualquer empresa séria.

É importante apreciar aspectos de governança corporativa comprometidos com a ética, a transparência e a eficiência, de modo que o conflito de interesses entre controladores e minoritários seja equilibrado em prol das finalidades das estatais mistas. Ainda, a segurança jurídica, que prevê estabilidade de regras e de transparência na gestão dos recursos, atrai capitais, reforça o planejamento econômico nacional e permite a função social. É uma conquista que envolve conceitos relevantes difusos, pois são de interesse de toda a sociedade, a partir da boa ética nos negócios.

A adequada fiscalização pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a existência de controles internos e de mecanismos de governança afastam a possibilidade do uso político de ocasião das tais companhias, o que por certo não está em linha com o espírito da Lei das S.A., de 1976, sequer com a finalidade de função social ou com as normas que complementam os princípios de moralidade e eficiência trazidos pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Empresas que observam a integridade, a ética e o compliance em uma perspectiva abrangente exercem in totum os princípios mais nobres da competição justa.

A ingerência direta do governo na gestão das estatais mistas são chagas antigas no país e comprometem o desenvolvimento, impossibilitam a reforma do Estado e obscurecem a visão nacional do que sejam as nossas prioridades, já que os recursos são escassos e não podem ser usados em todas as frentes. É preciso escolher e, neste artigo, a defesa é que o full compliance seja o certo a se fazer.

Há de se perquirir se o ordenamento legal satisfaz a necessidade atual das estatais e se está claro para delimitar a aplicabilidade dos conceitos sociais e de lucro, tal como o conflito de interesses inerente a essa relação, tendo em vista os diferentes papéis dos acionistas. Como se sabe, no Brasil não há infraestrutura sem a forte presença das estatais e do Estado, seu acionista controlador.

A CVM e a Controladoria-Geral da União (CGU) precisam tornar-se centros de difusão, controle e implantação da mentalidade de full compliance não apenas na veste punitiva e sancionadora, mas agir como indutores dessa cultura, porque as empresas precisam sobreviver e progredir.

O compliance gera eficiência nos locais onde as zonas ambíguas de interesse tentam se instalar. Sua existência e eficácia ajudam de modo decisivo na função social e na obtenção da lucratividade segura e sustentável.

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