Opinião

Advocacia criminal e a arte da sustentação oral

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7 de abril de 2021, 7h12

A sustentação oral perante tribunal de segunda instância representa a última chance para o advogado expor argumentos fático-probatórios, tentando convencer o colegiado votante da inocência do acusado [1].

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Logo, avulta a importância da exposição das razões fáticas e jurídicas que fundamentam recurso interposto, ou contrarrazões oferecidas a recurso da parte adversa, perante o órgão colegiado competente para o julgamento. O STJ entende que o direito à sustentação oral "constitui prerrogativa de essencial importância, cuja frustração afeta o princípio constitucional da amplitude de defesa" [2].

De fato, a sustentação oral é meio imprescindível de proporcionar ao acusado defesa técnica efetiva, motivo pelo qual o advogado tem direito: 1) a ser notificado, com antecedência razoável, da data da sessão de julgamento; 2) a fazer sustentação oral em todas as ações autônomas de impugnação e recursos com potenciais efeitos infringentes da decisão impugnada; 3) a fazer sustentação oral presencial e contemporânea ao julgamento; 4) à íntegra do prazo regimental para sustentação oral, independentemente da quantidade de corréus; e 5) a fazer uso da palavra pela ordem para esclarecer equívoco ou dúvida, ou replicar acusação ou censura.

A sustentação oral fomenta relevantes interesses públicos: 1) aperfeiçoar o processo de adjudicação da causa, pela reflexão coletiva dos julgadores e oportunidade de as partes explicarem, face a face, seus fundamentos jurídicos recursais; 2) assegurar o direito de audiência (day in court) das partes, em decorrência da atenção pessoal dispensada pelos integrantes do colegiado votante; 3) legitimar o julgamento recursal aos olhos da sociedade; e 4) educar as partes sobre os critérios decisórios dos julgadores — o que leva ao aumento da qualidade da litigância recursal a longo prazo [3].

Cuida-se de matéria regulada pelo artigo 937 da codificação processual civil e regimentos internos dos tribunais, que disciplinam quais espécies recursais comportam sustentação oral, seu momento (logo após a leitura do relatório), sua duração (15 minutos) etc.

Na atualidade, há institutos que põem em causa o núcleo essencial do direito fundamental à sustentação oral defensiva.

O primeiro é o julgamento monocrático de recursos que comportam sustentação oral, com fundamento no artigo 21, §1º, do RISTF e no enunciado sumular nº 568 do STJ [4].

O meio de impugnação dessa decisão monocrática (agravo) não comporta tal sustentação. O STF e o STJ entendem que essa limitação não implica nulidade processual por cerceamento de defesa [5].

Não obstante, os precitados dispositivo regimental e enunciado sumular são vagos quanto aos pressupostos fáticos e jurídicos do julgamento em apreço. Essa vagueza aumenta perigosamente o grau de casuísmo e subjetividade do julgamento monocrático.

O segundo é a sessão de julgamento virtual (artigo 21-B do RISTF).

Nesse caso, nem sequer há menção regimental aos pressupostos fáticos e jurídicos para a afetação de determinada causa a julgamento virtual.

Cuida-se de modalidade de julgamento que pode respeitar direitos fundamentais virtuais, mas não os direitos fundamentais à ampla defesa e à publicidade dos atos processuais penais (artigos 5º, LV e LX, e 93, IX, do texto magno).

Não supre esse déficit de garantias constitucionais o encaminhamento de sustentação oral por meio eletrônico, após publicação da pauta e até 48 horas antes do início do julgamento virtual (artigo 21-B, §2º, do RISTF). Segundo o STJ, esse procedimento não enseja nulidade da sessão recursal [6].

Nessa hipótese, nem sequer há garantia de que a sustentação oral encaminhada por meio eletrônico de fato será vista pelos julgadores.

Assim, é preferível a intepretação de que o julgamento virtual é condicionado à concordância das partes. Caso o causídico se oponha, por ter interesse na sustentação oral, o indeferimento desse pleito gera nulidade processual por cerceamento de defesa [7].

O terceiro é a divisão do dobro do tempo para sustentação oral entre todos os defensores de corréus (artigo 132, §2º, do RISTF).

Nada obstante, o direito fundamental à ampla defesa assegura a cada advogado o tempo integral de quinze minutos, que não pode ser restringido em razão da multiplicidade de acusados.

Eis algumas dicas práticas sobre como fazer uma sustentação oral persuasiva, com base em adaptação da doutrina norte-americana [8] à realidade nacional:

1) Aperfeiçoe sua oratória: acostume-se a falar pausadamente, em tom grave e volume conversacional agradável e compreensível. Domine as técnicas de modulação da voz e pausa dramática, que são importantes para enfatizar certos argumentos. Participe de julgamentos simulados. Faça cursos de oratória e/ou teatro. Grave sustentação oral simulada, e depois preste atenção à sua comunicação, nos três níveis: verbal (linguística), paraverbal (entonação, ritmo e volume da voz) e corporal, que inclui comportamentos voluntários (v.g. expressões faciais, foco do olhar e gestual) e involuntários (v.g. sudorese, gagueira e tremor). Após, peça a opinião crítica de colegas mais experientes. Mesmo os tímidos e inexperientes podem se tornar bons tribunos, com dedicação e treino;

2) Nunca deixe de sustentar: a sustentação oral, caso bem feita, pode mudar o resultado do julgamento. Há casos em que o próprio relator solicita a retirada do recurso de pauta, para melhor analisar questões fáticas e jurídicas destacadas pela sustentação oral do defensor. Além disso, como o órgão de execução do Ministério Público com atribuição junto ao tribunal tem direito de arrazoar por último (artigo 610 do Código de Processo Penal), a sustentação oral é a única oportunidade para rebater esse arrazoado ministerial. Assim, fazer sustentação oral recursal integra o dever ético e legal de proporcionar ao cliente defesa técnica efetiva;

3) Peça preferência e sustentação oral: a falta de notificação do causídico para a sessão de julgamento gera nulidade, nos termos do enunciado nº 431 da Súmula do STF [9]. Essa notificação deve ser feita com antecedência mínima de 48 horas, por força do verbete nº 117 da súmula do STJ [10]. Segundo o STJ, essa nulidade deve ser arguida na primeira oportunidade processual, pelo meio recursal cabível, demonstrando-se o vício e o prejuízo causado, sob pena de preclusão [11]. Não obstante, essa demonstração constitui verdadeira prova impossível (probatio diabolica), pois não há como se demonstrar que, caso tivesse havido sustentação oral, o resultado do julgamento seria diverso [12]. Como o Habeas Corpus é incluído em mesa pelo relator (artigo 664 do Estatuto Processual Penal), é importante que a peça inaugural da impetração contenha tópico solicitando sua notificação para fazer sustentação oral (artigo 192, § 2º do RISTF). Nesse caso, a ausência de notificação gera nulidade da sessão de julgamento [13]. Ao ser notificado, imediatamente peça preferência e sustentação oral, pois quanto mais cedo seu recurso for julgado, maior será a atenção dos julgadores;

4) Prepare e distribua memoriais: os memoriais são arrazoados que contêm resumo dos principais fundamentos recursais. Idealmente, eles devem ter até cinco páginas e ser entregues em mãos de todos os integrantes do colegiado votante de 72 a 48 horas antes da sessão de julgamento. Os memoriais, caso bem feitos, podem ser decisivos no desfecho do caso;

5) Seja estratégico: é raro haver um advogado excelente em todas as frentes de atuação profissional (v.g. conhecimento jurídico, escrita, exame cruzado de testemunhas, oratória etc.). Assim, a escolha estratégica do orador deve recair sobre o defensor mais familiarizado com o caso, por ser o mais capacitado para sanar eventuais dúvidas surgidas durante o julgamento recursal. É preciso colocar o melhor interesse do cliente acima de vaidades pessoais;

6) Seja precavido: o STJ entende que o adiamento da sessão de julgamento não é um direito líquido e certo do causídico, dependendo da análise "de relevância e efetiva demonstração do justo impedimento, sendo imprescindível, em qualquer hipótese, que o pleito seja formulado em tempo hábil" [14]. Caso haja múltiplos patronos constituídos pelo cliente, os tribunais são reticentes em adiar sessões de julgamento. Assim, o ideal é haver dois profissionais preparados e disponíveis para fazer a sustentação oral, caso surja algum imprevisto no dia da sessão de julgamento;

7) Seja preparado: conheça em detalhes todos os aspectos fáticos e jurídicos do caso, notadamente os fundamentos da decisão impugnada e das razões e contrarrazões recursais. Estude meticulosamente as questões dogmáticas penais e processuais penais em debate, além dos precedentes do órgão fracionário competente para o julgamento recursal e dos tribunais superiores sobre essa matéria;

8) Seja organizado: prepare cuidadosamente um roteiro contendo os tópicos a serem abordados, na seguinte ordem lógico-sequencial: brevíssimo resumo dos fatos, questões preliminares e teses de mérito. Tenha sempre à mão esse roteiro, quaisquer documentos que serão mencionados (na ordem de apresentação, e com os trechos relevantes em destaque) e as referências completas às fontes de citações doutrinárias, normativas e jurisprudenciais, pois os julgadores podem pedir esclarecimentos a respeito (artigo 118 do RISTF). Fazer pausa durante a sustentação oral para procurar documentos e informações denota incompetência e dispersa a atenção dos julgadores;

9) Reconheça o terreno: cada tribunal possui sua acústica, arquitetura, composição, cultura, liturgia etc. Caso necessário, faça reconhecimento do terreno e converse com os servidores do órgão jurisdicional antes da data da sessão de julgamento. Essa ambientação reduz a natural ansiedade que antecede cada sustentação oral;

10) Fale por último: independentemente de previsão regimental em sentido contrário, o Ministério Público, sobretudo quando figura como recorrente, deve fazer sua sustentação oral recursal antes do advogado, sob pena de nulidade processual [15]. Solicite que essa ordem seja respeitada, para poder rebater os argumentos ministeriais durante sua sustentação oral;

11) Pergunte sobre o destaque de questões preliminares: como alguns regimentos internos preveem a possibilidade de o relator destacar questões preliminares ao mérito recursal para julgamento em separado, indague a respeito antes do início da sua sustentação oral. Caso a resposta seja positiva, peça para fracionar sua sustentação oral, sustentando primeiro as questões preliminares e, após seu julgamento, o mérito recursal;

12) Seja substancioso: caso o relator tenha lido seu relatório, não repita o histórico dos fatos. Faça brevíssima saudação ao colegiado de julgadores, na pessoa do presidente do órgão fracionário, e vá direito à substância dos seus argumentos. O ideal é escolher três ou quatro argumentos mais robustos, e concentrar sua sustentação oral neles para poder aprofundá-los. Se a parte adversa tiver argumentos fortes (ou fracos, mas impressionantes), não deixe de rebatê-los. A admissão de fatos desfavoráveis ao cliente, e que são indefensáveis, aumenta a sua credibilidade perante os julgadores. Ao final, esclareça e reitere os pedidos (principal e subsidiários) formulados;

13) Seja formal: use a norma culta da língua, em tom conversacional (nem obsequioso, nem familiar). Seja breve e direto ao ponto, articulando as ideias com clareza e palavras simples. Não veja a sustentação oral como um meio de autogratificação ou exibicionismo, nem pratique experimentalismo escatológico, humorístico, poético etc. Faça contato visual com todos os integrantes do colegiado votante, chamando-os pelo cargo/pronome de tratamento corretos (ministro ou desembargador/vossa excelência ). Jamais leia da tribuna um texto escrito, pois essa atitude tende a dispersar a atenção do auditório e pode ser interpretada como desrespeito;

14) Controle seu tempo: a sustentação oral deve ser longa o bastante para aprofundar seus três ou quatro argumentos mais fortes, e ratificar os demais. Caso isso leve menos de 15 minutos, não use o tempo remanescente para divagações ou repetições. Jamais faça menção apressada à íntegra dos seus argumentos, o que denota inconsistência e superficialidade;

15) Use da palavra, pela ordem: o artigo 7º, X, da Lei nº 8.906/94 prevê a prerrogativa de usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal, mediante intervenção sumária para esclarecer equívoco ou dúvida quanto aos fatos, documentos ou afirmações, ou replicar acusação ou censura ao defensor. Nunca interrompa o magistrado que está com a palavra. Espere ele concluir o voto dele, e peça ao presidente para exercer essa prerrogativa.

A boa sustentação oral persuasiva não é uma ciência, e, sim, uma arte aperfeiçoada ao longo de anos a fio de prática profissional zelosa. Nosso objetivo foi dúplice: louvar essa importante habilidade profissional, e ressaltar a importância de alto padrão de qualidade das sustentações orais para dignificar a advocacia.

 


[1] CRUZ, Rogério Schietti Machado. Garantias processuais nos recursos criminais, pp. 160-161. São Paulo: Atlas, 2002.

[2] STJ, 6ª Turma, HC 364.512-RJ, relator ministro Rogério Schietti Cruz, DJe 06/2/2017.

[3] AMERICAN ACADEMY OF APPELLATE LAWYERS. Oral Argument Task Force Report (2015). Disponível em: https://www.appellateacademy.org/publications/oa_final_report_10_15_15.pdf

[4] "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".

[5] STF, 1ª Turma, HC 190.506 AgR-SE, relator ministro Rosa Weber, DJe 11.02.2021; STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 485.393-SC, relator ministro Felix Fischer, DJe 28/3/2019.

[6] STJ, 5ª Turma, HC 628.317-MG, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 4/2/2021.

[7] STJ, 5ª Turma, HC 638.298-SP, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 19/3/2021.

[8] DWYER, Stephen; FELDMAN, Leonard; NYLANDER, Robert. Effective oral argument: Six pitches, five do’s, and five don’ts from one judge and two lawyers, In: Seattle University Law Review, v. 33, n. 02, pp. 347-360, 2010; SCALIA, Antonin; GARNER, Bryan. Making your case: The art of persuading judges, pp. 139 e ss. Saint Paul: Thomson/West, 2008.

[9] "É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação de pauta, salvo em "habeas corpus".

[10] "A inobservância do prazo de 48 horas, entre a publicação de pauta e o julgamento sem a presença das partes, acarreta nulidade".

[11] STJ, 5ª Turma, RHC 108.213-MG, relator ministro Felix Fischer, DJe 15/4/2019.

[12] STF, 1ª Turma, HC 85.443-SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJe 13/5/2005.

[13] STJ, 5ª Turma, EDcl no HC 441.560-SP, relator ministro Jorge Mussi, DJe 14/3/2019.

[14] STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.804.368-SP, relator ministro Jorge Mussi, DJe 13/6/2019.

[15] STF, Pleno, HC 87.926-SP, relator ministro Cezar Peluso, DJe 24/4/2008.

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