"Comarca de São Barnabé"

TJ-SC vai julgar caso de escritora processada por juiz devido a livro de ficção

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6 de abril de 2021, 12h24

A 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) marcou para o dia 20 de abril o julgamento de um agravo de instrumento que propõe censurar o livro da advogada e escritora catarinense Saíle Bárbara Barreto. Ela está sendo processada pelo juiz Rafael Rabaldo Bottan, do Juizado Especial Cível de São José (SC), que diz se sentir atacado pela obra Causos da Comarca de São Barnabé

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Saíle está sendo processada por causa da obra Causos da Comarca de São Barnabé
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Um dos personagens do livro é o magistrado Floribaldo Mussolini. Como ele e o juiz de Santa Catarina têm "baldo" no nome, o autor da ação diz que serviu de inspiração para o fictício titular da "Vara de São Barnabé". 

Na ação inibitória, proposta em 29 de janeiro deste ano, Rafael Rabaldo afirma que como o magistrado fictício comete crimes no livro, as práticas acabam sendo indiretamente atribuídas a ele. 

O juiz solicitou que trechos da obra postados em uma rede social antes do livro ser oficialmente publicado fossem retirados do ar. O pedido foi deferido.

Por causa de um outro processo, esse criminal e movido pelo Ministério Público, Saíle não pode citar nem o nome do juiz nem o de seu personagem, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Ela também pode ser presa por eventual citação. 

Foram negadas, no entanto, solicitações para que o processo inibitório tramitasse em segredo de Justiça e para que a escritora fosse proibida de fazer novos posts em redes sociais e de publicar o livro. A obra acabou publicada de toda forma, tanto em formato digital, quanto físico

Agora, no agravo, o magistrado de Santa Catarina pede que os pedidos anteriormente negados sejam deferidos. "Já possuindo conhecimento de que tais causos excedem o que se entende por liberdade de expressão, a determinação para que a agravada se abstenha de realizar novas publicações, obstando que novos abusos ocorram, não pode ser compreendida como 'censura prévia', porque o deferimento da tutela de urgência com caráter inibitório serve justamente para impedir a prática de novos ilícitos", diz o agravo. 

Ao solicitar sigilo, a defesa do juiz afirma que "as cópias das postagens/publicações que ofenderam/lesaram o agravante, outros magistrados e diversos servidores da Comarca de São José/SC, acerca das quais inclusive foi determinada remoção liminar, seguem anexadas ao processo judicial em comento e seu conteúdo será reverberado durante a tramitação do feito, de forma que, caso não recaia o sigilo sobre os autos, será perpetuado no tempo a ocorrência de novas e reiteradas lesões". 

Em contrarrazões, a defesa da autora diz que "a origem da demanda se funda na fantasiosa alegação de que um livro de ficção, reconhecido por todos como crônicas forenses e satíricas de um universo totalmente surreal, teriam alguma referência ao agravante, algo que naturalmente não é verídico". 

Defende Saíle a advogada Deborah Sztajnberg, do Debs Consultoria.

Ação criminal e de danos morais

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Capa do livro que gerou os três processos

Além da ação inibitória, o juiz também ajuizou pedido de indenização por danos morais contra Saíle — esse tramita sob sigilo e o magistrado pede R$ 100 mil. Por fim, o promotor Geovani Werner Tramontin entrou com um processo criminal.

Nele, o membro do MP chegou a ensaiar um pedido de prisão contra a escritora por ela ter publicado documentos do processo, que então tramitava em segredo de Justiça. O sigilo caiu depois do caso repercutir na imprensa. É no âmbito desse processo que Saíle não pode citar o nome do juiz de SC nem do personagem fictício por ela criado, sob pena de multa e prisão. O pedido de danos morais está sob sigilo. 

"Requer-se o aumento da multa diária, bem como a intimação da denunciada para que retire o conteúdo do ar em 24 horas, e se abstenha de postar novamente, sob pena de ser decretada prisão preventiva, já que as medidas paliativas e alternativas à prisão não surtiram efeito", diz o promotor. 

Geovani sustenta que "a ridicularização pública de um magistrado atenta contra o próprio Poder Judiciário, fomentando o ódio e a maledicência contra as estruturas de poder, abalando a ordem pública, […] que pode ensejar sim a prisão cautelar, já que não se conseguiu obstar a prática do crime de forma menos gravosa em razão da indiferença da acusada com a decisão de Vossa Excelência".

O processo criminal tramita rapidamente na Justiça de SC. Ele chegou a ser arquivado por uma juíza. Mas o MP recorreu e, no dia seguinte, outro juiz aceitou a denúncia por calúnia e difamação. 

O livro recém publicado é o quinto de Saíle. Os anteriores são Advocacia é cachaça, né minha filha?; Tão legal que nem parece advogada; Não sou tua querida!; e Os herdeiros da Nonna.

É a primeira vez que a escritora sofre retaliação por causa de uma obra. 

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Processo 5003656-02.2021.8.24.0000

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