Impacto na epidemia

STF julga nesta quarta-feira ação que pede fim de extensão de patentes

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6 de abril de 2021, 9h44

O Plenário do Supremo Tribunal Federal deve julgar nesta quarta-feira (7/4) se o prazo de patentes no Brasil pode ser prorrogado automaticamente caso o trâmite de aprovação delas demore muito tempo.

Dorivan Marinho/SCO/STF
Julgamento do Supremo pode ter impacto no combate à epidemia de Covid-19

A análise do processo estava prevista para ocorrer na sessão do dia 26 de maio, mas o relator do processo, ministro Dias Toffoli, solicitou à Presidência do STF que o julgamento fosse antecipado. Segundo o ministro, isso seria necessário em razão de um pedido de medida cautelar apresentado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

Em petição apresentada nos autos do processo, o procurador-geral argumentou que, embora não tenha sido formulado na ação pedido de liminar, "a atual conjuntura sanitária, decorrente da epidemia de Covid-19, constitui fato superveniente que reclama e justifica a imediata concessão da tutela provisória de urgência para o fim de serem suspensos os efeitos da norma impugnada".

Argumentos da PGR
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529, a Procuradoria-Geral da República questiona o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996). O dispositivo estabelece que De acordo com o prazo de vigência da patente de invenção não pode ser inferior a dez anos, e o da patente de modelo de utilidade não pode ser inferior a sete anos, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

A PGR argumenta que o parágrafo único do artigo 40 viola o princípio da temporariedade da proteção patentária, previsto no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição. Essa regra constitucional assegura aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

Para a PGR, ao deixar indeterminado o prazo da patente, o dispositivo questionado gera "forte lesão a direitos sociais e à ordem econômica" por não permitir aos demais interessados na exploração da criação industrial prever e programar o início de suas atividades. Ainda segundo a PGR, o dispositivo torna o consumidor "refém de preços e produtos definidos pelo detentor do monopólio, sem perspectiva de quando terá acesso a novas possibilidades". Assim, sustenta que a medida afronta a livre concorrência, a segurança jurídica, a defesa do consumidor, o princípio da eficiência, bem como a duração razoável do processo.

Impacto em remédios
Um dos principais setores afetados é o farmacêutico, o que atinge diretamente o Sistema único de Saúde (SUS), responsável por adquirir medicamentos para distribuir em sua rede de atendimento. Segundo estudos, a União poderia economizar bilhões caso patentes que foram prorrogadas já tivessem expirado, permitindo a produção de genéricos para atender a rede SUS. Por lei, os genéricos têm que ser 35% mais baratos que as versões originais.

Conforme dados do INPI, 96% das patentes de medicamentos concedidas no Brasil entre 2000 e 2016 tiveram incidência do parágrafo único do artigo 40. Hoje há no país cerca de 60 medicamentos com patentes estendidas em razão do dispositivo. A maior parte desses remédios são biofármacos.

O debate, que envolve vários setores da economia, pode reduzir os gastos do SUS e os preços de medicamentos, inclusive daqueles que auxiliam no tratamento das sequelas da Covid em um dos momentos mais críticos da pandemia no país.

Estudo da GO Associados calcula que o SUS economizaria R$ 3 bilhões se não liberasse a expansão do prazo das patentes de remédios por mais de 20 anos. O valor seria suficiente para pagar 14,3 mil respiradores e 1,3 milhão de diárias de leitos de UTI.

Pela legislação internacional, da qual o Brasil é signatário, o prazo de duração de patentes considerado razoável é de 20 anos, mas no Brasil esse mecanismo de extensão tem levado patentes a perdurarem por até 30 anos. Para a PGR, essa prorrogação automática, que não tem paralelo em nenhum outro país do mundo, fere direitos essenciais como o de livre-concorrência, os direitos do consumidor e até a isonomia, uma vez que garante um benefício excessivo aos detentores de patente.

O Tribunal de Contas da União, em julgamento no ano passado, também reconheceu que a prorrogação automática das patentes não tem paralelo em nenhum país do mundo e que poderia trazer impactos maléficos para a aquisição de medicamentos do SUS e recomendou ao governo federal que reveja a legislação.

Opiniões de advogados
Advogados divergem sobre a constitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial.

O advogado João Carlos Banhos Velloso, sócio da Advocacia Velloso, concorda com os argumentos da procuradoria. Para ele, o dispositivo deve ser declarado inconstitucional porque fere, sobretudo, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Além disso, o especialista alerta sobre como o dispositivo afeta na produção de insumos no combate à epidemia.

“Com tempo extra garantido pelo parágrafo único à patente, fica adiado o ingresso de diversos fármacos relacionados à Covid-19 em domínio público”, alerta Velloso. O advogado explica que a norma brasileira estende o prazo de vigência da proteção patentária para além do prazo padrão mundial.

“Os titulares de patentes afirmam que o prazo extra serviria para compensar o tempo de espera para a concessão das patentes pelo INPI. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro garante, a partir do depósito do pedido, o direito de ceder o pedido a terceiros, firmar contratos de licenças e obter indenização generosa pela exploração indevida de seus inventos”, afirma o especialista, que explica que o dispositivo questionado, então, não possui genuíno caráter compensatório, “mas sim de privilégio adicional sem qualquer fundamento.”

“Espera-se que o Supremo Tribunal Federal reconheça a invalidade do parágrafo único e elimine inclusive o prazo adicional já concedido às patentes”, ressalta.

O advogado Marcus Vinicius Vita, sócio de Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados e representante do grupo FarmaBrasil, amicus curiae no processo, faz coro aos argumentos. "A norma brasileira não encontra paralelo em nenhuma outra jurisdição no mundo. A imprevisibilidade do tempo de duração da patente fere o princípio da temporariedade, do artigo 5º, XXIX, e por isso é inconstitucional. O constituinte brasileiro buscou restringir a patente, por se tratar de monopólio, e não alargá-la, como feito pelo parágrafo único do artigo 40."

Já para o advogado Luciano Andrade Pinheiro, especialista em propriedade intelectual e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, o dispositivo é legal porque respeita um prazo determinado de vigência da patente. Para ele, o tema deveria ser discutido pelos parlamentares, e não pelos ministros do STF.

“O Congresso Nacional é o foro adequado para a discussão desse tema que envolve interesses de diversos setores, inclusive mecanismos internacionais de proteção patentária. O Supremo, a meu ver, deveria deixar essa discussão para o Congresso”, afirma.

Pinheiro ainda ressalta que o investimento em desenvolvimento tecnológico é alto, e a patente é uma proteção mínima dos riscos inerentes. “A declaração de inconstitucionalidade deste dispositivo trará efeitos deletérios a todas as áreas de pesquisa e inovação, inclusive a de fármacos”, destaca.

Para o professor de Direito Comercial da USP Calixto Salomão Filho, a legislação brasileira cria uma situação sui generis e que beneficia empresas que manobram para postergar a análise das patentes no INPI.

"O que parágrafo único do artigo 40 faz ao dar um prazo excessivamente longo e indeterminado é exatamente estimular o green landing, ou seja, o sujeito que, ao invés de investir em outra inovação, fica atrasando o processo de registro. Nenhum país do mundo admite isso", afirmou o professor.

Dados do INPI
Para subsidiar o julgamento, o ministro Dias Toffoli enviou em março ao INPI um pedido de informações, com 13 questionamentos relacionados à infraestrutura tecnológica e humana da autarquia e ao estoque de pedidos de patentes pendentes de exame técnico ou de conclusão quanto ao deferimento ou indeferimento.

Em 22 de março, o INPI apresentou as informações. De forma a contribuir com sistema de patentes brasileiro, o escritório Licks Attorneys conduziu estudos técnicos independentes para apurar as informações solicitadas pelo Supremo ao INPI.

A falta de técnica que chama atenção em diversas respostas é sobre o próprio prazo de vigência. Os dados comprovam que não há patente de invenção em vigor há mais de 20 anos no Brasil entre as 120.842 patentes já concedias pelo INPI desde que a lei entrou em vigor, em 1997. A autarquia, segundo o escritório, erra ao apresentar os dados sem a capacidade de considerar essa premissa básica inafastável da aplicação da lei.

Há outras falhas e omissões nas respostas apresentadas pelo INPI ao Supremo, segundo o Licks. “Percebe-se que, muitas vezes, em vez de responder com as informações solicitadas, o INPI fez uma projeção para o futuro – sem informar o atual cenário, sem responder às perguntras essenciais para a compreensão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. As respostas do INPI são baseadas em fatos que poderão ocorrer, ou não, até o dia 31 de dezembro de 2021”, diz a banca.

A autarquia informa que a redução considerável no tempo de pendência de um pedido de patente – ou seja, o tempo levado para a decisão de um pedido – é fruto dos esforços realizados com o Plano de Combate ao Backlog (iniciado em 2019), que determinou a diminuição do esforço empregado pelos examinadores.

Conforme o escritório, houve uma redução no número de casos pendentes, uma vez que, desde 2019, mais de 24 mil casos tiveram seu deferimento ou indeferimento publicados. No entanto, ressalta o Licks, a maior parte dessa redução se deveu ao fato de os pedidos terem sido abandonados por seus requerentes devido à demora em sua análise e à obsolescência das tecnologias reivindicadas. A firma também destaca que ainda há 53 mil pedidos depositados até 31 de dezembro de 2016 que estão pendentes de decisão.

De acordo com a estatística feita pelo Licks Attorneys, ao considerar o volume de pedidos abandonados e a produção do INPI desde o início do plano, a autarquia só atingiria sua meta de resolução de 80% do backlog em janeiro de 2025. Mesmo com uma pendência de mais de 53 mil casos, o INPI publicou, em 30 de março de 2021, a Portaria 21/2021, estabelecendo uma nova etapa do Plano: agora, os pedidos depositados em 2017 também poderão receber exigências preliminares.

Quanto ao tema da Covid-19, a resposta do Licks corrobora a conclusão do INPI de que a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial em nada impacta o enfrentamento da epidemia.

“De um total de 54 substâncias usadas no tratamento dos sintomas da Covid-19, somente cinco estão sob proteção patentária concedida com o prazo do parágrafo único (dez anos a partir da data de concessão da patente). A maioria destes medicamentos é antiga, o que pode ser constatado pela data da aprovação do primeiro registro pela Anvisa, e, por isso, já possuem diversas cópias aprovadas no mercado. A invalidação de mais de 31 mil patentes que hoje vigoram com base no parágrafo único não contribuirá para o combate à Covid-19 e gerará insegurança jurídica, afugentando ainda mais os investidores de novas tecnologias no Brasil”, avalia a banca.

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ADI 5.529

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