Anuário SP 2021

Pressionado pela crise sanitária, TJ-SP inova e melhora produtividade

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6 de abril de 2021, 8h47

* Esta reportagem integra o Anuário da Justiça São Paulo 2020/2021, que será lançado nesta sexta-feira (9/4), às 15h, com transmissão ao vivo pela TV ConJur. O debate online terá a participação do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo Geraldo Pinheiro Franco, de seu corregedor-geral Ricardo Anafe e dos ministros do STF Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes.

Se 1968 ficou marcado na história como o ano que não terminou, 2020 entrará para os anais como o ano que não começou. Tudo que estava previsto de acontecer no ano fatídico da epidemia do novo coronavírus ou não sucedeu ou se deu de forma diferente. Assim foi também com a Justiça de São Paulo. “Fomos atropelados pela epidemia. O Conselho Superior da Magistratura estava ainda debruçado sobre as prioridades para a superação das dificuldades orçamentárias quando tivemos, do dia para a noite, que priorizar a saúde dos magistrados e servidores, de todos os que atuam no sistema de Justiça”, diz o presidente do tribunal, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco. “Jamais imaginávamos que grande parte do planejado para o biênio 2020-2021 seria alterado com pouco mais de dois meses de gestão”, disse.

A calamidade pública no estado, reconhecida em 21 de março, fez com que a recém-empossada direção do tribunal tivesse de parar tudo para repensar a forma de trabalho de seus 40 mil servidores (entre juízes, funcionários, terceirizados e estagiários) e o atendimento de um milhão de pessoas por dia em mais de 720 prédios e 320 comarcas no estado.

Mundo real: TJ-SP recebe o governador João Doria e os ministros paulistas do Supremo, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, na abertura do ano judiciárioAntônio Carreta/TJ-SP

Já na segunda semana de março, o tribunal começou a implantar o trabalho remoto dos servidores, recomendou prioridade para os julgamentos virtuais e a substituição de sessões presenciais pelas telepresenciais. Logo em seguida, iniciou-se o esvaziamento físico da corte: o trânsito de pessoas nos prédios foi proibido e audiências não urgentes foram suspensas. No dia 23 de março foi instituído o trabalho remoto para todos os magistrados e servidores do estado, a princípio previsto para o período de 25 de março a 30 de abril. Este prazo foi prorrogado até julho e ainda vigorava com diferentes graus de intensidade no início de 2021, sem previsão para terminar. Foi implantado um gabinete de crise para o enfrentamento da crise sanitária.

Prazos processuais e audiências foram suspensos por 30 dias. Também foi suspensa a saída temporária de presos nos 178 presídios do estado, bem como as audiências de custódia. Seguindo a Recomendação CNJ 62/2020, o tribunal suspendeu o comparecimento pessoal do cidadão condenado aos fóruns e unidades de execução penal. Também dispensou as audiências de custódia, que só foram retomadas, na forma virtual, a partir de novembro de 2020, com autorização do CNJ.

Passaram-se apenas 11 dias para que o maior tribunal de Justiça do país estivesse inteiro recolhido. “Nas primeiras duas semanas de trabalho remoto, houve um susto muito grande, não sabíamos se a estrutura daria conta da demanda”, conta o vice-presidente, Luís Soares de Mello.

O atendimento de partes, advogados, membros do Ministério Público, da Defensoria e interessados passou a ser feito por e-mail institucional e por videoconferência pela plataforma Teams. Por recomendação do CNJ, tiveram prioridade liminares, antecipações de tutela, comunicações de prisão em flagrante, representações do delegado de polícia para decretação da prisão temporária, Habeas Corpus, mandados de segurança, alvarás, pedidos de levantamento de quantia em dinheiro e questões de saúde e de Direito de Família.

Abertura do ano judiciário, em fevereiro de 2020 Paulo Santana/TJ-SP

Só não foi suspensa a demanda, agora aquecida com o acréscimo das causas originadas no turbilhão da crise, como ações questionando as medidas de restrição às atividades sociais e econômicas impostas pelo estado e municípios. (leia mais na pág. 24 – Jurisprudência de Emergência). Outras demandas continuaram a ser distribuídas e atendidas remotamente, com a execução de expedientes, decisões, despachos, votos e minutas. O tribunal, 100% remoto em primeiro e segundo graus, continuou produzindo da casa de cada integrante.

Em 6 de maio, foi feita a primeira sessão virtual pelo Órgão Especial, a primeira nesse modo em sua história. Segundo o vice-presidente da corte, Luís Soares de Mello, havia um temor de que alguns magistrados mais antigos não tivessem tanta destreza no manejo das novas tecnologias. “O Órgão Especial foi o que mais me surpreendeu. Todos se adaptaram ao trabalho remoto. É uma alegria ver que o tribunal conseguiu, efetivamente, dar conta. Hoje, o tribunal está virtualizado. Conseguimos mostrar que o virtual e o telepresencial vieram para ficar”, diz.

1 Inclui 9 juízes convocados; 2 São 38 de Direito Privado, 18 de Direito Público, 16 Criminais, 4 câmaras especializadas e 2 câmaras especiais; 3 400 na capital e 1.221 no interior. Fonte: TJ-SP

A partir de junho de 2020 as câmaras também passaram a fazer sessões telepresenciais pela plataforma Teams. Para a juíza em segundo grau Maria do Carmo Honório, que atua na 3ª Câmara de Direito Privado, o fato mais relevante de 2020 foi essa mudança na forma da sessão de julgamento. “Mesmo a distância, conseguimos manter a regularidade do trabalho da câmara”, afirma. Segundo os desembargadores, os atendimentos aos advogados continuaram, só que por videoconferência, e-mail ou telefone e com agendamento prévio. “Registro um aumento significativo nos atendimentos telepresenciais”, comentou ao Anuário da Justiça Donegá Morandini, também da 3ª Câmara.

Para Miguel Brandi, da 7ª Câmara de Direito Privado, as sessões telepresenciais produziram também um aumento no número de sustentações orais. “Pela facilidade”, acredita. As câmaras de Direito Privado fizeram, em média, 20 julgamentos com sustentação oral por sessão telepresencial. A 4ª Câmara Criminal chegou a fazer uma sessão com mais de 35 sustentações inscritas. “Temos notado pedidos de advogados que antes não se dispunham a vir até o tribunal, seja pela distância, seja pela formalidade do momento”, comenta João Pazine, da 3ª Câmara de Direito Privado. “Talvez se sintam mais à vontade de fazer a sustentação de seu próprio local de trabalho.”

“Como os desembargadores, eu pertenço à geração dos trabalhos presenciais. Mas é inegável a facilidade da sessão on-line. Tanto para audiência com desembargadores como para os julgamentos nas sessões. Talvez pela novidade, temos até mais atenção”, disse o advogado Alberto Toron em comentário no site Consultor Jurídico. “Funciona bem, especialmente para o réu pobre. Houve redução de locomoção para a defesa técnica e o gasto diminuiu. Obviamente que tenho saudades das sessões presenciais, mas penso que a combinação pode ser a solução.”

Os integrantes da atual gestão são entusiastas do avanço do tribunal no uso da tecnologia. “Avançamos décadas na prestação jurisdicional com a utilização de tecnologia de ponta”, diz o presidente do TJ-SP, Pinheiro Franco enquanto o vice, Luís Soares, corrobora: “Já começamos a pensar como vamos normatizar o funcionamento do tribunal após a epidemia, principalmente porque a experiência do telepresencial foi muito positiva.

A grande vitória do tribunal foi ter se unido aos advogados, ao Ministério Público, já que o problema atingiu a todos igualmente.” Antes mesmo da epidemia de Covid-19, a Corregedoria-Geral da Justiça foi instada a expandir o uso de teleaudiências na fase de instrução e julgamento e nas audiências de custódia, além de desenvolver outros projetos com auxílio de inteligência artificial. A epidemia acelerou o processo.

Segundo o corregedor-geral, Ricardo Anafe, a videoconferência veio para ficar, principalmente na área criminal. Ele diz que as citações e intimações de réus presos serão mantidas 100% em ambiente virtual após a crise sanitária. Nesse modelo, os documentos são enviados por e-mail, impressos na unidade prisional e entregues ao preso, com a formalização do ato por meio de videoconferência. Além disso, haverá uma mescla entre audiências presenciais e telepresenciais com réus presos: “O juiz terá liberdade para definir a forma da audiência. A Corregedoria vai disponibilizar os instrumentos necessários.”

Anafe aponta inúmeros benefícios das audiências por videoconferência e diz acreditar que o modelo foi bem recebido pelos juízes. “No caso de réu preso, tem mil vantagens. A primeira é o deslocamento da penitenciária até o fórum. A operação exige o acompanhamento por policiais militares e agentes penitenciários, que, segundo o governador, tem um custo anual para o estado de R$ 77 milhões.” Para o corregedor, além da economia de recursos, há também vantagens operacionais. “Toda vez que há deslocamento há risco de fuga. Com a videoconferência, diminui o risco dentro do fórum e as audiências acontecem exatamente na hora marcada”, resume.

Após a entrada das regiões do estado na Fase 2 (laranja) do Plano São Paulo (o plano estratégico de restrições adotado pelo governo estadual para controlar a epidemia localmente. A fase 2 corresponde a um nível intermediário de gravidade da situação e das restrições), o tribunal iniciou o retorno gradual das atividades presenciais, ainda com a maioria das equipes trabalhando remotamente.

Em oito meses de trabalho remoto, a Justiça paulista bateu a marca de 20 milhões de atos processuais, entre sentenças, acórdãos, decisões e despachos. No fim de janeiro de 2021 já eram mais de 24 milhões de atos processuais. “Estamos estudando o trabalho remoto parcial, em rodízio, notadamente porque ele foi altamente positivo. Mas o retorno é necessário e inevitável, ainda que parcialmente, dada a natureza essencial dos serviços que prestamos, lembrando que ainda temos 25% de nossos processos em meio físico”, diz o presidente da corte.

De acordo com as estatísticas gerais fornecidas pelo tribunal, os desembargadores julgaram mais de 880 mil recursos entre janeiro e outubro de 2020 e viu seu acervo aumentar ligeiramente de 301 mil processos, no final de 2019, para 325 mil, em outubro de 2020. Até outubro, haviam sido distribuídos 811 mil recursos aos gabinetes, frente a 881 mil casos julgados. Todas as seções julgaram mais que a distribuição em 2020, mesmo assim os acervos gerais do Direito Privado e Público tiveram aumento de 27 mil e de 12 mil processos, respectivamente. Já o Direito Criminal viu seu acervo diminuir em 17 mil processos, fechando outubro com 50 mil casos pendentes. A quantidade de processos paralisados por sobrestamento caiu de 72 mil, em 2019, para 62 mil, em outubro de 2020.

Uma das metas dessa gestão é digitalizar o acervo físico, calculado em oito milhões de processos. Em junho, a Corregedoria editou provimento permitindo que advogados que estão com processos físicos ou que já tenham o arquivo digitalizado de todos os volumes da ação possam converter os autos para o meio digital (com exceção das execuções criminais). “A epidemia deixou clara a vantagem para a prestação jurisdicional do meio processual eletrônico. Investiremos nossos melhores esforços para proceder à digitalização do acervo físico remanescente, permitindo a massiva aplicação de automação, robotização e inteligência artificial para a solução de processos antigos e a entrega da jurisdição de qualidade no menor tempo possível”, promete o presidente.

LGPD
Apesar dos três planos de contingenciamento de gastos lançados em 2020, o TJ-SP não deixou de investir em tecnologia e segurança da informação e foi considerado pelo Conselho Nacional de Justiça um dos únicos do país a estar totalmente adequado à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.835/2019). A corte começou a se preparar mesmo antes da entrada em vigor da lei, em setembro de 2020. Desde abril de 2018, vem discutindo os impactos da nova legislação, por meio de encontros acadêmicos com especialistas organizados na EPM.

Em 2019, o então corregedor-geral Pinheiro Franco propôs a implantação antecipada da LGPD na Corregedoria e foi criado um grupo de estudos para endereçar uma futura implementação. “Como presidente, determinou na primeira hora que implementássemos a LGPD em tempo hábil. Sempre trabalhamos com a data de 16 de agosto [data da entrada em vigor da lei]. O Judiciário tem uma função dupla e muito específica: tem de estar adequado e é responsável por dizer o direito em proteção de dados”, diz o juiz Fernando Tasso, coordenador da área digital do TJ.

O tribunal baseou sua adaptação em seis frentes de trabalho: criou um hotsite de transparência; em seguida, fez um banco de registro de tratamento de dados; criou um canal para garantia dos direitos do titular dos dados; fez a revisão dos contratos administrativos com cláusulas padrão; fez revisão da política de segurança da informação; criou um comitê gestor de privacidade e proteção de dados pessoais.

Em julho de 2020, também criou um assunto processual sobre proteção de dados pessoais, a fim de mapear qual o perfil de demanda versa sobre proteção de dados. “De julho a setembro já tínhamos 358 processos relativos ao assunto. Permitiu-nos ver que havia demanda antes da lei, sendo que os pedidos eram fundamentados em outros diplomas legais, como o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor”, diz Fernando Tasso.

Guerra de jurisprudência
Em várias oportunidades, ministros da Seção de Direito Penal do Superior Tribunal de Justiça criticaram a postura de resistência do TJ-SP de adotar posicionamentos já consolidados das cortes superiores, o que gera muito mais recursos a essas instâncias. O alvo especial das críticas foi a Seção Criminal. Em julho, o ministro Rogerio Schietti falou em “resistência” do TJ-SP em temas como o tráfico privilegiado de drogas. As cortes superiores já firmaram jurisprudência de que a prisão deve ser substituída por medidas cautelares, mas a tese é rejeitada por julgadores do TJ-SP. “O STJ e o STF já disseram centenas de vezes, mas alguns tribunais insistem nessa posição, como se fosse uma afirmação de poder em prejuízo de pessoas que estão perdendo sua liberdade, quem sabe até a vida”, afirmou.

Em julho, o STJ recebeu 8.451 Habeas Corpus. Segundo o ministro Schietti, 4.472 eram de São Paulo. O ministro Antonio Saldanha Palheiro faz coro à crítica. “O que vemos em São Paulo é a reiteração permanente de descumprir, uma afronta em nome do livre convencimento motivado. São fundamentos usados no Direito artesanal, não no Direito de massa que vivenciamos hoje. Esse tipo de posicionamento acaba por trazer um retrocesso para o sistema jurídico como um todo.”

Para o vice-presidente, Luís Soares de Mello, que pertence à Seção Criminal, o diálogo entre o tribunal e o STJ sempre foi positivo. “É que eles insistem para que o tribunal acolha teses que não acolhemos. Se for uma súmula vinculante, vamos aderir. Mas, se não for, não precisamos aderir. Se a independência de julgamento do juiz é um dos seus melhores atributos, por que vamos ter que cortar isso agora? A Seção de Direito Criminal do TJ-SP é equilibrada, há magistrados mais rígidos, outros menos. Há linhas de pensamento. Mas é próprio da independência que o juiz tem.” Guilherme Strenger, presidente da Seção Criminal, escreveu uma extensa nota em defesa da independência dos juízes de São Paulo.

O Órgão Especial aprovou, no início de julho, a criação de 19 câmaras extraordinárias (cinco de Direito Criminal, quatro de Direito Público e dez de Direito Privado) para julgar processos atrasados das câmaras, que estão pendentes há mais de 100 dias. São 126 mil casos incluídos nessa lista, segundo o tribunal. Mas a corte suspendeu a criação depois que a decisão foi questionada por um deputado federal no CNJ. Agora o TJ-SP aguarda parecer do Conselho, que examina se elas acarretam gastos extraordinários em pleno contexto de epidemia.

Entre 1º de janeiro e 30 de novembro, 504 representações de natureza disciplinar contra magistrados deram entrada na Corregedoria, juntando-se às 116 que já estavam em andamento. O acervo atual é de 98 expedientes em tramitação.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2020 | 2021
Lançamento: 9 de abril (sexta-feira), às 15h
Onde: TV ConJur, no YouTube
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Anunciantes desta edição
Abreu Sampaio Advocacia
Adilson Macabu & Nelson Pinto Advogados
Advocacia Ubirajara Silveira
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Apamagis
Asseff & Zonenschein Advogados
Associação Educacional Nove de Julho
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Barroso Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Bradesco S.A.
Clito Fornaciari Júnior – Advocacia
Dannemann Siemsen Advogados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Duarte Garcia, Serra Neto e Terra Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
FCQ Advogados
Refit
Silveira Braga Advogados
Heleno Torres Advogados
HS Law
JBS S.A.
Keppler Advogados Associados
Lemos Jorge Advogados Associados
Machado Meyer Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Original 123 Assessoria de Imprensa
Pardo Advogados & Associados
Reis Advogados
Pinheiro Neto Advogados
Rocha, Marinho e Sales Advogados
Sergio Bermudes Advogados
Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados
Villas Bôas e Salineiro Advogados
Volk e Giffoni Ferreira Sociedade de Advogados
Warde Advogados

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