Opinião

Breves considerações sobre o Fundo Garantidor Solidário

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4 de abril de 2021, 7h11

A Lei 13.896/20 trouxe ao ordenamento jurídico novos títulos de créditos com o objetivo de criar mecanismos fomentadores da atividade agropecuária, direcionando-a para uma relação direta entre o produtor rural e a iniciativa privada.

Entre as novidades trazidas pela nova lei, examinaremos o Fundo Garantidor Solidário.

O Fundo Garantidor Solidário está disciplinado do artigo 1º ao artigo 6º da lei.

Primeira impressão que se tem ao ler o caput do artigo 1º da lei é a de que o FGS seria a única garantia necessária para o fim colimado, mas não é isso que ocorre, levando-se em conta o disposto no inciso I do §2º do artigo 3º. Por esse dispositivo, a instituição consolidadora poderá exigir a transferência das garantias oferecidas nas operações originais para a operação de consolidação. Esse dispositivo legal, a nosso ver, reforça o entendimento acima exposto de que a consolidação das dívidas abrangia as dívidas inadimplidas ao manter a garantia original da operação inaugural e agora reforçada pelo Fundo Garantidor Solidário.

Podemos destacar de imediato que o FGS se presta para financiar a atividade fim do produtor, através da obtenção de crédito para tal fim, presta-se também para promover a consolidação/renegociação de dívidas e presta-se ainda, a obtenção de crédito para a implantação e operação de infraestrutura de conectividade rural.

Analisaremos por partes.

Dê início, o caput do artigo 1º se refere a operações de crédito realizadas por produtores, incluídas as resultantes de consolidação de dívidas. É claro, portanto, que o FGS se destine exclusivamente a produtores rurais.

Questão relevante decorrente do caput do artigo é a consolidação de dívidas. Devemos entender a consolidação de dívidas do ponto de vista organizacional do fluxo de caixa, de modo que o vencimento de parcelas de contratos distintos com datas distintas de pagamento seja agrupado através da consolidação para um mesmo dia de vencimento, ou podemos entender que esse conceito de consolidação de dívidas seja entendido como a possibilidade de se novar uma dívida com parcelas vencidas e cuja execução forçada não se tenha iniciado? 

Entendemos que é possível a consolidação de dívidas inadimplidas, já que a lei se limita a consignar o vocábulo dívidas, desacompanhada de qualquer complemento indicativo de adimplidas no tocante ao parcelamento ou inadimplidas e vencidas antecipadamente.

Se aplicada a solução acima apontada, o FGS propiciará a renegociação de dívidas passadas, com nenhuma ou com garantia insuficiente, mas cuja negativação do produtor rural o impede de obter novos créditos.

O parágrafo único do aludido artigo trouxe uma solução para uma questão importantíssima, não só para o agronegócio, que é a questão da infraestrutura de conectividade, que, grosso modo, podemos nos referir como "internet", considerada pela visão popular de que aonde ela chega tudo se torna possível em termos digitais. A lei, propositalmente, incluiu este único parágrafo no artigo 1º face a necessidade cada vez mais premente do produtor rural ter acesso aos sinais digitais, para que mais e mais possa se beneficiar das altas tecnologias utilizadas em plantadeiras, colheitadeiras, sistemas de acompanhamento das condições meteorológicas e climáticas e até na detecção de cio em vacas etc., tudo visando ao ganho significativo de produção em uma mesma área. Assim, a conectividade é instrumento importante e, dada a dimensão e localização das áreas produtivas no território nacional, é necessário que a implantação de equipamentos receptores e distribuidores de sinais digitais ganhe velocidade, não ficando a instalação na dependência das companhias telefônicas ou do governo federal, e que nas localidades existam técnicos garantindo o funcionamento e manutenção.

Os artigos 2º e 3º trazem os requisitos básicos para formação do FGS, antevendo a possibilidade de limitação do número de participantes pelo Poder Executivo.

Entendemos a limitação do número de participantes como medida salutar, por evitar que o fundo ganhe dimensões incontroláveis.

A lei prevê expressamente que haverá um só credor — inciso II do artigo 2º.

O inciso III admite a participação do garantidor, no singular. É de se questionar se só se admite um garantidor por fundo ou um para cada devedor ou se podemos ter mais garantidores, independentemente de se referirem a um determinado devedor ou credor (§1º do artigo 3º).

Sendo a participação mínima do garantidor fixada em 2% do crédito a ser integralizado de imediato, a exemplo dos demais participantes, qual o incentivo que ele recebe em contrapartida a assunção dessa parcela da obrigação de terceiro se, em outras modalidades de garantia, as pessoais, mais especificamente, até poderíamos cogitar da sua constituição por mero favor, já que não se disporia de capital para tanto, mas de responsabilidade pelo montante da dívida; no caso do FGS haverá o desembolso imediato de dinheiro, o que deixaria de lhe conferir rendimento, se aplicado em investimentos.

Por que alguém retiraria dinheiro do bolso para assumir um percentual de uma dívida, sem qualquer contrapartida, já que o §6º do artigo 3º proíbe o pagamento de rendimentos a qualquer dos seus cotistas?

Da maneira como está disciplinada a intervenção do garantidor no FGS, não cremos que haverá muitas adesões ao sistema, a menos que haja remuneração desse capital. A remuneração se daria na forma do parágrafo único do artigo 5º?

Essa questão nos remete a refletirmos sobre o disposto no artigo 6º combinado com o parágrafo único do artigo 5º.

Pois bem, o parágrafo único dispõe que na hipótese de extinção do fundo pela quitação da dívida, os recursos remanescentes serão devolvidos aos cotistas na forma do artigo 6º.

Na extinção do fundo na forma preconizada, cremos que o legislador quis se referir a uma prestação de contas por parte do administrador, demonstrando se a utilização dos recursos e sua forma de atualização se deram em conformidade com os seus estatutos e se a sua remuneração também se deu na forma estipulada, para só depois promover o ressarcimento na forma do parágrafo único do artigo 5º.

Na hipótese de não utilização e a atualização dos recursos na forma preconizada nos estatutos, caberá a responsabilização do administrador?

A responsabilização do administrador se dará com base na legislação civil e penal ou o estatuto do fundo disporia de maneira diferente?

Na hipótese da não quitação de algumas dívidas que compõem o fundo, ocorreria a extinção com relação aos adimplentes de forma automática ou seria necessário declaração do administrador? O estatuto poderia assim dispor?

O administrador ficaria vinculado ao fundo mesmo sem ter o que administrar, em casos de inadimplência? Quem arcaria com esses custos? O devedor e o inadimplente, o credor e/ou o fundo?

Supondo-se a inexistência de outras garantias além do fundo, como se dará a execução a ser promovida pelo credor?

Supondo-se que a dívida inadimplida tenha outro tipo de garantia o credor poderia promover a execução e extinguir o fundo ou os estatutos do fundo seriam o título embasador da execução?

Haverá certeza e liquidez no título a lhe conferir exigibilidade, considerando a hipótese acima?

O §1º do artigo 3º prevê que a integralização da quota terciária (leia-se garantidor) poderá se dar com a redução do saldo devedor do credor garantido pelo fundo.

Entendemos essa possibilidade como uma forma de o garantidor aplicar o seu dinheiro na instituição credora, pagando parte do seu percentual no fundo na cota devida pelo credor, ou seja: se o credor deveria integralizar um mínimo de 4% do crédito, mas, se a cota terciária faz a sua integralização mínima de 2% diretamente a favor do credor, este terá reduzido o seu saldo devedor e integralizará apenas os outros 2% referentes a diferença do mínimo estabelecido na lei (percebam que estamos exemplificando com os percentuais mínimos estabelecidos para demonstrar o raciocínio).

A lei estabelece critério justo de ressarcimento quando do pagamento da dívida inadimplida, determinando que primeiramente seja utilizado os recursos integralizados pela cota primária (devedor), depois a cota secundária (credor ) e, por fim, a cota terciária. Essa sistemática de ressarcimento visa a não penalizar demasiadamente o credor e o garantidor.

Quando ocorrer a quitação das dívidas, o ressarcimento se dará da cota terciária para a conta primária.

Questão relevante que também deve ser analisada diz respeito ao estatuto do fundo, à qualificação profissional do administrador, sua remuneração e a responsabilidade deste; a indicação de como e onde aplicar os recursos do fundo; autorização para efetuar o pagamento de parcela reclamada pelo credor; quais os meios de validade deste pagamento são algumas dentre tantas outras minúcias que deverão ser observadas quando da elaboração desse documento de constituição do Fundo Garantidor Solidário.

Essas são, portanto, as nossas breves considerações a respeito desse novo instituto introduzido no ordenamento jurídico pela novel lei do agronegócio, a Lei 13.896/20, que suscitará muitas discussões nos tribunais enquanto não adequadamente regulamentada.

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