Opinião

Isolamento por Covid-19 e atestado para justificação da ausência na Lei 14.128/2021

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é advogado livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo especialista em Direito e pós-doutor em Direito pela Universidade de Sevilla membro Pesquisador do IBDSCJ e da Academia Brasileira de Direito do Trabalho titular da Cadeira 27 membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e professor universitário.

4 de abril de 2021, 17h16

A Lei 14.128, do último dia 26, dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus, por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito.

A Lei 14.128/2021 também alterou a Lei 605/1949, sobre repouso semanal remunerado e pagamento de salário nos feriados.

Nesse contexto, procura-se analisar o seguinte aspecto decorrente da Lei 14.128/2021, a qual entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida no Diário Oficial da União de 26/3/2021: a justificação da ausência do empregado em caso de imposição de isolamento em razão da Covid-19.

Durante os primeiros 15 dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral (artigo 60, §3º, da Lei 8.213/1991). Trata-se, assim, de período de interrupção do contrato de trabalho [1].

O auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) é devido ao segurado empregado a contar do 16º dia do afastamento da atividade (artigo 60 da Lei 8.213/1991).

A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do auxílio por incapacidade temporária e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos estabelecida em lei (Súmula 15 do TST).

A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, tem a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período correspondente aos primeiros 15 dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de incapacidade, somente devendo encaminhar o segurado (empregado) à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 dias (artigo 60, §4º, da Lei 8.213/1991).

Nesse sentido, ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros 15 dias de ausência ao trabalho (Súmula 282 do TST).

Registre-se que, durante o período de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, a imposição de isolamento dispensa o empregado da comprovação de doença por sete dias (artigo 6º, §4º, da Lei 605/1949, incluído pela Lei 14.128/2021).

Isolamento significa a separação de pessoas doentes ou contaminadas de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus (artigo 2º, inciso I, da Lei 13.979/2020). O artigo 6º, §4º, da Lei 605/1949, incluído pela Lei 14.128/2021, versa sobre a "imposição de isolamento". Logo, trata-se de medida de isolamento determinada por prescrição médica ao paciente (artigo 3º, §2º, da Portaria 356/2020 do Ministério da Saúde). Não será indicada medida de isolamento quando o diagnóstico laboratorial for negativo para o coronavírus (artigo 3º, §3º, da Portaria 356/2020).

Vale dizer, o artigo 6º, §4º, da Lei 605/1949, incluído pela Lei 14.128/2021, não versa sobre a medida de isolamento por "recomendação" do agente de vigilância epidemiológica, a qual ocorre no curso da investigação epidemiológica e abrange somente os casos de contactantes próximos a pessoas sintomáticas ou portadoras assintomáticas, devendo ocorrer em domicílio (artigo 3º, §5º, da Portaria 356/2020 do Ministério da Saúde).

A medida de isolamento pode ser determinada por prescrição médica por um prazo máximo de 14 dias, podendo se estender por até igual período, conforme resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão (artigo 3º, §1º, da Portaria 356/2020 do Ministério da Saúde).

Sendo assim, no caso de imposição de isolamento em razão da Covid-19, o trabalhador pode apresentar como justificativa válida, no oitavo dia de afastamento, além do atestado médico, documento de unidade de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) ou documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde (artigo 6º, §5º, da Lei 605/1949, incluído pela Lei 14.128/2021).

O artigo 6º, §5º, da Lei 605/1949, incluído pela Lei 14.128/2021, menciona "além do disposto neste artigo", certamente fazendo remissão ao artigo 6º, §2º, da Lei 605/1949. No entanto, esse dispositivo, com redação dada pela Lei 2.761/1956, sobre comprovação da doença por meio de atestado médico, foi tacitamente revogado. Na atualidade, aplica-se o mencionado artigo 60, § 4º, da Lei 8.213/1991.

Efetivamente, não há mais os institutos de aposentadorias e pensões, organizados por categorias profissionais, deixando de fazer sentido a previsão de que "a doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente: de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha" (artigo 6º, §2º, da Lei 605/1949).

Observa-se a necessidade de aperfeiçoamento da técnica legislativa na formulação dos comandos normativos. Questões por si complexas passam a dar margem a interpretações as mais diversas, em razão da ausência de precisão na redação de certas disposições legais. A urgência na aprovação de leis, em razão da pandemia, não deve resultar na intensificação da insegurança jurídica em matérias de nítida relevância para a sociedade.

 


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 576.

Autores

  • é advogado, livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Direito pela Universidade de Sevilla, pós-doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla, professor universitário, membro pesquisador do IBDSCJ, da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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