Lei "Anticrime"

Prisão automática após júri é irresponsável e desrespeita o STF, diz Lenio Streck

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3 de abril de 2021, 10h20

A decisão do legislador da Lei “Anticrime” (Lei 13.964/2019) de deslocar o tratamento da execução da pena para o capítulo atinente ao tribunal do júri no Código de Processo Penal, permitindo sua execução imediata, é atitude irresponsável que desrespeita o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal.

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Pacote "anticrime" permitiu prisão imediata após decisão tomada por corpo de jurados sem necessidade de embasamento
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É o que alerta o constitucionalista e colunista da ConJur Lenio Streck, em parecer encomendado pelo Conselho Federal da OAB para a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra trecho do Código de Processo Penal que prevê a prisão automática de réu condenado a 15 anos ou mais pelo tribunal do júri.

Trata-se do artigo 492, alínea "e", e parágrafos 3º, 4º e 6º do CPP, introduzidos pela Lei "Anticrime". Além da ação da Ordem, também tramita no Supremo outra ajuizada pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

Para Lenio, a Lei “Anticrime” tenta criar uma diferença artificial e totalmente inconstitucional entre decisões do tribunal do júri e do juiz togado de primeira instância, sem levar em consideração que essa diferenciação não existe na Constituição, com o agravante de a decisão do júri ser atécnica — baseada na íntima convicção dos jurados.

“Uma decisão tomada por íntima convicção não pode ter consequências mais graves do que uma decisão tomada por um juiz togado ou tribunal, em que se exige ampla fundamentação. Isso é absolutamente contrário ao sistema normativo brasileiro. O júri decide como quer e não tem accountability. Sua decisão poderá passar a valer de imediato, mesmo que absurda e sem nenhuma conexão com a prova dos autos”, ressaltou.

No mais, a norma desrespeita a posição do Supremo, que, nas Açoes Diretas de Constitucionalidade 43, 44 e 54, afastou a possibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, sem fazer qualquer distinção para o caso do tribunal do júri. Portanto, defende que é evidente que a restrição se aplica a todo e qualquer caso.

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Sem embasamento
Lenio Streck ainda classificou como curiosa a escolha do legislador para o marco de 15 anos de pena a admitir a execução imediata da pena pela condenação pelo júri. “Qual é o embasamento científico para essa opção política do legislador?”, indagou.

Segundo o constitucionalista, em um Estado Democrático de Direito, o poder estatal não pode tomar decisões arbitrárias para regular a conduta humana. A Constituição não atribui ao legislador o poder de escolher quais réus se beneficiam ou não da presunção da inocência.

“É evidente, dessarte, a violação ao princípio da isonomia. Mantida a Lei 'Anticrime', alguém que comete um latrocínio — julgado por um juiz togado, portanto — e é condenado a 16 anos de prisão, não precisa ser preso impositivamente; por outro lado, condenação no júri, acima de 15 anos, por qualquer crime, exige execução provisória da pena”, exemplificou.

Clique aqui para ler o parecer de Lenio Streck
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ADI 6.783

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