Opinião

A execução da pena de multa após a ADI 3150 e o pacote "anticrime"

Autores

  • Murilo Alan Volpi

    é promotor substituto no estado do Paraná (MP-PR) doutorando e mestre em Direito Político Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) especialista em Direito Tributário pela FDRP-USP ex-advogado e analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e ex-delegado de polícia no estado de Minas Gerais (PC-MG).

  • Matheus Tauan Volpi

    é delegado de polícia no estado de Minas Gerais (PC-MG) doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) mestre e especialista em Direito Tributário pela USP professor de Direito Penal e Processo Penal na Unip-São José do Rio Preto (SP) e ex-advogado e analista jurídico do Ministério Público (MP-SP).

3 de abril de 2021, 6h04

Após a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.150 [1] e o advento do pacote "anticrime", a pena de multa [2], até então executada pela Fazenda Pública, passou a ser cobrada pelo Ministério Público, como forma de se tentar resgatar sua função político-criminal.

A reforma operada impõe a necessidade de uma reflexão mais aprofundada acerca da forma pela qual se buscará a satisfação da pena de multa. Isso porque o ajuizamento de toda e qualquer execução de pena de multa, independentemente de valor e de qualquer possibilidade real de satisfação do débito, mostra-se, a princípio, incompatível com uma atuação consentânea com os princípios constitucionais previstos no artigo 37 da Constituição Federal, notadamente o princípio da eficiência. Haverá hipóteses em que o emprego de métodos extrajudiciais, por exemplo, pode ser mais adequado para a cobrança da multa.

Nesse contexto, a instituição de mecanismos de cobrança extrajudicial da pena de multa apresenta-se como medida alinhada às imposições de uma atuação resolutiva [3].

Um desses mecanismos de cobrança extrajudicial pode consistir, por exemplo, na criação de um fluxo a partir do qual o título executivo (sentença condenatória) seja levado a protesto e, apenas no caso de ser frustrada a tentativa de solução extrajudicial, sejam adotadas as medidas tradicionais da execução judicial do título.

Inaugurar de plano uma execução judicial de título passível de recebimento pela via extrajudicial implicaria, em última análise, em violação ao princípio da eficiência (artigo 37 da Constituição Federal), uma vez que a movimentação do Poder Judiciário, como é cediço, possui significativos custos, conforme já apontado em ao menos dois estudos desenvolvidos pelo Estado no âmbito das execuções fiscais: "Estudo sobre Execuções Fiscais no Brasil", promovido pelo Ministério da Justiça em 2007, e "O Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal", organizado pelo CNJ e Ipea em 2011.

Acerca dos mecanismos extrajudiciais de cobrança da multa, recentemente foi aprovado, no âmbito do XI Encontro Nacional do Ministério Público no Sistema Prisional, o seguinte enunciado: "O manejo do protesto extrajudicial é providência antecedente e não obrigatória para a execução da pena de multa, recomendando-se o seu uso como providência de alternativa resolutiva sem a necessária judicialização da execução" (Enunciado 2.3). Pontuou-se também a necessidade de o CNMP "promover diálogo interinstitucional com o órgão nacional de representatividade dos notários, a fim de aprimorar o fluxo de trabalho do protesto da pena de multa" (Enunciado 2.1) [4].

Para além de instituição de mecanismos de cobrança extrajudicial da pena de multa, é preciso refletir também acerca da possibilidade (ou não) de definição de valores que serão cobrados exclusivamente pela forma extrajudicial, reservando-se a cobrança judicial apenas para condenações de montantes mais expressivos. É preciso ter claro que, para além do custo financeiro da execução da pena de multa, o ajuizamento indiscriminado de execuções dessa natureza traz também o chamado custo da burocracia executiva, já apontado em estudos de execução fiscal [5].

 


[1] Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. (…) Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980. (STF, ADI 3150, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019).

[2] Multa é uma das espécies de sanção penal. Consistente no pagamento de uma determinada quantia em pecúnia, previamente fixada em lei, em favor do Estado (NUCCI, 2020). Pode ser originária ou substitutiva (artigo 44, §2º, e artigo 60, §2º, do CP). De acordo com Luiz Regis Prado, "o vocábulo ‘multa’ tem origem na palavra latina ‘mulcta’ (reproduzir, multiplicar) — devido, provavelmente, ao fato de que antigamente sua quantia era fixada multiplicando-se o dano produzido pelo delito" (PRADO, 2019, p. 816).

[3] De acordo com o artigo 1º, §1º, da Recomendação nº 54/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, entende-se por atuação resolutiva "aquela por meio da qual o membro, no âmbito de suas atribuições, contribui decisivamente para prevenir ou solucionar, de modo efetivo, o conflito, problema ou a controvérsia envolvendo a concretização de direitos ou interesses para cuja defesa e proteção é legitimado o Ministério Público, bem como para prevenir, inibir ou reparar adequadamente a lesão ou ameaça a esses direitos ou interesses e efetivar as sanções aplicadas judicialmente em face dos correspondentes ilícitos, assegurando-lhes a máxima efetividade possível por meio do uso regular dos instrumentos jurídicos que lhe são disponibilizados para a resolução extrajudicial ou judicial dessas situações". A mesma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público ainda estabelece, em seu artigo 1º, §2º, que "sempre que possível e observadas as peculiaridades do caso concreto, será priorizada a resolução extrajudicial do conflito, controvérsia ou situação de lesão ou ameaça, especialmente quando essa via se mostrar capaz de viabilizar uma solução mais célere, econômica, implementável e capaz de satisfazer adequadamente as legítimas expectativas dos titulares dos direitos envolvidos, contribuindo para diminuir a litigiosidade".

[5] "Não basta levar em conta simplesmente o custo médio da Execução Fiscal para calcular esse piso, pois além desse custo, há o custo da burocracia executiva, o aumento da quantidade de execuções no Judiciário, prejudicando o andamento daquelas de valor realmente substancioso — de forma sintética, gera muito esforço para pouco retorno, e perde recursos que poderiam ser aplicados em devedores com créditos e liquidez maiores" (Costa, M. C., & Neto, C. A. D. . (2017). Análise econômica da execução fiscal no Brasil. Revista Da Faculdade De Direito Da Universidade São Judas Tadeu, (4), 177-200. Disponível em: https://revistadireito.emnuvens.com.br/revistadireito/article/view/86).

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    é promotor substituto no Estado do Paraná (MP/PR), doutorando e mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela USP, já foi advogado, analista Jurídico do MPSP e delegado de polícia no Estado de Minas Gerais.

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    é delegado de polícia no Estado de Minas Gerais (PC/MG), doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e especialista em Direito Tributário pela USP, professor de Direito Penal e Processo Penal na Unip-São José do Rio Preto/SP e já foi advogado e analista jurídico do Ministério Público (MP/SP).

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