Opinião

Os critérios ESG no Brasil e a sua regulamentação

Autor

  • Lourdes de Alcantara Machado

    é advogada sócia da área de Direito Ambiental do Gasparini Nogueira de Lima e Barbosa Advogados doutora em Ciências Jurídicas e LL.M em Direito Ambiental pela Universidade de Berkeley (USA).

3 de abril de 2021, 9h10

Apesar de não ser um assunto recente, a implementação de critérios ESG e o desenvolvimento dos investimentos sustentáveis vem ganhando especial destaque ao longo dos últimos anos, refletindo o crescente número de iniciativas internacionais sobre o tema.

De forma geral, a sigla ESG (environmental, social and governance") ou, em português, ambiental, social e governança (ASG), é utilizada para se referir a determinados critérios implementados pelas empresas atuantes dos diversos setores da economia. Esses critérios são então avaliados e mensurados pelo mercado, norteando a aplicação de investimentos e o direcionamento de recursos [1].

Não é à toa que a sigla vem carregada de um sentimento de esperança na tradução das preocupações com sustentabilidade para o mercado: atualmente a agenda ESG é considerada como um instrumento importante para transformar o capitalismo, incluindo de vez as variáveis sociais e ambientais nos custos dos produtos e serviços, e não mais considerando-os apenas como uma externalidade negativa destes.

A origem dessa agenda nos remete aos anos 70, com o surgimento das primeiras preocupações com o tema, intensificadas a partir dos anos 2000 com as iniciativas da ONU, com especial destaque para os Princípios do Equador e o Principles for Responsible Investments (PRI), como foco nos critérios a serem adotados por bancos e investidores de forma geral.

De lá para cá, testemunhamos a proliferação de diferentes métricas e indicadores, com ênfases e graus de complexidade distintos [2]. Essas diferentes métricas vêm sendo aplicadas também por diferentes agências internacionais, para classificação e ranking das empresas, ao lado de um esforço para monitorar e quantificar os resultados globais atingidos de forma conjunta por essas diferentes iniciativas [3].  

Embora esse cenário resulte na ausência de uma definição jurídica uniforme, podemos observar que a regulamentação existente no Brasil vem acompanhando os debates internacionais sobre o tema, em uma gama de normas específicas que buscam incorporar esses critérios, seja de forma direta ou indireta.

Citamos aqui a própria Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.474/1976), pioneira no ordenamento jurídico ao reconhecer a função social destas, com mandamentos de governança específicos que devem nortear o exercício das atribuições de seus acionistas.

Quanto aos investimentos públicos, a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81) determinou claramente que os financiamentos e incentivos governamentais são condicionados ao atendimento de critérios e padrões ambientais.

Tais requisitos legais foram posteriormente regulamentados por meio de resoluções do Banco Central (Bacen), a exemplo da Resolução Bacen 4237/2014 (determinando a necessidade da implementação de políticas de responsabilidade socioambiental pelas entidades por ele reguladas) e a Resolução Bacen 4661/2018 (regulando a aplicação de critérios ESG aplicados a fundos de pensão).

Ao lado destas, proliferam normas específicas regulando os mais diversos aspectos ambientais e sociais dos critérios ESG, entre as quais citamos:

a) A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (Lei 13709/2018), trazendo critérios aplicáveis à segurança e proteção de dados relativos a clientes e terceiros no exercício das atividades das empresas;

b) A Lei do Agro (Lei 13.986/2020), que resultou na emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) lastreada em títulos verdes (green bonds), logo após a sua edição. Esta lei ampliou também o escopo das Cédulas de Produtos Rurais Financeiras (CPR-F), permitindo sua emissão com base em atividades sustentáveis elegíveis, como a conservação e o manejo de áreas;

c) As recentes consultas públicas para revisão da Instrução CVM nº 480, (tratando da inclusão de ESG na emissão de valores mobiliários) e para revisão dos critérios de sustentabilidade aplicáveis na concessão de crédito rural (Consulta Pública Bacen n° 82/2021);

d) A Lei do Renovabio (Lei nº 13.576/2017), que criou os Créditos de Descarbonização (CBIO), a serem emitidos pelo produtor ou importador de biocombustíveis, e adquirido pelos distribuidores de combustíveis, conforme as metas estipuladas pelo governo, com a intenção de reduzir as emissões de carbono na matriz de transportes no Brasil.

Como se vê, o ESG veio para ficar. Entendemos que as empresas brasileiras devem iniciar de imediato a introdução de tais critérios, já implementados ou bem avançados como políticas empresariais mundo afora, sob pena de perda de competitividade, inclusive. É importante, ainda, que essa agenda afete as empresas brasileiras e promova a difusão de práticas efetivamente sustentáveis. Caso contrário, e dado o estado de emergência climática em que nos encontramos, viveremos para presenciar a disruptura completa do mundo como o conhecemos, que nos levará a viver uma realidade ainda mais distópica do que esta causada pela pandemia da Covid-19.

 


[1] https://www.investopedia.com/terms/e/environmental-social-and-governance-esg-criteria. "Environmental, social, and governance (ESG) criteria are a set of standards for a company’s
operations that socially conscious investors use to screen potential investments."

[2] Entre outras, especialmente relevantes os critérios do Global Reporting Institute – GRI (https://www.globalreporting.org), o Carbon Disclosure Project – CDP (https://www.cdp.net/en) , a Task Force on Climate Related Financial Disclosures – TCFD (https://www.fsb-tcfd.org/ ) e a norma ISO atualmente em processo de discussão.

[3] Citamos como rankings os da S&P, a MSCI, Bloomberg, e Sustainalytics, e os esforços multilaterais da Partnership for Carbon Accouting Financials – PCAF, e o Paris Agreement Capital Transition Report – PACTA.

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    é advogada, sócia da área de Direito Ambiental do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, doutora em Ciências Jurídicas e LL.M em Direito Ambiental pela Universidade de Berkeley (USA).

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