Opinião

Aluno com autismo tem direito a terapia comportamental na escola privada

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2 de abril de 2021, 11h10

O transtorno do espectro do autismo (TEA) é caracterizado pelo desenvolvimento acentuadamente anormal e prejudicado nas interações sociais, nas modalidades de comunicação e no comportamento, conforme descrito pela American Psychiatric Association.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os sintomas do autismo podem dificultar seriamente o cotidiano de pessoas nessas condições, impedindo realizações educacionais e sociais.

O autismo possui um grande espectro de características que afetam os indivíduos de formas diferentes, não tem cura e o tratamento deve envolver uma equipe multidisciplinar com objetivo de melhorar a qualidade de vida através do controle dos sintomas comportamentais e condicionamento do indivíduo à vida social, respeitando suas limitações.

Não existe tratamento farmacológico específico para o autismo, mas, sim, para as condições associadas a ele.

Após 30 anos de estudo, o professor e psicólogo clínico Ivar Lovaas, em 1987, conseguiu fornecer evidências de que o comportamento de crianças com autismo poderia ser modificado por meio do ensino. E não somente isso, as técnicas que ele apresentou eram eficazes na redução de comportamentos inadequados.

Estudos posteriores também apontaram que a intervenção comportamental pode produzir ganhos duradouros e significativos para crianças com autismo.

Destacou-se que o sucesso alcançado pelo procedimento se deu em razão da intensidade de sua aplicação, 40 horas semanais, da durabilidade de, no mínimo, dois anos e da precocidade, devendo ser iniciado antes dos quatro anos de idade.

Assim, com a recomendação de intensidade da terapia comportamental por 40 horas semanais, é preciso que a criança em idade escolar seja submetida a essa intervenção dentro da instituição em que estuda e em que passa a maior parte do seu dia enquanto acordada.

Sobre o direito à educação, a Constituição Federal de 1988 deu a ele o status de direito fundamental, inserindo-o no rol dos direitos sociais.

Tratando da ordem social, o legislador constituinte consignou no artigo 205 que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Quanto ao ensino, destacou no seu artigo 206 que "a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola" é um dos seus princípios norteadores.

Ainda na ordem social, a Lei Maior, no caput do artigo 227, ressaltou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, a educação.

A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, instituída por meio da Lei Federal nº 12.764/2012, dispôs que "a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". Destacou também na alínea "a" do inciso IV do artigo 3º que é direito da pessoa com TEA o acesso à educação e ao ensino profissionalizante. E, no parágrafo único do mesmo artigo, determinou que, em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, terá direito a um acompanhante especializado.

Importante enfatizar que o direito previsto no parágrafo único do artigo 3°, da Lei nº 12.764/2012, é uma garantia com a finalidade de assegurar a igualdade de condições para permanência na escola também prevista no inciso I do artigo 206 da Constituição Federal, reproduzido no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Desse modo, não se pode concebê-lo como taxativo, mas, sim, como garantia mínima para aqueles que não precisam de mais do que um professor especializado em educação inclusiva para se desenvolver.

Isso porque, como registrado, o autismo apresenta várias características que não se manifestam da mesma forma e intensidade nos indivíduos. Sendo assim, há indivíduos com autismo que não necessitam de qualquer apoio pedagógico, há os que precisam de um professor auxiliar, do mesmo modo que há aqueles que não detêm requisitos mínimos comportamentais para se manter na escola, os quais necessitarão, conforme prescrição médica, de um profissional especializado em terapia comportamental.

Quanto a isso, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Goiás, ao analisar reexame necessário em mandado de segurança impetrado por criança autista contra escola municipal, decidiu pela manutenção da sentença que assegurou ao menor impetrante o acompanhamento de terapeuta com formação específica em análise aplicada do comportamento (terapia comportamental) no período escolar, custeado pelo plano de saúde, por se tratar o direito à educação inclusiva uma garantia assegurada pela Constituição Federal (TJ-GO – Apelação / Reexame Necessário: 04298858320198090011, relator: desembargadora Amélia Martins de Araújo, data de julgamento: 19/5/2020, 1ª Câmara Cível, data de publicação: DJ de 19/5/2020).

Em que pese referida decisão judicial ter condenado uma escola pública a permitir o acesso de profissional especializado para garantir a terapia comportamental de um aluno com autismo, não há qualquer óbice para que esse direito se estenda ao aluno da escola privada, eis que o artigo 209, da Constituição Federal determina que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidas as condições de cumprimento das normas gerais da educação nacional (inciso I) e autorização e avaliação de qualidade pelo poder público (inciso II).

Mais, extrai-se da mesma decisão que, sendo o autismo equiparado a deficiência para todos os fins legais, é direito assegurado ao menor a educação inclusiva, por força da Constituição Federal, do ECA, da Lei de Diretrizes e Bases e, em especial, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que, no seu artigo 27, reforça dever ser assegurado à pessoa com deficiência um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado, bem como inclui a comunidade escolar dentre os responsáveis pela educação de qualidade à pessoa com deficiência.

Sendo assim, ao empreender nesse tipo de atividade alçada ao status de direito fundamental, as escolas particulares assumem as mesmas obrigações da rede pública no que se refere ao oferecimento da educação inclusiva, com as diversas ferramentas que devem ser postas ao público-alvo da educação especial.

E, somente para ilustrar, na grande maioria das escolas particulares, senão todas, é proibida a entrada de aluno acompanhado por animal de estimação, mas, sendo ele deficiente visual, a escola é obrigada a abrir essa exceção para o seu cão-guia, conforme previsão da Lei Federal nº 11.126/2005. Ademais, a propriedade de um cão-guia, infelizmente, não é para todos que dele necessitam em razão de seu alto custo, o que não retira o direito irrestrito de livre acesso aos lugares àqueles que o possuem.

Percebe-se, assim, a ingerência do legislador na esfera privada em prol de um direito maior, o da inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência.

Depois, ao legislador não cabe prever todas as situações da vida e, por essa razão, ao aprovar lei garantindo acompanhante especializado na escola, não quis ser taxativo quantos às ferramentas para se garantir a inclusão do aluno autista.

É lógico que a instituição de ensino particular não é obrigada a contratar um profissional terapeuta, até porque essa não é a sua finalidade social, mas não pode impedir que a família da criança com autismo indique e custeie a terapia no âmbito escolar, conforme prescrição médica.

Numa rápida digressão, é o médico quem define os procedimentos terapêuticos que o paciente necessita para a sua cura ou melhora do quadro de saúde, entendimento pacificado nos tribunais pátrios em demandas contra planos de saúde. Dessa forma, não cabe à escola privada, que tem o dever de assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, limitar a autonomia do profissional da medicina.

Tem-se assim que a Constituição Federal, ao responsabilizar a família, a sociedade e o Estado, em relação à educação, em nenhum momento excluiu a escola particular desse dever. Ao contrário, determinou que, ao empreender com a educação, a iniciativa privada deve se submeter às normas gerais de educação nacional e à autorização e avaliação de qualidade pelo poder público.

Por todo exposto, demonstra-se evidente que, mediante prescrição médica, deve a instituição privada de ensino receber o profissional indicado e custeado pela família da criança com autismo para realização das terapias comportamentais em sala de aula necessárias ao seu desenvolvimento, inclusão e permanência na escola.

 

Referências bibliográficas
American Psychiatric Association. (2013). DSM-5 Autism Spectrum Disorder Fact Sheet. American Psychiatric Publishing. http://www. dsm5.org/Documents/Autism%20Spectrum%20Disorder%20act%20Sheet.pdf.

Lovaas, O. I. (1987). Behavioral Treatment and Normal Educational and Intellectual Functioning in Young Autistic Children. Journal of Consulting & Clinical Psychology.

Organização Mundial de Saúde. (2013). Autism spectrum disorders & other developmental disorders: from raising awareness to building capacity. Meeting report, Geneva. Retrievedfromhttp://apps.who.int/iris/bitstre am/10665/103312/1/9789241506618_eng.pdf.

National Research Council (2001) Educating Children with Autism. Committee on Educational Interventions for Children with Autism. Catherine Lord and James P. McGee, eds. Division of Behavioral and Social Sciences and Education. Washington, D.C.: National Academy Press.

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