Opinião

A PEC da Reforma Administrativa e o compartilhamento de estrutura física

Autor

  • Fabio Paulo Reis de Santana

    é professor de cursos de pós-graduação doutorando em Direito pela PUC-SP presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB e procurador do município de São Paulo.

2 de abril de 2021, 9h11

Também conhecida como PEC da Reforma Administrativa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, atualmente em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados, sob a relatoria do deputado federal Darci de Matos (PSD), prevê no caput do artigo 37-A a possibilidade de os entes federativos firmarem instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.

E mais adiante, no parágrafo §2º, dispõe que até que seja editada a lei federal que disporá sobre normas gerais para a regulamentação de tais instrumentos de cooperação, os estados, o Distrito Federal e os municípios exercerão a competência legislativa plena sobre a matéria.

Assim, será a primeira vez em que a Constituição Federal passará a admitir a possibilidade de compartilhamento de estrutura física e de recursos humanos, inclusive de particulares, por órgãos e entidades da Administração Pública para a execução de serviços públicos.

Nesse sentido, aplicando-se conhecida técnica de interpretação das normas jurídicas, obtém-se a conclusão de que o artigo 37-A, caput, ao prever o mais admitindo o compartilhamento de recursos inclusive com particulares —, indubitavelmente permite o menos o compartilhamento de recursos entre órgãos e entidades públicas.

Atualmente, a Carta Magna prevê o compartilhamento apenas em quatro passagens: 1) de cadastros e informações fiscais dos contribuintes (artigos 37, XXII, e 146, §único, IV), de informações no Sistema Nacional de Cultura (artigo 216-A, IX), de capacidade instalada e de recursos humanos para fins de desenvolvimento científico e tecnológico, de projetos de pesquisa e de inovação (artigo 219-A).

Como visto, excetuando-se o campo do desenvolvimento científico-tecnológico, o compartilhamento na Administração Pública tem sido admitido, até então, na seara das informações disponíveis, e não em matéria de bens e de pessoal.

É importante destacar que o compartilhamento não se confunde com as noções amplamente difundidas de cessão, de locação ou de alienação de bens. Enquanto nessas últimas a posse (utilidade do bem) é transmitida com exclusividade ao destinatário; naquele, a posse é exercida simultaneamente tanto pelo proprietário quanto pelo destinatário do compartilhamento, de modo que ambos usufruem da utilidade do bem, sem que haja necessidade de condomínio ou de multipropriedade (artigo 1.358-C do Código Civil).

Da mesma maneira, o compartilhamento também não estava previsto para os consórcios públicos, dado que, como preconizam os artigos 241 da Constituição Federal e 1º, §1º, da Lei 11.107/05 (Lei dos Consórcios Públicos), a gestão associada de serviços públicos se dará mediante a constituição de uma associação pública ou de uma pessoa jurídica de direito privado específica para esse fim, para a qual poderá haver a transferência total ou parcial de pessoal e de bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Assim, a incorporação da noção de compartilhamento de recursos na gestão de bens públicos vem na esteira da necessidade de redução da despesa pública, da responsabilidade fiscal, da eficiência administrativa e da vedação à atividade de especulação imobiliária pelo Estado (princípio da subsidiariedade).

Em estudo técnico elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados para nortear os trabalhos da Comissão Especial da Economia Colaborativa, o consultor legislativo Iuri Gregório de Souza apresentou a seguinte definição para economia compartilhada: "Economia colaborativa ou economia compartilhada refere-se a uma mesma ideia: maximização do uso ou exploração de um bem ou recurso, de forma a aumentar os benefícios deles decorrentes, devido à diminuição do período de ociosidade do bem ou recurso (…)".

Pela definição proposta acima, à qual se adere, a ideia subjacente à economia colaborativa visa à máxima utilização do recurso disponível, a fim de minimizar o período de ociosidade do bem sob a propriedade de alguém, por meio da disponibilização do seu acesso a outras pessoas.

Com isso, o viés do compartilhamento busca deslocar a noção de propriedade do centro de gravidade da relação entre o homem e o recurso para jogar luzes sobre o seu uso, com vistas a potencializar o acesso ao bem pelo maior número possível de pessoas ou, no caso, de entes e entidades públicas.

Assim é porque um determinado bem consiste apenas em um meio para o atendimento de uma necessidade humana. Vale dizer, o recurso disponível não se afigura um fim em si mesmo da demanda, mas o caminho para se alcançar a solução do problema.

Portanto, a noção de propriedade pública caminha para deixar de ser condição sine qua non para a satisfação das demandas da vida em sociedade, abrindo espaço para o mero acesso ao recurso apenas e tão somente na medida da própria necessidade social.

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