Opinião

Aposentadoria especial dos servidores: tribunais seguem jurisprudência do STF

Autor

  • Paulo Liporaci

    é advogado sócio do escritório Liporaci Advogados especialista em Direito Público (com foco em Direito Constitucional Administrativo e Processual Civil) e parecerista.

1 de abril de 2021, 21h54

Após mais de 30 anos, o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos começou a ser efetivamente implementado pelos tribunais pátrios.

Em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou o Recurso Extraordinário nº 1.014.286/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 942), e resguardou explicitamente o direito dos servidores à contagem diferenciada do tempo contributivo para a concessão de benefícios previdenciários. A tese final sobre o tema fixada pelo Plenário do STF foi a seguinte:

"Até a edição da Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do §4º do artigo 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n° 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo artigo 40, §4º-C, da Constituição da República".

Como se observa, além do reconhecimento do direito à aposentadoria especial propriamente dita considerada quando o servidor alcança o período contributivo completo sob condições insalubres , o STF posicionou-se de forma conclusiva e definitiva sobre a possibilidade expressa de conversão do tempo laborado sob condições insalubres em tempo comum para fins de concessão dos benefícios previdenciários.

Por ter sido realizado em regime de repercussão geral que vincula todos os demais órgãos do Poder Judiciário , esse pronunciamento da Suprema Corte assentou o entendimento de que, desde a edição da Lei n° 8.112/90 (11.12.1990) até a promulgação da EC n° 103/2019 (12.11.2019), é devida a contagem diferenciada aos servidores que trabalharam sob condições nocivas à saúde.

Esse novo posicionamento do STF tem sido aceito e replicado por outros tribunais brasileiros, a exemplo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT), que, ao reformar sua jurisprudência, passou a possibilitar a conversão do tempo para permitir a concessão de aposentadoria a esses servidores. Confira-se:

"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. TRABALHO PRESTADO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO PARA TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 942. ADEQUAÇÃO.
 Ao apreciar o Tema 942, no julgamento do RE 1.014.286, submetido à sistemática da repercussão geral, o STF firmou a seguinte tese: Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do §4º do artigo 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n°º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo artigo 40, §4º-C, da Constituição da República". Adequação do acórdão, em juízo de retratação
(TRF-4, 4° Turma, AC n° 5006214-18.2016.4.04.7111, 4° Turma, relator desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJe de 11/03/2021, grifos do autor).

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. RESTABELECIMENTO DO ABONO PERMANÊNCIA. TRABALHO PRESTADO SOB CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À SAÚDE OU À INTEGRIDADE FÍSICA. artigo 40, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANUTENÇÃO DA CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. RE Nº 1.014.286. TEMA 942/STF. LABOR ESPECIAL EXERCIDO ANTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DA EC 103/2019. POSSIBILIDADE.
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A controvérsia cinge-se em verificar a (i)legalidade do ato administrativo que procedeu à desaverbação do tempo especial convertido em comum, reduziu o tempo total computado e, por via de consequência, suprimiu o abono permanência da remuneração dos servidores.
 A Administração arrima-se no entendimento do Plenário do TCU no Acórdão nº 683/2013, no sentido de que seria vedada a utilização de tempo especial convertido em comum para fins de concessão de benefícios no âmbito do regime próprio de previdência social, além da Súmula nº 245 da referida Corte.
 O STF, no julgamento do RE nº 1.014.286 (Tema 942), assentou de forma definitiva o posicionamento quanto ao tema em discussão, fixando a seguinte tese: Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do §4º do artigo 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n° 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo artigo 40, §4º-C, da Constituição da República.
 Considerando que o exercício do labor especial refere-se a interregno anterior à publicação da EC 103/2019, aplicável o artigo 57, §5º, da Lei nº 8.213/1991.
Reconhecida a regularidade da conversão do tempo especial em comum e do tempo total de serviço computado, fazem jus os demandantes ao restabelecimento do abono permanência" (TRF-4, 3° Turma, AC n° 5061631-57.2014.4.04.7100, relatora desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, DJe de 24/11/2020, grifos do autor)

"Servidor público. Tempo de serviço prestado em atividades insalubres. Aposentadoria. Conversão do tempo especial em comum. O STF, no julgamento do RE 1.014.286-RG, com repercussão geral reconhecida (tema 942), decidiu que, até o advento da EC 103/2019, admite-se a conversão, em tempo comum, do tempo de serviço prestado pelo servidor público em condições insalubres, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 enquanto não editada, pelo ente federado, lei complementar disciplinando a matéria. Apelação e reexame necessário não providos"(TJDFT, 6ª Turma Cível, Acórdão n° 1306843, APC n° 0024072-40.2014.8.07.0018, Relator Desembargador JAIR SOARES, PJe de 26/12/2020, grifo do autor).

Na linha dos julgados citados, todos os servidores públicos que exercem suas atividades sob condições insalubres fazem jus à aposentadoria especial e à contagem diferenciada de tempo de serviço e devem se beneficiar da regra constante do artigo 57 da Lei nº 8.213/91.

Como sabido, a lei citada garante aos servidores homens a aplicação do fator de conversão de 1,4 para o tempo de contribuição especial e, para as servidoras mulheres, o índice de 1,2.

A título ilustrativo, o homem que tenha exercido as atribuições do cargo público sob condições insalubres durante dez anos  antes da promulgação da EC n° 103/2019  poderá computar 14 anos para fins de concessão de aposentadoria comum.

A adoção desse novo entendimento pode gerar reflexos distintos para os servidores, que dependerão da situação específica e peculiar de cada um. Alguns dos casos mais comuns são:

1) Servidores que estão na ativa e que, com a conversão do tempo especial, passam a reunir os requisitos para se aposentar imediatamente;

2) Servidores que estão na ativa e que, com a conversão do tempo especial, terão que aguardar menos tempo para se aposentar;

3) Servidores que estão aposentados com proventos proporcionais e que, com a conversão do tempo especial, passam a fazer jus à integralização da aposentadoria; e

4) Servidores que se aposentaram com integralidade e paridade, mas que, com a conversão do tempo especial, poderiam ter se aposentado antes e fazem jus ao abono de permanência durante o período em que permaneceram trabalhando sem precisar.

Infelizmente, esse posicionamento do STF foi firmado em sede de repercussão geral, e não no âmbito do julgamento de ações do controle concentrado (por exemplo, ação direta de inconstitucionalidade) ou de aprovação de enunciado de súmula vinculante, de sorte que a Administração Pública ainda irá demorar para aplicá-lo espontaneamente.

Assim, para se beneficiarem dos efeitos positivos do novo julgamento da Suprema Corte, os servidores interessados deverão acionar o Poder Judiciário.

Contudo, em virtude da boa receptividade dos tribunais pátrios diante da nova jurisprudência do STF, as chances de êxito em demandas dessa natureza aumentaram exponencialmente em comparação aos anos anteriores, período em que essa tese era completamente rechaçada.

Se o passado desses servidores foi marcado pela injustiça em relação ao reconhecimento da valorização do seu trabalho insalubre, o futuro se apresenta propício à sua reparação.

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