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André Callegari: Primeiras linhas sobre o delito de stalking

Autor

  • André Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor nos cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) do IDP/Brasília e sócio do Callegari Advocacia Criminal.

1 de abril de 2021, 20h18

O presidente da República sancionou recentemente o novo crime de stalking ou, como podemos denominá-lo por aqui de crime de perseguição. Essa tipificação é importante porque em face da reserva legal e da intepretação restritiva dos tipos penais como segurança jurídica muitas condutas não tinham como se amoldar a um tipo penal previsto na legislação. Ficavam, em muitos casos, entre a importunação do sossego alheio e o delito de ameaça, porém, em diversos casos havia dificuldade do juízo de adequação típica.

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Assim, a alteração legislativa passa a criminalizar a seguinte conduta inserta agora no artigo 147-A, do CP:

"Artigo 147-A — Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".

Como mencionamos linhas acima, esta conduta, agora tipificada, em muitos casos não se enquadrava formalmente a um tipo penal como o de ameaça ou perturbação. É bem verdade que de acordo com a tipificação conferida pelo legislador os casos de perseguição serão alargados com a nova redação do tipo penal.

Como o legislador utilizou a palavra "qualquer meio" como instrumento da perseguição, isso englobará as mensagens, postagens em redes sociais, ligações telefônicas etc. Evidentemente que se trata de uma conduta que deve ser reiterada conforme o próprio tipo penal menciona. Aqui, talvez, já surja o primeiro problema: quantas mensagens, por exemplo, serão necessárias para a reiteração que se aperfeiçoe o tipo penal? Se o tipo fala em perseguição reiterada acreditamos que deva ocorrer uma sucessão de condutas por parte do autor, não havendo o crime quando as condutas forem isoladas, podendo remanescer o delito de ameaça se for o caso.

Também é necessário que em conjunto se analise a ameaça que a vítima sentiu, pois de acordo com o tipo penal é necessário que fique claro esse elemento que pode ser tanto uma ameaça física quanto uma ameaça psicológica. No caso da ameaça psicológica acreditamos que deve ficar demonstrado que a vítima de fato ficou abalada pela perseguição.

Quanto a restrição da capacidade de locomoção da vítima a própria ameaça psicológica pode fazer que isso ocorra, pois o temor da vítima de frequentar determinados lugares pode ser decorrência do mal prenunciado pelo autor do delito. Evidente que quando houver o cerceamento físico dessa capacidade de locomoção a prova e adequação típica serão de fácil constatação, porém, nos casos de ameaça psicológica essa adequação formal ao tipo requer determinados cuidados com a palavra isolada da vítima e sem um suporte probatório necessário.

De acordo com uma decisão proferida no Juizado de Instrução de Tudela (Navarra), não é suficiente a referência a que a conduta deva ser "insistente e reiterada", mas que se deve exigir a existência de uma estratégia sistemática de perseguição, integrada por diferentes ações dirigidas a lograr uma determinada finalidade que as vincule entre elas. O essencial no stalking seria para o autor a estratégia sistemática de perseguição, não as características em que esta se concretiza.

Também agora o legislador tipifica a perseguição quando, de qualquer forma, houver a perturbação da esfera de privacidade da vítima. É fato que em muitos casos isso já vinha ocorrendo com a publicação de fotos, mensagens, vídeos que a importunavam, principalmente quando havia ruptura de relacionamento. Assim, a nova modalidade típica deverá cobrir esses fatos até então atípicos.

O tipo penal deverá ser aplicado nos casos em que necessariamente se produzem condutas reiteradas pelas quais se diminui sensivelmente a liberdade e sentimento de segurança da vítima, à que se submete a perseguições ou vigilâncias constantes, chamadas reiteradas, ou outros atos contínuos de importunação.

Nesse sentido, o delito consiste em perseguir alguém praticando determinadas condutas de forma insistente e reiterada que alterem gravemente o desenvolvimento normal de sua vida quotidiana.

De acordo com uma decisão do Juizado de Instrução de Tudela 9 (Procedimiento, diligencias urgentes no 0000260/2016 Juzgado de Instrucción nº 3 de Tudela, Navarra ),  "as condutas de stalking afetam o processo de formação de vontade da vítima no sentido de que a sensação de temor e intranquilidade ou angústia que produz o repetido ato de espreitar por parte do perseguidor e que lhe levam a mudar seus hábitos, seus horários, seus lugares de passagem, seus números de telefone, contas de correio eletrônico e inclusive de lugar de residência e trabalho". De acordo com essa mesma decisão não basta que a vítima tenha um sentimento de temor, mas a conduta do perseguidor deve limitar a liberdade de atuar e exige que não se tratem de atos isolados, sendo necessária uma estratégia de perseguição. Assim, a conduta só terá relevância penal quando limitar a liberdade de atuação do sujeito passivo, não sendo puníveis o mero sentimento de temor ou moléstia.

Na decisão, o magistrado espanhol, faz interessante menção ao bem jurídico tutelado principal pelo delito de stalking que é a liberdade, mas que também podem ser afetados outros bens jurídicos como a honra, a integridade moral ou a intimidade, em função dos atos em que se concretize a perseguição.

No Brasil o tipo penal está inserto no capítulo dos crimes contra a liberdade individual, portanto acreditamos que esse seja o bem jurídico tutelado, mas estamos de acordo que indiretamente outros bens jurídicos do perseguido podem ser afetados.

Como o próprio título deste artigo refere, traçamos apenas algumas linhas introdutórias a esse novo delito tipificado no Código Penal, mas que se reveste de especial importância para coibir diversas formas de violência que não tinham respaldo em nosso ordenamento jurídico.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal, professor titular de Direito Penal no IDP/Brasília e sócio do escritório Callegari Advocacia Criminal.

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