Buscaremos aqui tratar de assunto que perpassa as três Seções de Julgamento do Carf, uma vez que constitui verdadeiro tema de processo administrativo fiscal: o erro no preenchimento da declaração de compensação (ou DCOMP, nos dias atuais) por parte dos contribuintes e a possibilidade de corrigi-lo no curso do processo administrativo.
No âmbito das Delegacias Regionais de Julgamento (DRJs), observamos dois tipos de decisão a esse respeito.
O primeiro deles é que eventual correção da declaração de compensação teria rito e tempo próprio, de modo que eventuais equívocos nas informações acerca da origem do crédito justificam a não homologação da compensação declarada. De outro lado, o segundo entendimento apresentado pelas DRJs é o não conhecimento da manifestação de inconformidade apresentada pelo sujeito passivo, sob o argumento de que compete à Delegacia da Receita Federal do Brasil da circunscrição fiscal do contribuinte analisar e decidir sobre pedido de cancelamento ou retificação de DCOMP, não tendo as instâncias de julgamento do processo administrativo fiscal (PAF) competência para tanto.
Diante dessas decisões, o Carf é instado a se manifestar, tendo em vista o que dispõem o artigo 74, §3º, incisos V e VI, da Lei nº 9.430/96 e os atos normativos[1] expedidos pela Receita Federal ao trazer critérios para retificação dos pedidos gerados a partir do Programa PER/DCOMP, quais sejam: tratar-se de inexatidões materiais no preenchimento do documento, cujo pedido de retificação ocorra perante a Receita Federal enquanto ainda pendente a decisão administrativa de análise do pedido.
Na 1ª Seção de Julgamento do Carf a temática tem sido consolidada em favor dos contribuintes [2].
Destacamos inicialmente o Acórdão nº 1301-003.599, de 22/11/2018, no qual se avaliou um dos erros cometidos pelos contribuintes que mais carregam o assunto à 1ª Seção do Carf: o PER/DCOMP indicava tratar-se de pagamento indevido de estimativa, mas, na realidade, o crédito se referia a saldo negativo de IRPJ/CSLL. Nesse julgamento, baseado no Parecer Normativo Cosit nº 8, de 2014 e tendo em vista o princípio da busca da verdade material, decidiu-se por afastar o óbice de retificação do PER/DCOMP apresentado pelas autoridades fiscais [3].
Esse também foi o entendimento da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) nos Acórdãos 9101-003.150 e 9101-002.903, de 5/10/2017 e 8/6/2017, respectivamente. Neste último, foi apresentado o histórico da problemática do direito creditório como pagamento indevido de estimativa mensal ou como saldo negativo, gerador da Súmula Carf nº 84, colocando-o como um dos argumentos para superar a eventual confusão dos contribuintes no momento da transmissão da DCOMP relativa a créditos desse jaez.
Recentemente, no Acórdão nº 9101-005.100, de 2 de setembro deste ano, a 1ª Turma da CSRF abonou que o racional decisório dos citados julgamentos deve ir para além dos casos de pagamento estimativa x saldo negativo de IRPJ/CSLL, julgando que também na hipótese daqueles autos, em que o contribuinte equivocou-se ao descrever o indébito proveniente de saldo negativo apurado em período anterior, deveria ser convalidada a possibilidade de retificação de declaração.
Foi confirmada, assim, a antiga jurisprudência da 1ª Seção do Conselho, como podemos ver no Acórdão nº 101-96.829, julgado em 27/6/2008, que diante de uma situação em que a contabilidade do contribuinte corroborava o erro (o crédito a compensar referia-se ao ano base 2001, e não 1998/1999 como constara por declaração de compensação), foi dado provimento ao recurso voluntário, reconhecendo a possibilidade de retificação da declaração no bojo do processo administrativo [4].
Já no âmbito da 2ª e, especialmente, da 3ª Seções de Julgamento, verificamos que o tema gera maiores controvérsias.
Existe uma primeira corrente de entendimento, bastante presente nas turmas extraordinárias, no sentido de não tomar conhecimento dos recursos dos contribuintes a respeito do tema, pois entendem a retificação da DCOMP tem rito próprio, alheio ao contencioso administrativo regido pelo Decreto 70.235/72 (e.g. Acórdão 3001-000.942, de 18/9/2019).
Igualmente negando o pleito dos contribuintes, porém sob outro argumento, aparece uma segunda corrente de julgados afirmando que a retificação das declarações de compensação equivaleria à inovação do pedido feito inicialmente pelo sujeito passivo, o que não se pode admitir, pois o pedido inicial da declaração delimita a lide a ser apreciada no processo administrativo (no Acórdão 2402-006.887, de 17/1/2019, faz-se inclusive uma analogia do PER/DCOMP com a petição inicial, frisando a função delimitadora desta na controvérsia levada ao Poder Judiciário). Assim, essa linha de entendimento aplica diretamente a restrição prevista nos atos normativos da Receita Federal, no sentido de só permitir a retificação de declaração "antes de decisão administrativa", sendo essa decisão percebida como o despacho decisório da autoridade fiscal [5], e não como a decisão dos órgãos judicantes do PAF (e.g. Acórdãos 3401-005.803, de 19/03/2019 e 3302-008.229, de 19/02/2020).
Constatamos, aqui, um descompasso em relação à jurisprudência da 1ª Seção, a qual coloca que as limitações das INs editadas pela Receita Federal não possuem amparo legal (e.g. Acórdão nº 140200.704, de 5/8/2011), de modo que a limitação temporal à retificação deve ser superada quando comprovada a inexatidão material em que se baseia a defesa do contribuinte (e.g. Acórdão nº 9101-003.150, de 05/10/2017). Fundamento desse raciocínio tem sido aquele apontado pelo Acórdão 9101-002.203, de 2/2/2016, nos seguintes dizeres:
"Um erro de preenchimento de DCOMP, que motivou uma primeira negativa por parte da administração tributária (DRF de origem), não pode gerar um impasse insuperável, uma situação em que a contribuinte não pode apresentar nova declaração, não pode retificar a declaração original, e nem pode ter o erro saneado no processo. Tal interpretação estabelece uma preclusão que inviabiliza a busca da verdade material pelo processo administrativo fiscal".
Embora em menor escala, podemos também encontrar acórdãos proferidos pela 2ª e pela 3ª Seções do Carf que, diferentemente dos anteriormente citados, avalizam a possibilidade de retificação e erros materiais constantes nas declarações de compensação no decorrer do processo administrativo.
Citamos como exemplo o Acórdão 3402-007.534, de 19/8/2020, no qual o erro descrito pelo contribuinte dizia respeito à data de arrecadação do Darf elencado como fundador do crédito. O voto condutor, nesse caso — partindo da ideia de que processo administrativo, pautado no Decreto 70.235/72, tem como fim assegurar que o crédito tributário seja cobrado de forma precisa e de acordo com a lei —, apresenta uma analogia da retificação do PER/DCOMP com a retificação de DCTF, uma vez que ambas configuram confissão de dívida, de modo que o equívoco do contribuinte em quaisquer delas, desde que cabalmente demonstrado pela documentação fiscal pertinente, deve ser avaliada pelos julgadores do PAF.
No Acórdão 2101-002.187, de 14/10/2013, foi lembrado que os processos analisados, iniciam-se eletronicamente, de forma que "se é defensável sob o ponto de vista da Administração Tributária o método sumário e eletrônico de reconhecimento do direito creditório constante do PER/DCOMP com base tão somente das inconsistências apresentadas nas declarações entregues pelo sujeito passivo, tal limitação não pode e não deve ser observada na análise manual que deve ser realizada sempre que houver a existência de erro de fato como é o caso aqui apreciado".
Esse julgamento foi corroborado pela 2ª Turma da CSRF no Acórdão 9202-005.356, de 25/4/2017, que manteve o entendimento sobre a possibilidade de retificação, destacando outrossim a necessidade de envio do processo de volta à autoridade fiscal de origem, para que ela analisasse os demais requisitos do crédito tributário [6].
Por fim, cumpre realçar a existência de precedente da 3ª Seção que, embora parta do pressuposto da possibilidade da retificação da declaração mesmo depois de proferido o despacho decisório, na análise da situação fática (equívoco sobre o Darf aprestado, buscando-se alterar o Darf relativo ao crédito pleiteado na DCOMP) descrita pelo contribuinte, entendeu que não se tratou de inexatidão material ( "mero erro de preenchimento” em seus dizeres), mas sim de informação de crédito diverso do apreciado pela autoridade fiscal. Por essa razão, negou provimento ao recurso voluntário (Acórdão 3402-007.531, de 19/08/2020).
Podemos perceber que o tema tem sido solucionado de formas diversas no Carf, especialmente na comparação entre os de precedentes da 1ª Seção em relação àqueles das 2ª e 3ª Seções. Enquanto essas, na maioria dos seus julgados, ficam adstritas às restrições impostas pelos atos normativos infralegais sobre o tema; aquela normalmente ultrapassa tais limitações, assumindo a possibilidade de retificação da declaração de compensação no decorrer do PAF. Pela análise dos precedentes igualmente fica evidenciada a importância da precisa situação fática em julgamento, vale dizer, de qual foi o erro cometido pelo contribuinte em sua declaração de compensação.
Parece interessante, assim, a apresentação de trabalhos abordando o tema de forma global, permitindo uma futura uniformização da jurisprudência administrativa, conforme preceitua o artigo 926 do CPC. O presente artigo se presta a ser o pontapé inicial nesse sentido, convidando aqueles que estudam a jurisprudência do Carf a colaborarem com maiores estudos sobre a matéria, tão importante nessa faixa nebulosa onde é necessário, de um lado, garantir o interesse público pela não apresentação de compensações indevidas, mas, de outro, não permitir que formalidades descompassadas com a lei firam o direito ao crédito que detêm os contribuintes.
Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
[1] Inicialmente pela Instrução Normativa SRF nº 460/2004 nos artigos 55 a 60; disciplina essa que foi sucedida pela IN 600/2005 nos artigos 56 a 61; depois posta na IN 900/2008 nos artigos 76 a 81; em seguida trazida pela IN nº 1.300/2012 nos artigos 87 a 92; e por fim na IN nº 1.717/2017 nos artigos 106 a 116.
[2] Em sentido contrário, ver o Acórdão nº 1003000.100, de 7/8/2018.
[3] Tal entendimento vem sendo sistematicamente adotado pelo Carf (vide Acórdãos nº 1401-004.180, 1003-001.357, 1301-004.266).
[4] Interessante notar o argumento do relator, no sentido de que vivemos num contexto em que cada vez mais é atribuída ao contribuinte a função de apresentar informações em declarações ao Fisco, as quais passam por modificação constante para ajustes que facilitem o controle informatizado da Receita Federal, sendo certo que tal situação favorece a ocorrência de eventuais erros.
[5] Esse entendimento veio expressamente posto no artigo 115 da IN nº 1.717/2017.
[6] Nesse mesmo sentido, sobre a necessidade de o processo ser devolvido à origem, ver Acórdão nº 1402-00.578.