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1ª Turma muda entendimento e mantém absolvição decidida por tribunal do júri

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29 de setembro de 2020, 21h15

A Constituição da República prevê a soberania dos veredictos de tribunal do júri. Por isso, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que não é possível ao Ministério Público recorrer de decisão do tribunal do júri que absolveu réu com base em quesito absolutório genérico. A decisão é desta terça-feira (29/9) e sinaliza mudança de entendimento da Turma. 

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Após deixar a presidência do STF, Toffoli passou a integrar a 1ª Turma, possibilitando alteração de entendimento do colegiado
Fellipe Sampaio/SCO/STF

A alteração se deve à nova composição do colegiado, em razão da saída do ministro Luiz Fux para a presidência da Corte e do ingresso do ministro Dias Toffoli na 1ª Turma.

A Turma cassou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que havia determinado ao tribunal do júri a realização de novo julgamento de um acusado de tentar matar a esposa. Segundo os autos, ele a matou com golpes de faca, quando a vítima saía de um culto religioso, por imaginar ter sido traído.

Por maioria de votos, o colegiado do STF aplicou seu novo entendimento sobre o princípio da soberania dos veredictos e concedeu pedido da Defensoria Pública de Minas formulado no Habeas Corpus.

O acusado, que confessou o crime, foi inicialmente absolvido pelo tribunal do júri. No entanto, o TJ-MG reformou a decisão por entender que ela era contrária ao conjunto probatório, determinando assim a realização de novo júri. O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão.

Na sessão desta terça-feira, o defensor público Flavio Aurélio Wandeck Filho sustentou a impossibilidade de recurso do Ministério Público contra decisão fundada em quesito absolutório genérico. De acordo com ele, o jurado decide por convicção íntima e não é possível saber as razões de decidir de cada integrante do júri, que, por proibição do Código de Processo Penal, não pode debater com os demais os motivos da absolvição.

Soberania dos veredictos
O relator do HC, ministro Marco Aurélio, votou pelo deferimento do pedido da Defensoria. Segundo ele, a Constituição Federal (artigo 5º, XXXVIII, alínea “c”) assegura a soberania dos veredictos. Ele lembrou que o julgamento pelo tribunal do júri é feito por iguais, por leigos, e que o CPP prevê que o conselho de sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. "Se os jurados absolvem, não há por que prosseguir nessa quesitação", entendeu.

Para o ministro Marco Aurélio, a decisão do júri não merecia censura, pois fora calcada na soberania dos veredictos, e o TJ não poderia desconsiderá-la ou assentar que só serviria a resposta negativa. Segundo o relator, a resposta positiva quanto à absolvição do acusado não fica condicionada à defesa ou aos elementos probatórios. Os ministros Dias Toffoli e Rosa Weber acompanharam o relator, salientando que a Constituição Federal prevê a soberania do júri tanto para condenação quanto para absolvição.

Legítima defesa da honra
Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que votaram pelo indeferimento do pedido com base em precedentes da Turma (RHC 170.559).

Os ministros entenderam que o caso diz respeito a um crime gravíssimo contra a mulher, em que o acusado considerou que a esposa lhe pertencia e que a morte dela lavaria a sua honra. "Até décadas atrás no Brasil, a legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os homens violentos que mataram suas namoradas e esposas, o que fez o país campeão de feminicídio", afirmou o ministro Alexandre de Moraes.

Para ele, embora a soberania dos veredictos seja uma garantia constitucional do tribunal do júri, há a possibilidade de um segundo julgamento pelo conselho de sentença, "aí sim, definitivo", no seio do qual se esgotaria a análise probatória.

O ministro salientou que o quesito genérico tem a finalidade de simplificar a votação dos jurados, reunindo as teses da defesa, e não para transformar o corpo de jurados "em um poder incontrastável, ilimitado, que não permita que outro conselho de sentença possa reanalisar" o caso. Por sua vez, o ministro Luís Roberto Barroso, ao acompanhar a divergência na sua integralidade, afirmou que deve haver uma prevenção geral, a fim de não naturalizar o feminicídio. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

HC 178.777

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