Opinião

A ética e a responsabilidade criminal dos gestores

Autor

  • Jair Jaloreto

    é advogado criminalista sócio fundador do escritório Jaloreto e Associados presidente da Lexnet — Law Firms Alliance e diretor financeiro do IBDEE.

29 de setembro de 2020, 6h35

A ética corporativa é muito mais abrangente do que a conformidade empresarial, muito mais importante do que "estar em compliance". A ética está muito acima disso.

Ética corporativa é o exercício da honestidade moral do profissional. Pressupõe-se que um profissional ético tenha condutas honestas e exemplares, sobretudo quando não estiver sendo vigiado e monitorado.

No árduo desafio de entender o ser humano e as suas idiossincrasias, nos deparamos com uma verdadeira banalização do mal. As "novas regras do jogo" corporativo muitas vezes levam o executivo, ou o empresário, a alargar por demais o seu conceito do que é correto, do que é ético, do que é moral.

Alguém já disse que o homem médio — e nessa condição estamos todos nós — aplica a ética de acordo com seus interesses. Sob a justificativa de que "os negócios têm de acontecer a qualquer custo", e de que "os fins justificam os meios", diversos mecanismos de cooptação antiética se fazem presentes no dia a dia de empresas e profissionais: a cobrança por resultados — muitas vezes inalcançáveis, os polpudos bônus e prêmios por desempenho, o status, a projeção social, o reconhecimento interno e no mercado — a velha e boa vaidade corporativa. Não faltam "motivos razoáveis" para que o motorista avance o sinal vermelho.

Assim, levando em consideração somente os seus interesses (legítimos ou não), e a sua concepção própria de moral, muitas vezes o profissional opta por fazer a coisa certa — para si próprio — mesmo sabendo que a opção não é a correta, sob o ponto de vista moral, ético e legal. Assume o risco, focando na recompensa. É a moral relativa, a ética de conveniência.

É verdade, grande parte dos profissionais e empresários já assimilou o conceito de que não existe jeito certo para fazer a coisa errada. A sociedade organizada promove, com louvor, movimentos de educação e conscientização. Muitas vezes, porém, isso não é o suficiente, pois sempre há quem prefira trafegar pelo acostamento. Aí entra a mão pesada do Estado, que impõe limites às condutas que vão um passo além do antiético.

O Estado organizado estabelece o que é ético e moralmente aceitável (legal) e o contrário (ilegal). Como o que verdadeiramente inibe o crime é a certeza da punição, e não sendo suficientes os castigos materiais, o legislador resolve, como ultima ratio, punir criminalmente o exagero do abuso ético e moral, e define como crime diversas condutas praticadas pelo gestor empresarial, pelo administrador, pelo empresário.

O artigo 13 do Código Penal Brasileiro estabelece que "o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa". Por ação ou omissão.

Em relação às condutas comissivas — ação — não há dúvidas — o resultado é atribuível a quem lhe deu causa. Se comprovadamente determinado gestor ordenou ou praticou ato ilícito, responde criminalmente pelo fato.

De outro lado, em condutas omissivas — omissão, em que poderíamos considerar a "teoria do domínio do fato", aplica-se o disposto parágrafo 2º do artigo 13 do CP. A frase chave é: é penalmente responsabilizado quem "devia e podia agir para evitar o resultado".

Assim, mesmo que determinado gestor de empresa (diretor estatutário, ou conselheiro de administração, por exemplo) não esteja no controle e no comando da operação considerada antiética/imoral/ilegal, este pode ser responsabilizado criminalmente, a depender da proximidade de suas atribuições e responsabilidades com o fato punível. Daí a conveniência da interpretação cruzada com a Lei nº 6.404/76.

O gestor é presumivelmente responsável pelos atos praticados pela sua administração. Todavia, caso a ação ou omissão em questão não seja de sua alçada de acordo com as atribuições, não há que se falar em responsabilidade criminal. Sem provas de sua participação, por ação ou omissão, nenhuma acusação prospera.

De outro lado, àquele que, assumindo o risco, ordena, pratica ou deliberadamente se omite diante da ilegalidade, resta a responsabilização criminal.

Na recente história de nosso país há vários exemplos de casos em que decisões empresariais ditas arrojadas, de cunho estratégico e meramente apenas "antiéticas", resultaram em operações espetaculares de polícias e órgãos públicos.

Sem consciência moral, surgiu a necessidade de "adestramento" do ser humano, com normas que preveem punições, caso contrário, como vimos anteriormente, o homem médio tende a não obedecer.

Dezenas, senão centenas, de executivos e dirigentes de grandes empresas ganharam espaço nas páginas policiais dos periódicos, da maneira mais indigna possível. Passaram a se preocupar, do dia para a noite, em justificar o injustificável. Para os agentes da lei. Para si próprios. Para suas famílias.

Grande parte desse adestramento forçado poderia ter sido evitado. Com uma boa dose de compliance e com muita ética.

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    é advogado criminalista, sócio fundador do escritório Jaloreto e Associados, presidente da Lexnet — Law Firms Alliance e diretor financeiro do IBDEE.

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