HC Supremo

Por excesso de prazo, revogada domiciliar de enfermeira acusada de fazer abortos

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29 de setembro de 2020, 20h36

Carlos Moura/SCO/STF
Relator do HC foi o ministro Marco Aurélio
Carlos Moura/STF

Mesmo se a ordem de prisão estiver bem fundamentada, o excesso de prazo configura constrangimento ilegal. Com esse entendimento, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal revogou, por unanimidade, na sessão desta terça-feira (29/9), a prisão domiciliar de uma profissional da área de enfermagem que responde pela prática de abortos. O Habeas Corpus foi impetrado contra decisão de ministro do Superior Tribunal de Justiça que havia negado pedido semelhante.

De acordo com autos, a mulher foi presa em flagrante em posse de diversos medicamentos abortivos, que seriam ministrados a duas gestantes hospedadas em um hotel de Belo Horizonte, à espera do procedimento a ser feito por ela.

A defesa argumentou que, por ser a única responsável por um filho com transtorno do espectro autista, dependente de cuidados constantes, a prisão, ainda que domiciliar, estaria inviabilizando sua assistência, em razão das medidas cautelares impostas concomitantemente: monitoração eletrônica, recolhimento domiciliar em período integral, proibição de se distanciar da residência em mais de 50 metros e de se ausentar da comarca sem autorização judicial e a entrega do passaporte.

"A defesa persistirá na luta pelo direito penal mínimo e pelo direito processual penal democrático, sempre com supedâneo constitucional, preconizando pelo regime de liberdades concebido pela Constituinte de 1988", disse o advogado André Dolabela, que fez a sustentação oral da defesa, também composta pelos advogados Guilherme Botelho MalaquiasSandro dos Reis Alves JuniorAndré Rachi Vartuli.

Excesso de prazo
O relator do HC, ministro Marco Aurélio, observou que a prisão preventiva por posse de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais falsificado, corrompido, adulterado ou alterado constitui fundamentação idônea, que indica estar em jogo a preservação da ordem pública.

O relator entendeu que a decretação da prisão cautelar está bem embasada e não ofende o princípio constitucional da não culpabilidade, mas considera ter ocorrido excesso de prazo, pois as medidas duram mais de nove meses sem que tenha sido iniciada a instrução criminal. Segundo ele, a manutenção das medidas por período indeterminado caracteriza constrangimento ilegal, pois resulta, em maior ou menor grau, na violação da liberdade de locomoção.

O ministro Alexandre de Moraes observou que, apesar da gravidade da acusação, o caso é extremamente sensível, pois a proibição de se locomover dificulta que a acusada, que demonstrou nos autos ser a única responsável pelo filho, lhe preste assistência de forma adequada. Para o ministro, o distanciamento dos fatos impedirá a retomada da suposta prática criminosa. Mesmo entendendo ser o caso de aplicação da Súmula 691 do STF — que prevê o não conhecimento de HC apresentado contra decisão monocrática do STJ —, ele votou pelo deferimento da ordem, em razão dos princípios constitucionais de proteção integral à criança e ao adolescente.

O ministro Roberto Barroso salientou que, além do excesso de prazo das cautelares, considera que a conduta imputada é atípica — ou seja, não configura crime. Para o ministro, a criminalização do aborto é um política pública ruim, que não reduz a prática e prejudica apenas mulheres mais pobres, sem condições de pagar por clínicas clandestinas. A ministra Rosa Weber ressalvou sua posição sobre a aplicação da Súmula 691 e acompanhou o relator, pois considera que a manutenção da mulher em regime de prisão impede que o filho autista tenha os cuidados necessários. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

HC 185.372

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