Opinião

Pela reforma tributária: avanço no caminho da simplificação e da racionalização

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25 de setembro de 2020, 7h04

Ainda sob os efeitos da pandemia e de toda a reflexão que a quarentena (quem dera tivessem sido "apenas" 40 dias…) nos tem trazido, muito se tem discutido e debatido em diversos campos dos costumes e do conhecimento sobre como será o Brasil e o mundo no já famoso "novo normal". Saúde, cultura, educação, turismo… tributação. Tributação?! Sim, tributação. Mesmo que ainda tenhamos centenas de mortes diárias em nosso país são intensas as lives, os webinars, os bate-papos (?!) a respeito da já mítica reforma tributária. E o que não faltam são posições apaixonadas a seu respeito, sobretudo quando se fala do seu timing: seja para defender a necessidade imediata de avanço das propostas mais adiantadas (PECs 45 e 110, CBS), seja para atacar essa "pressa", diante da pandêmica conjuntura.

Bom, seja como for, ainda que menos apaixonada (a paixão pode cegar), aqui também será proposta uma posição. Então, vamos lá.

De início, lembre-se a evidência de que quase toda regra comporta suas exceções. Porém, no universo do Direito Tributário, essas são raras quando se fala da necessidade de reforma. Claro que cada um tem o seu conceito do que seja "reformar", mas é improvável encontrar um tributarista que não defenda a necessidade de algum ajuste relevante em nosso "manicômico" (licença poética) sistema.

Pois então: é nessa linha que se segue aqui também. Não é factível para este amante da área tributária defender um sistema que se tornou, com o passar das décadas, complexo, obscuro e obsoleto. Inclusive, afronta a sua (limitada) inteligência concordar com aqueles que entendem precisar o mesmo de poucos ajustes, não havendo razão para se "matar a vaca para acabar com os carrapatos". Sério?! Será então que os derivados do leite gerados por essa simpática bovina são de tamanha qualidade que estamos tão próximos assim de um saboroso queijo gruyère, bastando uma pinça para extrair um ou outro aracnídeo e partir para fondue? Estão todos os órgãos e entidades internacionais que estudam a complexidade tributária e o seu fomento (ou não) ao ambiente de negócios equivocados em seus rankings, ao classificar o Brasil constantemente na zona de rebaixamento mundial?

Sejamos realistas: podem sim estar todos errados, mas é improvável. Portanto, o primeiro passo para se resolver qualquer mazela é identificá-la e encará-la de frente, sem ilusões ou vaidades: que a vaca siga viva, mas que se reconheça a necessidade urgente de ajudá-la a se tratar, ante a (notória) infestação de carrapatos.

Pronto. Vaquinha devidamente amparada, são certas a necessidade e a urgência em se reformar o sistema tributário nacional. E não é só para hoje não: é para ontem e, sobretudo, para amanhã. Para a "era pós-pandemia" que bate à porta, o que já exige dos governos centrais trabalho de base firme na captação de recursos, fomentando a retomada e o crescimento de suas economias nacionais. Assim sendo, para vender o "produto Brasil" é preciso agora simplificar e racionalizar nosso modelo de tributação, tornando-o mais competitivo e atraente aos capitais interno e externo, bem como aos investimentos internacionais.

Dito isso, se não se têm dúvidas quanto à necessidade da caminhada, a questão passa a ser quais e quantos passos se deve dar neste momento.

Resposta: todos os possíveis e prudentes em direção à simplificação e à racionalização, reconhecendo-se que a hora, mais que (quase) nunca, é esta: relativa favorabilidade política; absolutas necessidades social, econômica e jurídica.

Então, vamos adiante, em dois robustos e seguros movimentos.

Primeiro passo: simplificar (leia-se: aperfeiçoar a forma).

É essencial reduzir de maneira dramática o excesso de obrigações acessórias presentes no sistema tributário brasileiro. Se isso se dará com a criação de novo tributo que "aglutinará" outros (CBS?, IBS?, IVA?) ou com a modernização dos já existentes, parece ser menos relevante do que o propósito em si.

Ora, é intolerável passar por um período como o atual, no qual o presente e o futuro se impõem, e perder o bonde da história para, ao menos, deixar de extinguir redundâncias e trabalhar o fomento à maior confiança tributária. O Brasil já está entre os países com tecnologia da informação mais avançadas em termos de controle fazendário, sem contar que a grande maioria dos pagadores de tributos é composta por contribuintes de boa-fé. Para avançar, é essencial unir essas duas premissas, simplificando a vida do bom contribuinte e combatendo, sobretudo com tecnologia e inteligência, o mau pagador.

Portanto, nessa direção da simplificação, o Projeto de Lei nº 3.887/20 — que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — pode ser um bom caminho. Evidente que alguns (importantes) ajustes conceituais devem ser feitos, além de se aprofundar o debate sobre a alíquota aparentemente excessiva de 12% que nele está prevista. De toda forma, se a prometida redução das obrigações acessórias em 80% (em comparação aos atuais PIS/Cofins) for um fato, já terá sido uma relevante conquista tanto pela simplificação do sistema, quanto pela sua racionalização, no caminho da criação, enfim, de um IVA Dual.

Aliás, segundo passo: racionalizar (leia-se: modernizar o conteúdo).

Já pegando o gancho acima da implementação de um IVA Dual, se é evidente a necessidade de minimizar o cumprimento de obrigações acessórias, também o é a de modernizar o quase sexagenário sistema tributário brasileiro. É claro que, ao longo desse período, "reformas" foram feitas. Porém, é notório que a maioria das mesmas trouxe mais complexidade ao conjunto do que racionalização. Basta trabalhar na área de compliance tributário de qualquer empresa de médio ou grande porte para se constatar essa evidência.

Nesse contexto, as duas principais propostas de reforma tributária — Propostas de Emenda Constitucional nº 45/19 (Câmara) e nº 110/19 (Senado) — já vinham sendo debatidas há tempos dentro e fora do Congresso. Ainda que tenham vindo a pandemia e com ela a alteração de parcela considerável das necessidades socioeconômicas, no âmbito tributário muitas dessas não apenas se mantiveram como, aqui se crê, foram até potencializadas. E isso, em especial quando se trata de tributação sobre o consumo: a já dita simplificação, além da racionalização, fundada na busca pela transparência e pela neutralidade. Para reorganizar a vida do combalido contribuinte brasileiro e atrair capital e investimentos estrangeiros, é essencial que nosso sistema caminhe em direção a esses pilares, presentes como premissas nas PECs em questão, em especial a nº 45/19. Sem falar de questões socioeconômicas ainda mais profundas, como deixar claro ao consumidor ("contribuinte de fato") o quanto ele realmente paga de tributos nos pacotes de arroz e de feijão ou no iate estacionado na marina.

De toda sorte, tem-se ciência aqui de que mudanças estruturais — como as que viriam a ser impostas com a aprovação de uma dessas propostas (ou da sua combinação) — não deveriam ser implementadas em momentos de crise como o que ainda vivemos. Em um mundo ideal, 99% de acordo. No entanto, o 1% restante se baseia no fato de que, quando se fala da simplificação e da modernização do Sistema Tributário Nacional, essa verdade não pode se impor a outra: a de que, se essas medidas ficarem para depois, não vão (de novo) acontecer. Basta olhar pelo retrovisor e enxergar quantos projetos nesses dois sentidos não emplacaram ao longo das décadas, quase sempre tendo esbarrado no sofistico debate sobre o peculiar federalismo brasileiro. O resultado, nós conhecemos. A História ensina.

Aliás, aproveitando essa carona com o passado, em termos de tentativa de (real) reforma tributária, basicamente o que a impediu em outros momentos teve a ver com embates políticos entre os entes, por supostas violações ao pacto federativo. Atualmente, mencionadas PECs correm o mesmo risco (em especial, de novo, a nº 45/19).

Não se vai aqui aprofundar o mérito sobre a concordância (ou não) com essa alegada afronta — limitando-se a afirmar que "não", ante a preservação de autonomia financeira dos referidos entes que as propostas trazem —, mas, partindo da premissa de que os aspectos ligados ao federalismo levaram ao insucesso de tentativas passadas de reforma, a hora é sim de ir na direção de um IVA Dual. Para tanto, temos o já dito PL nº 3.887/20 — que, mais bem debatido e aperfeiçoado, poderia ser um IVA Federal — e a PEC nº 45/19, que neste momento se limitaria a Estados e municípios, em verdadeiro IVA Estadual/ Municipal. Aliás, ainda quanto a essa PEC, por mais que não se trate da unificação incialmente pretendida (IVA Nacional), certamente sua adoção seria um avanço pela modernização da tributação do consumo.

Por sua vez, que se deixe claro que o que ora se defende, em termos de racionalização do sistema tributário, é ir avante em relação ao que já fora consideravelmente debatido no período pré pandemia, tanto na academia, quanto no Congresso Nacional. E que assim se manteve nos últimos meses, em muitas oportunidades já com os devidos ajustes às novas necessidades que a realidade nos impôs. Logo, não se sustenta aqui a aplicação, por exemplo, de impostos "digitais", ou "específicos sobre empresas de tecnologia", ou "sobre transações financeiras", ou "sobre grandes fortunas", ou, ainda, de "maior progressividade sobre o patrimônio e a renda", dentre outros pontos. Não que algum ou alguns desses não possam ser implementados no futuro, ainda que com as devidas adaptações aos novos tempos. Porém, todos devem ser mais bem debatidos, analisando seus impactos no sistema de tributação e, sobretudo, no orçamento público. O que ainda não aconteceu. Esse é o ponto.

Seja como for — e feita essa devida ressalva —, fato é que, em mais uma lição do passado, é fundamental que se pare de "correr para não chegar", defendendo que a reestruturação do nosso sistema só serve se for total, abrangendo não só consumo, mas também renda, patrimônio, capital, novas tecnologias… No melhor estilo "tudo ou nada". Ora, por mais que aqui também se concorde que essa reorganização ampla seria a ideal, mais uma vez se lembra que o caminho deve ser o do avanço. Ainda mais diante do presente turbulento e do futuro incerto que a pandemia trouxe a todos os países. Quem não se mexer, ficará para trás. E no caso do Brasil, que, no âmbito tributário, já estava (e está) perto da lanterninha, a mudança se faz ainda mais urgente.

Então, vamos adiante, em defesa incondicional do aperfeiçoamento urgente e imediato do nosso sistema de tributação. Avanço pela simplificação. Avanço pela racionalização. Ambos possíveis e necessários, tanto pelo debate anterior à pandemia, quanto pelo presente e pelo futuro que a mesma vem traçando.

O único caminho é adiante. Avanço, avanço e avanço.

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