Opinião

Deliberação do STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade

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25 de setembro de 2020, 18h23

Precisamos urgentemente entender a diferença entre "texto" e "norma". Texto é significante. Norma é significado. Como assim? Darei um exemplo. Todos nós sabemos o significado do número três. Todavia, existem vários significantes para ele: "3", "III" (algarismo romano), "2 + 1", etc.

A lei é texto. Ela é, sem dúvida, extremamente importante como um ponto de partida do qual não se pode fugir, mas continua sendo significante, e não significado. Cabe ao juiz interpretar o texto (lei), transformando-o em norma (significado do texto). Compreender que há uma "dose de criatividade" na função do juiz-Estado é fundamental. Assim entende João Mauricio Adeodato (UFPE), Humberto Ávila (USP), Marcelo Neves (UnB), Daniel Mitidiero (UFRGS), Luiz Guilherme Marinoni (UFPR), etc.

A força vinculante dos precedentes (artigos 926 e 927 do CPC/15), que está diretamente alinhada à produção de normas (rationes decidendis) pelo Judiciário, não visa ao agigantamento dos magistrados. Muito pelo contrário! O stare decisis protege o cidadão de um Judiciário anti-isonômico, imprevisível e ineficiente, "forçando-o" a julgar casos idênticos da mesma forma (treat like cases alike).

Todavia, o conceito (próprio) de precedente não é o mesmo de "decisão anterior que versa sobre caso semelhante". Precedente é a razão de decidir daquele julgado anterior. É a norma (significado) que se extrai dele. É a ratio decidendi. Deve-se ignorar, portanto, os "argumentos de passagem" (obiter dictum) da decisão para depreender uma norma jurídica. Essa norma não estará meramente na fundamentação daquele julgado, sendo também moldada e esclarecida nos casos posteriores.

Por que, então, o Supremo Tribunal Federal, em decisões em sede de controle abstrato de constitucionalidade, continua julgando apenas a (in)constitucionalidade do texto legal, sem definir, na verdade, qual é a ratio decidendi vencedora?

Tendo em vista que a decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado é precedente vinculante (artigo 927, I, CPC), deveria-se discutir ali a razão de decidir vencedora, e não estabelecer um mero "placar" pela (in)constitucionalidade do texto legal. O que se vê, na prática, é que, não raro, os ministros "vencedores", apesar de formarem maioria, fundamentam seus votos em motivos completamente distintos. Dessa forma, tem-se uma decisão acerca da constitucionalidade do texto, mas não há uma ratio decidendi (norma/significado) clara.

É com base na universalização de "razões de decidir" que se forma um verdadeiro sistema de precedentes. Tendo em vista o caráter vinculante das decisões tomadas pela Suprema Corte em sede de controle abstrato de constitucionalidade, parece conveniente (e necessária!) uma busca por maior clareza sobre a razão de decidir vencedora no órgão plenário da Corte.

Algo próximo ocorre nas decisões em sede de controle incidental de constitucionalidade, ao serem elaboradas as teses jurídicas firmadas em sede repercussão geral. Entretanto, no que se refere aos julgamentos das ações de controle concentrado, há a mera construção de um "placar" que declara a (in)constitucionalidade do texto.

Como toda fonte do Direito, a norma do precedente deve ser cristalina; de clareza solar. Para que possamos gozar da eficiência, da racionalidade e da previsibilidade que um sistema de precedentes traz consigo, devemos adequar o Direito brasileiro às necessidades que ele nos impõe, como: consagração das cortes de vértice como tribunais capazes de afirmar em decisão final o Direito; ampla publicidade das decisões (principalmente de suas fundamentações); rigorosas sanções à litigância de má-fé; etc.

Não deveríamos, então, repensar o modelo de deliberação do plenário do STF no exercício do controle abstrato de constitucionalidade?

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