Opinião

Sobre a ética judicial aplicada

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24 de setembro de 2020, 6h35

Dependendo do viés ideológico do julgador, o processo será julgado estritamente de acordo com o direito posto, sem análise das consequências daquela decisão para os jurisdicionados, seja de forma direta ou mesmo indireta.

Essa "loteria" jurídica da distribuição dos processos não pode pautar a dignidade humana dos jurisdicionados, pois isso afeta a ética judicial.

Por óbvio, há teses para todos os gostos, as contrárias se firmam principalmente na segurança jurídica e na previsibilidade do Direito positivado como preservação do estado democrático de direito.

Porquanto, não estamos a defender uma ruptura com o Estado de Direito, mas, sim, uma conformação e uma adequação necessária para uma convivência harmônica, visto que o fim precípuo da convivência social é o bem estar do todo, viver dignamente, impedir o consequencialismo egoísta, a pacificação social e, principalmente, que ninguém lese ninguém.

Para tanto precisamos entender que ética é a conduta baseada em uma reflexão prévia, para decisão individual de aplicabilidade, com base em um código de hábitos que reflete as ações de livre arbítrio (autodeterminação) rotineiras e individuais do ser humano, em sociedade, e que se preocupa com a prudência, com o certo e o errado, com o justo e o injusto, ou seja, é uma reflexão acerca da ação e seus impactos na sociedade ou em outro indivíduo (responsabilidade), é um juízo de valor, uma reflexão crítica e virtuosa em busca do bem e da felicidade (Aragão & Moog, 2020).

O consequencialismo é uma doutrina do âmbito da filosofia moral e da ética que afirma que o valor moral de um ato é determinado exclusivamente por suas consequências. Sua visão é que não se deve preocupar com as ações e seus valores no passado, tendo em vista que nada se pode fazer a respeito do que já passou, mas que deve-se, antes, buscar olhar para frente, para o futuro, tomando como motivação a escolha de ações que maximizem suas boas consequências e que reduzam ao máximo suas más consequências. Seu principal representante na filosofia moral e na ética é, certamente, o utilitarismo, de modo a tornar-se um paradigma do consequencialismo (Schmaelter, 2020).

Destaque-se que o conceito de ética da convicção se pauta em três princípios fundamentais: a ação é incitada pelos sentimentos e por um ideal; a ação não considera as consequências e, a ação inspira uma crença inabalável nos seus fins. Sua máxima é: tudo ou nada. O indivíduo que faz uso da ética da convicção age de acordo com o que acredita ser o seu dever, independentemente, dos efeitos que os atos possam gerar. Não se analisa o resultado esperado que a ação possa causar. Diferentemente, a ética da responsabilidade avalia os meios mais apropriados para se atingir os fins almejados, analisando suas possibilidades de êxito. As ações têm consciência de sua responsabilidade para com a coletividade, assim como das implicações que os objetivos desejados podem acarretar. Sua máxima consiste em afirmar: somos responsáveis por aquilo que fazemos (Correa, 2016 como citado por Aragão & Moog, 2020).

A diferença entre rigor e rigidez nos faz refletir acerca da ética da convicção (agir com rigidez de convicções pessoais) e da ética da responsabilidade (agir com rigor refletindo sobre os efeitos esperados), é um conflito constante entre consciência e interesse, sendo que agir com responsabilidade é ponderar interesses e agir com convicção é fazer um juízo de valor pessoal (Aragão & Moog, 2020).

A análise econômica do Direito em sentido estrito seria, portanto, uma teoria orientada pela eficiência econômica lastreada no Ótimo de Pareto. Nesse sentido, a interpretação do Direito deveria buscar a eficiência econômica típica dos neoclássicos, ainda que isso, metodologicamente, esteja em colisão com as características tipicamente valorativas de algum direito concretamente referido (se pensarmos naqueles que defendem a transposição direta daquele método a outros países, incluindo os que possuem uma ordem econômica constitucional positivada, como o Brasil).

Em termos mais simples, a análise econômica do Direito — em seu sentido mais tradicional — prega a utilização de técnicas de estudo das consequências econômicas das decisões jurídicas, sempre em termos de eficiência alocativa. O próprio fundamento do direito seria a economia em seu viés neoclássico, tendo como pressuposto a não intervenção estatal (sempre mais defendida do que adotada, já o sabemos) e a eleição da previsibilidade dos mercados como algo superior a outros argumentos (como os fundamentos e garantias constitucionais). Trata-se, portanto, de uma teoria normativa, ou seja, comprometida em afirmar como deve ser a aplicação do Direito (Andrade, 2020).

Ética judicial representa uma forma específica e integrada da ética geral e o Poder Judiciário tem a missão precípua de garantir o respeito dos direitos humanos pelos poderes constituídos e pelos particulares, maior razão se tem para estabelecer, nesse primado da dignidade da pessoa humana, o fundamento maior da ética judicial.

Tem-se, então, como fundamento da ética judicial a dignidade da pessoa humana, por meio do respeito integral aos direitos humanos. Desse fundamento supremo da ética judicial desdobram-se vários princípios que conformam e concretizam a dignidade da pessoa humana. São os denominados princípios éticos ou virtudes judiciais, os quais possuem dupla função, pois, além de constituírem normas axiológicas com objetivo de impor padrões de condutas sociais, também visam à proteção da própria dignidade da pessoa humana (Bezerra, 2010).

Após conceituarmos consequencialismo, ética da responsabilidade, análise econômica do Direito e ética judicial, podemos chegar a conclusão que a interpretação do Direito não pode perseguir um consequencialismo egoísta, ou seja, que o resultado seja o melhor para apenas o agente que o persegue, em total inobservância dos interesses do todo, da felicidade social e do bem estar social.

Nos anais de jurisprudência de nossos tribunais federais, especializados e estaduais, verificam-se decisões em favor de uma das partes e total prejuízo de empresas levando-as a bancarrota e, consequentemente, ao fechamento de postos de trabalhos, do pagamento de tributos e de repartição das receitas obtidas por meio da atividade empresarial e repartidas por meio de salários, tributos e aquisição de insumos.

Não estamos defendendo o empresário leviano, descuidado ou incompetente, mas, sim, que a interpretação do Direito, por mais que vivamos sob Estado democrático de Direito e de que o Direito positivado deva ser aplicado como forma de segurança jurídica, previsibilidade e preservação da paz social, sua interpretação deve alcançar aos fins sociais de sua eleição como uma lei justa, boa, firme e valiosa para a convivência em sociedade, pois viver dignamente significa ter acesso ao mínimo existencial, desde que esse mínimo não leve os jurisdicionados a condição de miserabilidade.

A falta para muitos e o excesso para poucos é modelo clássico de injusto, embora não seja de injustiça, pois a decisão que concede o excesso a uma parte pode ser moralmente justa, mas eticamente injusta. Porquanto, os conceitos de justo e de justiça não são equivalentes, posto que um se vale da ética e outro da moral, mas a diferença entre rigidez e rigor pode ser a saída do judiciário para interpretar o direito com base na consequência de suas decisões no direito do todo, para se afastar do consequencialismo egoísta, adentrando na análise dos efeitos econômicos e sociais de sua decisão e sua interferência na qualidade de vida digna dos jurisdicionados, no bem estar e felicidade social daqueles que foram ou não partes do processo sentenciado, mas que sofrerão direta ou indiretamente seus efeitos, isso é ética judicial aplicada!

Referências bibliográficas
ANDRADE, José Maria Arruda de. A importância da análise econômica do Direito,  disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mai-31/importancia-analise-economica-direito acesso em 20/09/2020)

ARAGÃO, Luciano e MOOG, Luciana Plentz Soares de. Ética da convicção e ética da responsabilidade e sua aplicação nas decisões judiciais; In Revista Latinoamérica Derecho en Exposición, no Prelo.

BEZERRA, Fabio Luiz de Oliveira.  Ética judicial: A dignidade da pessoa humana e os valores da verdade, justiça e amor, disponível em  https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198685/000888832.pdf?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=Como%20a%20%C3%A9tica%20judicial%20representa,pessoa%20humana%2C%20o%20fundamento%20maior, acesso em 20/09/2020.

CORRÊA, Rosália do Socorro da Silva.  O limite da ètica da Convicção e a ética da responsabilidade no desempenho policial militar. In Perspectivas, São Paulo, v.47p.162. jan./jun.2016. Disponível em https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/viewFile/5795/7001. Acesso em: 13 mar. 2020 apud ARAGÃO, Luciano e MOOG, Luciana Plentz Soares de. Ética da convicção e ética da responsabilidade e sua aplicação nas decisões judiciais; In Revista Latinoamérica Derecho en Exposición, no Prelo.

SCHMELTER, Matheus Maia. https://www.infoescola.com/filosofia/consequencialismo/  acesso em 20/09/2020)

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