Opinião

Qual cofre precisa ser protegido? O Recurso extraordinário nº 574.706

Autor

  • Juarez Casagrande

    é advogado professor escritor pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília pós-graduado em metodologia do ensino superior pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Paranaense pós-graduando em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte sócio-diretor do escritório Juarez Casagrande Advogados e autor de artigos diversos publicados pela Revista dos Tribunais em especial artigo na revista vol. 920 de aniversário de 100 anos da editora.

24 de setembro de 2020, 11h35

Em poucas linhas, pretendemos despertar grandes interesses. E tudo parte do tão comentado julgamento do Recurso Extraordinário no STF de nº 574.706 em 15/3/2017, em repercussão geral, que tratou sobre a possibilidade de exclusão do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviço) da base de cálculo do PIS e da Cofins, e foi favorável aos contribuintes quando fixou tese de que "o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins".

Em que pese a União constantemente mencionar que a tese vai gerar milhões em prejuízo aos cofres públicos, é importante lembrarmos que ela já causou no caixa dos contribuintes um prejuízo presumido de bilhões de reais, eis que a maioria das empresas de pequeno e médio porte sequer discutiram tal ilegalidade, e mais, a União por mais de 20 anos vem cobrando o PIS e a Cofins sobre uma base ilegal e inconstitucional quando mantém o ICMS na base de cálculo.

E mais, temos que alguns poucos contribuintes ajuizaram suas demandas antes de 9/6/2005, quando era possível pleitear a restituição de dez anos da data do ajuizamento, o direito à restituição ou à declaração de compensação, porém, aqueles que ajuizaram após essa data, ou seja, a partir da Lei Complementar nº 118/2005, somente poderão pleitear cinco anos, o que reforça ainda mais que os prejuízos nos cofres da União serão bem menor que no caixa das empresas — aliás, trata-se de verdadeiro enriquecimento sem justa causa por parte da União e isso afirmamos não somente nessa discussão, mas em todos os tributos tidos como inconstitucionais e que são cobrados por anos até serem declarados inconstitucionais.

E o princípio da moralidade pública, nesse caso, parece ser frontalmente violado.

Importante destacar que, segundo levantamento, existem 25 mil ações [1] ajuizadas sobre o tema da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Por outro lado, atualmente no Brasil existem mais de 19 milhões de empresas com CNPJ criado junto à Receita Federal do Brasil, em todos os setores, segundo consta no site do DataSebrae. [2]

São mais de dois milhões de empresas de médio, pequeno e de grande porte, e por certo essas empresas foram tributadas com a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

Então, é nítido que o prejuízo a ser protegido pelo Supremo Tribunal Federal não é nos cofres da União, mas, sim, no caixa dos contribuintes e aos próprios contribuintes, daí porque não se pode admitir alteração no julgado em razão de grave prejuízo econômico, como tem buscado e anunciado a União.

A Receita Federal do Brasil, conhecendo esses números (cerca de 25 mil ações ajuizadas versus dois milhões de empresas), contrariando o entendimento já perfilhado pelo STF, manifestou o seu entendimento emitindo a Solução de Consulta Interna Cosit 13, de 18/10/2018, e o fez porque pode fazer, inclusive porque o julgamento do nº 574.706 em 15/3/2017 somente está inserido no instituto da repercussão geral, e não como súmula vinculante, essa última, sim, vincularia a Administração Pública direta e indireta a observar a decisão do STF, mas a repercussão geral somente vincula os tribunais, que podem divergir no futuro e reacender a questão, de fundamentadamente e seguindo os ritos que o Código de Processo Civil estabeleceu.

Temos que a RFB mais uma vez está protegendo os cofres, mas como sempre os dela.

Se atentarmos para o princípio da moralidade pública (artigo 37, CRFB/1988), que deve ser levado à risca pela Administração Pública, a mesma deveria, se assim seguisse a moralidade, devolver o que cobrou indevidamente, sem maiores delongas, e reconhecer o mais rápido possível a decisão, e não tentar levar a discussão adiante, ao passo que isso só tem aumentado o impacto nos cofres da União e no caixa dos contribuintes.

No entanto, busca diminuir o valor a ser restituído aos contribuintes com tese atravessada diante do STF, pela via dos embargos de declaração.

Sim, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional opôs embargos de declaração em 31/10/2017 e requereu a integração do acórdão para sanar obscuridade quanto ao critério de cálculo da parcela do ICMS passível de ser excluída das bases de cálculo do PIS e da Cofins (ICMS "a pagar" x ICMS "destacado") e a modulação dos efeitos do decisum para que este somente produza efeitos gerais a partir da data do julgamento de seus declaratórios, em função do suposto impacto econômico do julgado.

O fundamento jurídico utilizado é que o artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, o qual prediz que o imposto seria "não-cumulativo", compensando-se o que fosse devido em cada operação relativa a circulação de mercadorias ou prestação.

Após essa decisão com efeitos erga omnes (com efeito para todas as empresas), a União também busca alterar os efeitos (alcance) do julgado, a fim de que somente as empresas que entraram com as ações até a data de 15/3/2017 sejam beneficiadas com a decisão, ou, não sendo o caso, que não deveriam ser restituídos esses valores, devido ao fato da ausência de verba para a grande restituição que deverão realizar para as empresas prejudicadas, entre outros. Também buscam que o ICMS a ser restituído serja apenas o efetivamente recolhido, e não o que consta na nota fiscal.

O julgamento desses embargos ainda está pendente de análise desde 2017, pela dificuldade da matéria, além das interrupções judiciais em razão da pandemia da Covid-19.

No entanto, como já relatado, o mérito da questão está resolvido, ou seja, "o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins", não cabendo mais a União cobrar o ICMS sobre a base de cálculo de outras contribuições, inclusive.

Chama-se a atenção do leitor que a ilegalidade na forma de cobrar o PIS e a Cofins já se alastrou de forma silenciosa a outras bases, a exemplo da cobrança nas faturas de energia elétrica, em que sobre o valor dos serviços está a cobrança do PIS e da Cofins arrecadados pela concessionária e repassados para a União, diga-se, com o ICMS na base de cálculo.

Não estamos voltando a discussão se é inconstitucional a cobrança delegada de PIS e Cofins, como já discutido em outros momentos nos tribunais, inclusive, a Súmula nº 659 do Supremo Tribunal Federal estabelece que "é legítima a cobrança da Cofins, do PIS e do Finsocial sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País". E o enunciado está correto; os tributos PIS/Cofins e do Finsocial são mesmo devidos, pois têm fundamento no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, no entanto, o mesmo não pode ser calculado sobre o ICMS devido na fatura de energia elétrica, ao passo que resultaria em um aumento do valor de PIS e Cofins para a União e um pagamento maior para o contribuinte.

Ainda existem poucas decisões discutindo tal ilegalidade, mas importa destacarmos a decisão [3] junto à 15ª Vara Federal de Belo Horizonte em que o magistrado entendeu a ilegalidade quando mencionou que "se o ICMS, embora destacado na fatura/nota fiscal/ não incorpora ao patrimônio da empresa que o arrecada, mas é repassado ao respectivo ente estatal, constituindo receita deste, não há embasamento válido para incluí-lo na base de cálculo das contribuições".

Nesse caso, há quem já levante a bandeira no sentido de invocar o artigo 166 do Código Tributário Nacional, ao passo que este exige que aquele que busca a restituição de tributo indireto — deve provar que não repassou os custos ao contribuinte de fato, consubstanciada pela Súmula nº 546 do STF, compatibiliza-se somente com os tributos denominados indiretos, cujo ônus é transferido para terceiros pela pessoa legalmente obrigada ao pagamento (contribuinte de jure) —, mas não é o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins,

Diante do iminente ataque à Constituição Federal, chamem os guardiões, porque o caixa dos contribuintes está em risco de ser tocado, a satisfazer os furos nos cofres da União.

Protejam o caixa!

Que essas poucas linhas lhe proporcionem grandes resultados. Good luck!

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    é advogado, pós-graduado em Direito Constitucional, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior, pós-graduado em Direito Tributário, pós-graduando em Filosofia do Direito e sócio-diretor do escritório Juarez Casagrande & Advogados Associados.

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