Opinião

Controladoria em tempos de Covid-19: há vacina para o vírus da corrupção?

Autor

  • Gustavo Ungaro

    é advogado doutor e mestre pela USP professor da Graduação e Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho vice-presidente da Comissão Científica do Conselho Nacional de Controle Interno membro da Comissão de Direitos Humanos da USP da Congregação da Faculdade de Direito da USP e da Comissão Justiça e Paz de SP foi controlador geral do município de SP ouvidor geral e corregedor geral do Estado de SP dentre outras funções públicas exercidas.

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22 de setembro de 2020, 15h07

Nestes tempos insólitos de pandemia da Covid-19, em que tantos desafios estão se apresentando à sociedade, há um fenômeno deletério de contaminação disseminada que continua em elevado platô de incidência, afetando negativamente todas as pessoas: o vírus da corrupção.

Insidioso, resistente, de rápido contágio — alastra-se tanto em ambientes opacos acostumados com a sujeira acumulada, como por meio de círculos viciados em trocas de favores escusos, autoritarismo, patrimonialismo, clientelismo e nepotismo o vírus da corrupção acomete agentes públicos e privados, e seus grupos de risco são principalmente aqueles com maior poder de influência e decisão.

Como a imprensa noticia diariamente, a infecção afeta até mesmo os recursos escassos destinados à saúde e às medidas sanitárias de urgência, apresentando os conhecidos sintomas de superfaturamento, propina, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito.

A reação do organismo público infectado ocorre, quando há febre alta, por meio de suas células brancas institucionais, os leucócitos republicanos: controladorias, Ministérios Públicos, polícias, Tribunais de Contas. Assim, governador que descarta a máscara ética é afastado, secretário e empresário que descumprem medidas sanitárias e chafurdam na lama são presos. Mas o corpo estatal sofre com as perdas de recursos vitais e com o abalo em sua saudável legitimidade.  

Prevenir e dificultar a ação pestilenta é, pois, imprescindível. Afinal, importa preservar o princípio da moralidade, insculpido no caput do artigo 37 da Constituição da República.

Além dos remédios amargos que precisam ser aplicados nas crises agudas da doença, qual a profilaxia possível? Que medidas preventivas e de fortalecimento da natural resistência orgânica podem ser adotadas, para evitar o contágio pelo vírus da corrupção?

A prescrição suprema de nossa lei maior está nos artigos 31, 70 e 74: fiscalização por meio de controle externo e um sistema de controle interno de cada poder, em âmbito federal, estadual e municipal.  

E as pesquisas científicas e publicações renomadas apontam de forma segura e bem fundamentada o que fazer: transparência constante e reforço da musculatura do controle, com uso da tecnologia para melhorar seu alcance e eficiência.

Mantendo-se distanciamento social dos focos contaminados: empresas corruptoras longe de novas licitações e profissionais que se corromperam fora de cargos públicos, barrados pela ficha limpa.

Para essa prescrição funcionar, é fundamental que o órgão responsável por monitorar mais de perto, concomitantemente com as ocorrências, ou seja, a controladoria, tenha condições de difundir a saudável integridade e propagar a ética como fluido anticorrosivo, cuidar das situações corporais mais relevantes e checar se as recomendações estão sendo observadas, assegurar a plena incidência da luz solar como o melhor desinfetante em todos os ambientes da instituição, detectar rapidamente aparentes focos de infestação parasitária e adotar as medidas saneadoras conforme a legislação determina.

Assim, a ação preventiva de controle e transparência, vital para a manutenção saudável do organismo público, depende da eficaz atuação sistêmica de ao menos quatro macrofunções, articuladas na controladoria: uma de integridade e transparência, para terapias preventivas e estruturantes, outra de ouvidoria, para receber e responder demandas, a auditoria, checando a conformidade dos principais contratos e processos, e a corregedoria para apurar as situações de possível contaminação, enfrentando-as.

As macrofunções são vitais à efetividade das Leis de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), Transparência (Lei Complementar nº 131/2009), Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), anticorrupção (Lei n. 12.846/2013) e de Governança das Estatais (Lei nº 13.303/2016), entre outros relevantes estatutos protetivos da probidade administrativa.

Para essa blindagem antiviral ocorrer, a tomada de consciência quanto à importância de tais medidas de controle interno é o primeiro passo a ser dado nessa trilha bem iluminada por conhecimentos científicos e boas práticas administrativas. Daí a relevância de iniciativas de capacitação, orientação técnica e compartilhamento de parâmetros especializados, como tem sido feito pelo Conaci e por cursos como o recentemente lançado "Controladoria em tempos de pandemia", oferecido por professores da USP e profissionais especialistas em controle da Administração Pública.

Somente assim, percorrendo-se os melhores caminhos de prevenção e enfrentamento, por meio de conhecimento fundamentado e experimentação bem-sucedida, será possível multiplicar as condutas consequentes e condizentes com o interesse maior da coletividade, e desse modo mitigar a disseminação do nefasto vírus da corrupção, cuja proliferação não arrefece nem mesmo diante de uma pandemia como a que tem acometido a humanidade nestes tempos desafiadores.

Controlar o vírus da corrupção é possível e necessário: a almejada imunização é a combinação de controle preventivo e transparência pública, especialmente por meio do fortalecimento da controladoria, estratégia de eficácia comprovada para debelar essa epidemia maldita, que antecede a pandemia da Covid-19 e, infelizmente, não dá mostras de que com ele desaparecerá.  

Portanto, prevenir é melhor do que remediar, e a bendita vacina para o vírus da corrupção já está desenvolvida, testada e aprovada; só precisa ser mais conhecida e bem aplicada.

Autores

  • é advogado, mestre e doutor em Direito pela USP, professor da graduação e da pós-graduação da Universidade Nove de Julho e vice-presidente da Comissão Científica do Conselho Nacional de Controle Interno e Membro da Comissão de Direitos Humanos da USP. Foi controlador-geral do Município de São Paulo, corregedor e ouvidor-geral do Estado de São Paulo e fundador do Fórum de Combate à Corrupção do Estado de SP.

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