Bloqueio do Whatsapp

STJ tranca ação penal contra ex-diretor do Facebook por embaraçar investigações

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22 de setembro de 2020, 17h41

O simples fato de alguém ocupar cargo de direção dentro de uma empresa complexa não autoriza a imputação de toda e qualquer responsabilidade por atos ilícitos eventualmente cometidos pela mesma. É preciso que a acusação venha acompanhada de provas mínimas do envolvimento no ilícito.

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Recusa do Facebook em fornecer conversas de Whatsapp levou ao bloqueio do app 
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Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso em Habeas Corpus para trancar a ação penal instaurada pelo Ministério Público de Sergipe contra Diogo Dzodan, ex-vice-presidente do Facebook para operações na América Latina.

A denúncia, recebida pela Vara Criminal de Lagarto (SE) e mantida pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, imputa a Dzodan a responsabilidade pelo prejuízo das investigações criminais contra organização criminosa no estado pela renitência da empresa em fornecer conteúdo de mensagens trocadas por meio do aplicativa Whatsapp.

O caso gerou a prisão de Dzodan pela Polícia Federal em 2016 e a segunda decisão brasileira a determinar o bloqueio do Whatsapp, prolatada pelo juiz Marcel Maia Montalvão, da mesma vara criminal da cidade sergipana.

A possibilidade de bloqueio judicial do aplicativo está em discussão no Supremo Tribunal Federal em dois processos. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 403 já teve voto do relator, ministro Luiz Edson Fachin; na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.527 também votou a relatora, ministra Rosa Weber. Ambos estão com pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

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Ex-diretor do Facebook teria prejudicado investigações ao não autorizar o cumprimento da ordem judicial na empresa 
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É nesse contexto que o ex-diretor do Facebook foi denunciado com base no artigo 2º, parágrafo 1º da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), por impedir ou embaraçar investigação de ação penal. Segundo a acusação, a disponibilização dos dados telemáticos requisitado dependiam do aval de Dzodan, sendo ele a pessoa que detinha o domínio do fato e poder de desembaraçar o inquérito.

Por 3 votos a 2, a 6ª Turma entendeu que não há indicação mínima de que foi o ex-vice-presidente o recebedor da ordem judicial de disponibilização dos dados. Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Rogério Schietti, segundo a qual não cabe presumir responsabilidade penal de membro da direção pelo embaraço causado pela empresa Facebook.

Teoria do Domínio do Fato
"Essa invocação da Teoria do Domínio do Fato é preciso ter cuidado porque muitas vezes os órgãos de investigação se acomodam, dispensando-se da comprovação que é necessária", alertou o ministro Schietti.

Lucas Pricken/STJ
Ministro Schietti ressaltou cuidados na aplicação da Teoria do Domíni do Fato 
Lucas Pricken/STJ

A denúncia, conforme destacou, focou no comportamento renitente da empresa e em apenas um parágrafo mencionou que o denunciado seria a pessoa que detinha o controle da ordem para fornecer os dados requisitados judicialmente.

"Nesse caso, o Ministério Público foi um pouco longe ao atribuir responsabilidade penal a um dirigente de empresa pelo simples fato de ocupar o cargo de administrador — uma empresa que talvez seja a maior do mundo em termos de amplitude de usuários", afirmou o ministro.

Ao retomar o julgamento nesta terça-feira (22/9) com voto vista, a ministra Laurita Vaz concordou. Destacou que a Teoria do Domínio do Fato foi mal empregada e que ela não afasta o ônus do órgão acusado de indicar provas da autoria e materialidade. O ministro Sebastião Reis Júnior formou a maioria vencedora e acompanhou a divergência.

"Sem embargo do transtorno às investigações causado pela ausência de cumprimento da ordem judicial, certo é que para se imputar o crime de impedir ou embaraçar investigação da infração penal que envolveu organização criminosa é imprescindível que acusação seja revestida de justa causa sob pena de inadmissível responsabilização objetiva", disse.

STJ
Para ministro Nefi, dolo do denunciado poderia ser dirimido no decorrer do processo
STJ

Voto vencido
Ficaram vencidos o relator, ministro Nefi Cordeiro, e o ministro Antonio Saldanha Palheiro. Para eles, a descrição dos fatos na inicial acusatória preenche os requisitos para o recebimento da denúncia, segundo o artigo 41 do Código de Processo Penal.

"Foi dito que houve requisição de informações na apuração de crimes de tráfico, roubo a carga, assalto a banco, e mesmo assim não houve cumprimento, e que isso resultou no embaraço da investigação por atitude proposital do paciente. Se ele fez isso por entender que não tinha condições técnicas para tanto ou evitar a investigação, realmente só poderemos descobrir pela instrução do processo", disse o ministro Nefi.

RHC 125.415

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