Opinião

Fux aponta necessidade de CND para concessão de recuperação judicial

Autores

  • Arthur Sandro Golombieski Ferreira

    é advogado associado da Advocacia Felippe e Isfer atuando no setor de Direito Tributário e especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-PR).

  • Mayara Roth Isfer

    é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo associada da advocacia Felippe e Isfer e autora do livro "Bloqueio abusivo nas deliberações assembleares no âmbito das sociedades empresariais".

22 de setembro de 2020, 6h04

Em decisão monocrática prolatada no último dia 4, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, deferiu pedido liminar em reclamação ajuizada pela União Federal (Medida Cautelar na Reclamação nº 43.169) determinando a imediata aplicação dos artigos 57 da Lei nº 11.101/2005 e 191-A do Código Tributário Nacional. Como consequência, será exigida das empresas devedoras, para a concessão da recuperação judicial, a regularização de seus débitos junto ao Fisco.

Para que melhor se compreenda o objeto de fundo da reclamação, importa frisar que o tema é rotineiramente debatido entre a Fazenda Pública e empresas em recuperação judicial. A controvérsia cinge-se em definir se a norma contida no artigo 57 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas — a qual exige a apresentação das "certidões negativas de débitos tributários" — se trata de requisito essencial para a concessão da recuperação.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, frente ao assunto, inicialmente flexibilizou a aplicação da regra, sob o principal fundamento de que ela somente poderia ser aplicada se existisse legislação que instituísse modalidade de parcelamento específico para os débitos tributários de empresas em recuperação judicial (REsp 1.187.404/MT). A necessidade desta lei estaria positivada no artigo 155-A, §3º, do CTN e no artigo 68 da Lei nº 11.101/05.

Com a publicação da Lei nº 13.043/2014 (que instituiu o parcelamento especial para as recuperadas), a Fazenda passou a argumentar que a mora legislativa teria sido suprida, razão pela qual o artigo 57 da Lei nº 11.101/2005 (LRF) deveria voltar a ser aplicado. Este entendimento passou a ser aceito pelo STJ, principalmente por sua 2ª Turma, conduzida pelo voto do ministro Herman Benjamin no Recurso Especial nº 1.512.118/SP, o qual, apesar de ter analisado tema diverso (possibilidade de o juízo da execução fiscal realizar atos constritivos contra patrimônio de empresa em RJ), expressamente consignou que a jurisprudência da Corte Especial estaria superada.

Ocorre que a 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Conflito de Competência nº 136.130/SP, principalmente pelo que se extrai do voto do ministro Luís Felipe Salomão, entendeu que a Corte Superior terá de dirimir se a Lei Federal nº 13.043/2014 está em conformidade com o propósito da recuperação judicial — viabilizar o soerguimento da empresa. Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça ainda não consolidou jurisprudência sobre a aplicabilidade do artigo 57 às recuperações judiciais.

Neste controverso cenário jurisprudencial — em que existem acórdãos entendendo pela necessidade de apresentação da CND ou CPEN e outros pela desnecessidade — é que se deve analisar a decisão liminar proferida pelo ministro Luiz Fux.

A reclamação ao STF foi ajuizada em face de acórdão proferido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.864.625/SP (processo originário do TJSP nº 2062049-53.2017.8.26.0000), sob a alegação de ofensa ao enunciado da Súmula Vinculante nº 10. Referido verbete visa à proteção da regra estampada no artigo 97 da Constituição Federal, que trata da reserva de plenário. Segundo o verbete sumular, "viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

Na hipótese, entendeu o ministro relator que os fundamentos que levaram ao afastamento da aplicabilidade das regras previstas nos artigos 57, LRF, e 191-A, CTN, pelo Superior Tribunal de Justiça, in casu, remontam a um juízo de proporcionalidade, juízo esse que não possuiria aderência ao acórdão proferido no âmbito do REsp nº 1.187.404/MT, no qual a Corte Superior definiu que as certidões de regularidade fiscal não seriam exigidas, pois inexistiria regime de parcelamento específico vigente para as empresas em recuperação judicial — situação essa que, de acordo com o ministro Fux, estaria superada com a publicação da Lei nº 13.043/14. Com isso, a exigência de reserva de plenário não teria sido superada.

Analisando o mérito da questão, ainda que em juízo de cognição sumária, o relator pontuou que "o que os dispositivos afastados na decisão reclamada impõem é que, para além da negociação com credores privados, o devedor efetive a sua regularização, por meio do parcelamento, de seus débitos junto ao Fisco".  E segue, afirmando que "a não efetivação desta medida possibilita a continuidade dos executivos fiscais movidos pela Fazenda (artigo 6º, §7º, da Lei nº 11.101/05), o que, em última instância, pode resultar na constrição de bens que tenham sido objeto do Plano de Recuperação Judicial, situação que não se afigura desejável".

A decisão ainda pende de análise do colegiado e, apesar de o objeto da reclamação ser a violação da cláusula de reserva de plenário pelo STJ, fato é que trará repercussões inequivocamente relevantes na esfera recuperacional, notadamente se a Suprema Corte insistir na análise do mérito acerca da supressão ou não da mora legislativa pelo parcelamento especial previsto na Lei nº 13.043/14.

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