Opinião

Os efeitos da teoria da imprevisão em meio à crise da Covid-19

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21 de setembro de 2020, 6h05

Por causa da pandemia, pessoas físicas e jurídicas viram suas rendas caírem, seja por fechamento de suas lojas, diminuição salarial ou demissão. Como as instituições financeiras estão se portando em meio ao período da pandemia da Covid-19? Será que estão auxiliando seus clientes nas dificuldades enfrentadas por toda a sociedade durante esse período?

Nesse sentido, muitos consumidores vêm se utilizando de uma teoria até então esquecida, que é a teoria da imprevisão. Mas será que ela pode ser aplicada neste momento e, se aplicada, será da maneira que vem ocorrendo?

A teoria da imprevisão, apesar de não expressa, foi recepcionada de maneira indireta no Código de Defesa do Consumidor, por meio dos artigos 6º, inciso V, e 51º, primeiro parágrafo, da Lei 8.078/90.

Contudo, para sua aplicação é imprescindível que a parte comprove como teve sua vida financeira transformada em razão do evento imprevisível.

Assim, torna-se temerário obrigar a uma renegociação e até a suspensão contratual, sob o risco de socorrer os que não precisam e acabar não sendo possível acolher aqueles que efetivamente precisam e necessitam do socorro financeiro.

Mesmo com as possibilidades de solução administrativa, algumas demandas despontaram no Judiciário e algumas, inclusive, com decisões já sendo tomadas, muito em razão do aumento de produtividade do Judiciário, apontada nos últimos relatórios de acompanhamento [1].

Para verificar de forma prática como o Judiciário vem decidindo, foi realizada uma pesquisa das mais recentes decisões com o motor de busca de Covid-19 e coronavírus pelos tribunais nacionais.

No primeiro caso analisado, a parte autora fundamentava suas pretensões para renegociação do contrato com base nas alterações que ocorreram em sua vida financeira em razão da pandemia da Covid-19. Contudo, a parte autora não trouxe nenhuma prova de como essas alterações impactaram sua vida financeira de modo que não fosse mais possível honrar os contratos celebrados.

Ou seja, para que a parte autora conseguisse provar suas alegações, à luz da teoria da imprevisão do artigo 317 do CC e do próprio CDC, era necessário que ela trouxesse materialidade suficiente a fim de comprovar que houve uma alteração na base econômica objetiva do contrato e que esse se tornou oneroso de forma excessiva, como narram os artigos 478, 479 e 480 do CC.

Nesse sentido, na IV Jornada de Direito Civil, quando analisou o artigo 478, fez-se constar o entendimento expresso por meio do Enunciado nº 366: "O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação".

Outros casos foram localizados, como o agravo de instrumento no Tribunal do Rio de Janeiro, que indeferiu a suspensão do contrato de plano, visto que necessitava que o agravado trouxesse mais provas para balizar seu pedido e comprovar sua situação financeira [2].

Um outro caso, desta vez no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi além ao negar o pedido liminar, sob o fundamento de que "(…) além do fato superveniente alheio à vontade das partes (Covid-19), imprescindível que este afete a base objetiva do contrato, ou seja, saber se, de fato, as medidas restritivas de circulação de pessoas e bens afeta o poder aquisitivo da parte autora ou torne excessivamente onerosa prestação. Afinal, a parte autora é funcionário público (policial militar) e não há provas nos autos que as medidas públicas adotadas afetaram a base objetiva do contrato[3].

Em um julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o desembargador Diaulas Costa Ribeiro demostrou não só seu temor quanto à possibilidade dos inúmeros casos que despontariam no Judiciário para readequação contratual, mas seu temor pela própria aplicabilidade do dano moral quando ressaltou que cabe ao "Poder Judiciário, nesta difícil fase existencial da humanidade, precisa rever não só o conceito de dano moral, construído com excesso de voluntarismo nas últimas décadas, mas, também, os valores fixados em alguns casos" [4].

Ainda nessa escaramuça, o relator consignou que caberá ao próprio Judiciário impedir e controlar a sociedade a fim de se evitar uma barbárie em meio essa pandemia, bem como "(…) conter o ânimo de se ganhar reparação econômica por qualquer desconforto, por qualquer desvio de tempo útil, por qualquer intolerância. E quando for cabível e inafastável a reparação, os valores deverão ser fixados de maneira razoável, parcimoniosa, considerando, também, o contexto da economia brasileira e mundial, e não os valores dos pedidos que chegam aos juízes" [5].

Assim, sem uma efetiva comprovação da alteração financeira e como a crise tenha, de fato, impactado seu orçamento, pelo que pode ser apurado, a tendência jurisdicional é de receber tais demandas de forma temerária a fim de evitar eventuais demandismos e excessos.

Noutra frente, quando apurada a real necessidade do consumidor, de acordo com o caso concreto e com a comprovação demonstrada, aplicar-se-ão os ajustes que efetivamente se adequem a sua situação financeira e visem readequar os contratos celebrados com sua nova realidade econômico-financeira.


[2] TJRJ – Agravo de Instrumento nº 0032973-08.2020.8.19.0000. Quinta Câmara Cível. Relatora: DESEMBARGADORA DENISE NICOLL SIMÕES. Data de Publicação: 02/07/2020.

[3] TJRS – 5005680-22.2020.8.24.0005 — SC. Juiz Osmar Mohr. Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Balneário Cambori.

[4] TJ-DF: 0716813-22.2019.8.07.0003. Relator Diaulas Costa Ribeiro. 8ª Turma Cível. Publicação em: 21/05/2020.

[5] TJ-DF: 0716813-22.2019.8.07.0003. Relator Diaulas Costa Ribeiro. 8ª Turma Cível. Publicação em: 21/05/2020.

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