Opinião

Considerações sobre a rescisão do contrato de trabalho do jogador de futebol

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21 de setembro de 2020, 12h03

O estudo sobre a hipótese de rescisão do contrato de trabalho desportivo em virtude do atraso de salários pela entidade desportiva empregadora mostra-se altamente relevante face a constatação de que a prática está cada vez mais recorrente no âmbito do futebol, acarretando, por consequência, uma instabilidade financeira e profissional ao atleta.

Um caso de grande repercussão na mídia e no esporte foi o do atleta Gustavo Henrique Furtado Scarpa, que pleiteou a rescisão indireta do contrato de trabalho e o imediato rompimento do vínculo com o clube carioca Fluminense Football Club em virtude dos atrasos de salário de novembro de 2017, 13º salário e férias de 2016 e FGTS de junho a novembro de 2017, além do direito de imagem de agosto e novembro de 2017.

Nesse contexto, iniciando-se a exposição da matéria, o Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD), modalidade pela qual é formalizado o vínculo empregatício entre o atleta profissional e a associação desportiva, garante ao jogador uma remuneração mensal fixada em valor acordado pelas partes, tendo prazo de vigência determinado nunca inferior a três meses, nem superior a cinco anos. Mencionado contrato possui natureza acessória ao vínculo empregatício, passando a ter validade jurídica no momento em que é realizado o seu registro na entidade de administração do desporto no caso do futebol, na federação estadual e na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), à luz do que dispõe o artigo 28, §5º, da Lei nº 9.615/1998, popularmente conhecida como Lei Pelé.

A dissolução do contrato firmado, com base nas disposições legais que o regulam, poderá ocorrer tão somente em cinco hipóteses. São elas: 1) com o término da vigência do contrato ou o seu distrato; 2) com o pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória desportiva; 3) com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora; 4) com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e, por fim, 5) com a dispensa imotivada do atleta.

Nesses termos, o artigo 31 da Lei Pelé, com redação dada pela Lei nº 13.155/2015, estabeleceu os requisitos indispensáveis para caracterizar a rescisão decorrente do inadimplemento salarial:

"Artigo 31  A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos".

Nota-se, desse modo, que o clube empregador que estiver com três meses ou mais de salários atrasados enquadrando-se nesse conceito o abono de férias, o 13º salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho , não recolhendo, pelo mesmo período, o FGTS e as contribuições previdenciárias devidas, oportunizará ao atleta pleitear a rescisão unilateral do contrato de trabalho desportivo, ficando disponível para transferir-se à outro clube livremente, inclusive da mesma divisão, independentemente do número de partidas que tenha disputado na competição.

Ocorrendo o atraso pelo clube, duas, portanto, são as possibilidades do jogador profissional de futebol: a primeira, a realização de acordo extrajudicial com a entidade desportiva empregadora; a segunda, não sendo de interesse de uma das partes, requerer judicialmente o pagamento das referidas verbas salariais em atraso, com o consequente reconhecimento da rescisão indireta do contrato desportivo na esfera da Justiça do Trabalho, competente para processar e julgar os conflitos oriundos das relações de trabalho, tal qual os dos atletas profissionais de futebol e das entidades desportivas, nos termos do artigo 114, I e IX, da Constituição Federal.

Sobre o assunto, a Justiça do Trabalho vem usualmente decidindo favoravelmente ao jogador. A título exemplificativo, no julgamento do Recurso Ordinário nº 0001123-25.2012.5.01.0401 [1], pela 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, restou caracterizado que a mora salarial, prevista no artigo 28, §5º, III, da Lei nº 9.615/1998, é passível de reconhecimento da rescisão indireta do contrato especial de trabalho desportivo com fundamento no artigo 31 do mesmo diploma legal.

No mesmo sentido, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 618-26.2013.5.05.0033 [2], pela 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, a ministra Katia Magalhães Arruda esclareceu que: "Constatado pela Corte Regional o atraso superior a 3 meses quanto ao pagamento do 13° salário de 2012 e também a mora contumaz nos recolhimentos de depósitos de FGTS e de contribuições previdenciárias, não se divisa ofensa ao artigo 31, §§1º e 2º, da Lei nº 9.615/1998".

Outrossim, em virtude do atraso de salários pela entidade desportiva empregadora, o atleta também terá direito a indenização decorrente da cláusula compensatória desportiva (ou cláusula penal). Isso porque a Lei Pelé, de forma clara e expressa, prevê que o contrato especial de trabalho desportivo deverá constar, obrigatoriamente, referida cláusula, a ser devida pelo clube ao atleta na hipótese de rescisão decorrente do inadimplemento salarial por parte da entidade de prática desportiva empregadora, nos moldes do artigo 28, II, da Lei Pelé.

De acordo com o parágrafo 3º do mesmo dispositivo, o valor da cláusula penal deverá ser pactuado entre as partes quando da assinatura do contrato, tendo como parâmetro mínimo o valor total de salários mensais a que o atleta teria direito até o término do referido contrato e, como parâmetro máximo, 400 vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão.

Portanto, quando restar configurado o atraso no pagamento das verbas salariais por mais de três meses, além da rescisão contratual, também será devida pelo clube empregador a cláusula compensatória desportiva. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é uníssona nesse sentido [3].

Muito embora haja a previsão obrigatória de formalização dessa cláusula, inúmeros contratos especiais de trabalho desportivo não a preveem, fragilizando ainda mais a situação do atleta em caso de rescisão do contrato por inadimplência. O atleta, em muitas oportunidades, assina o contrato sem sua previsão, especialmente por desconhecimento e falta de amparo jurídico.

Por tais razões, é de extrema importância que o jogador profissional e seu intermediário, no momento da assinatura do contrato especial de trabalho desportivo, atentem-se a todas as disposições discriminadas no instrumento, em especial, a previsão expressa da cláusula compensatória desportiva, porquanto, em caso de omissão, os tribunais trabalhistas vêm decidindo por sua fixação em patamares mínimos, como, por exemplo, nos julgamentos dos Recursos Ordinário nºs 0000834-65.2014.5.03.0143 [4] e 0011725-79.2014.5.03.0165 [5].

 


[1] TRT-RJ, RO nº 0001123-25.2012.5.01.0401, 9ª Turma, Relatora Desembargadora Claudia de Souza Gomes Freire, DOERJ 29/1/2014.

[2] TST, AIRR-618-26.2013.5.05.0033, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 14/9/2018.

[3] TST, Ag-RR-539-30.2013.5.12.0008, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 17/4/2020.

[4] TRT-MG, RO 0000834-65.2014.5.03.0143, Turma Recursal de Juiz de Fora, Relator Desembargador Heriberto de Castro, DEJT 8/5/2015.

[5] TRT/MG, RO 0011725-79.2014.5.03.0165, 10ª Turma, Relatora Desembargadora Rosemary de Oliveira Pires, DEJT 27/8/2015.

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