Opinião

Crimes eleitorais e perda de uma chance

Autor

  • Andrea Haetinger

    é advogada civil criminal e eleitoral pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pela Univates e pós-graduanda em Direito Eleitoral pela FMP e em Direito do Consumidor pela Faculdade Dom Alberto.

21 de setembro de 2020, 20h21

A atual legislação que dispõe sobre os crimes eleitorais é totalmente fragmentária, encontrando-se tanto no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) e na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) quanto na legislação esparsa, incluindo-se Lei das Inelegibilidades (LC nº 64/90), Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), Lei de Transporte de Eleitores (Lei nº 6.901/74), Lei dos Serviços Eleitorais (Lei nº 6.996/82) e a mais recente, a Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), não se esquecendo da Constituição Federal e das aplicações subsidiárias de Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil.

Todavia, ainda que a maior parte dessa positivação seja muito antiga e elaborada num período da política brasileira imensamente diferente da atual, muitos crimes eleitorais confrontam-se diretamente com um conceito extremamente moderno: a perda de uma chance.

Se doutrinariamente os crimes eleitorais são aqueles cometidos no período eleitoral, o dolo pode ser muito anterior, ou seja, é possível que determinado crime seja cometido mesmo um ano antes da data da eleição, mas visando à derrocada da possível candidatura de algum indivíduo.

Por exemplo, um cidadão que pensa em se candidatar neste ano, mas que no ano passado foi difamado ou caluniado nas redes sociais, e cujo processo ainda tramita em alguma vara da Justiça comum devido à morosidade do processo e da própria sobrecarga de demandas, desde então vem convivendo com sua reputação abalada na comunidade, feridas sua honra e dignidade e inclusive perdendo a oportunidade de candidatar-se ao próximo pleito.

Ora, enquanto a Justiça analisa e discute a conduta dolosa, a propaganda em desfavor do candidato já foi feita. Uma vez a informação publicada na rede, passa ao arquivo mental do eleitor, levando-o a se lembrar desse fato no momento de escolher seu candidato, mesmo meses depois.

Numa circunstância dessas, de nada vale a interposição de uma ação de indenização por danos morais, com base no artigo 186 do Código Civil. Nada existe que repare o dano sofrido, ainda que com amparo no artigo 5º, inciso X da Constituição, pelo qual "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Com isso, uma vez denegrida a imagem de uma pessoa pelas mídias sociais, o dano está consolidado, retirando a oportunidade de o indivíduo lançar-se a uma candidatura sem a pecha de uma acusação inverídica pairando sobre sua cabeça e, dessa forma, atingindo o objetivo do autor do crime: desestabilizar o adversário.

O instituto da teoria da perda de uma chance surgiu para salvaguardar aqueles casos em que a vítima perde uma oportunidade que eventualmente não tornará a acontecer, causada pelo ato lesivo de um terceiro, muitas vezes causando também um abalo moral, ansiedade e sofrimento naquele que sofreu a conduta lesiva [1].

Ao ter sua imagem conspurcada, fulmina-se a possibilidade de uma eventual candidatura, posto que, diante de um cenário político conturbado como o do Brasil, em que cada vez mais se busca candidatos com imagem de credibilidade e honestidade, cai por terra a pretensão almejada, pois até decisão em contrário ou alguma retratação, sempre permanecerá na mente do eleitor a dúvida em relação ao caráter daquele candidato:

"É de vasto conhecimento que hoje em dia as informações voam, ou seja, se propagam de forma quase que impossível de contê-las, principalmente quando se trata de algum suposto escândalo, ocasião em que se propagam as informações na maioria das vezes distorcidas, e de forma cruel e mortífera, que acaba com a reputação da pessoa acusada. No caso de agente político, a mácula é ainda maior, e difícil, para não falar impossível de ser reparada" [2].

Como visto, são realizados danos ao nome, à imagem e à honra do indivíduo que pensava em se candidatar, sabedor de que a morosidade da Justiça possivelmente não lhe dará tempo hábil para revelar a verdade dos fatos ao eleitor — ao contrário dos casos julgados pela Justiça Eleitoral, que prima por aplicar o princípio da celeridade. Feito o dano, foi-se a chance e finda a oportunidade de participar de um pleito eleitoral.

Cabe ressaltar que atualmente o Tribunal Superior Eleitoral entende, conforme o julgamento do HC 114.080, que a tipificação do delito de difamação do artigo 325 do Código Eleitoral relaciona-se "não ao sujeito da conduta, mas ao contexto eleitoral em que é realizada, bastando que a difamação seja praticada no âmbito de atos típicos de propaganda eleitoral ou para os fins desta" [3].

Pela atual legislação, o dano causado antes do chamado período eleitoral não pode configurar uma tipificação criminal nessa área; todavia, muitos são os casos em que, assim que apontados os possíveis candidatos, o dolo de denegrir a imagem de outrem teve caráter nitidamente eleitoral. Por fim, traz-se à tona essa discussão, a fim de que a teoria da perda de uma chance eventualmente passe a integrar também o Direito Eleitoral.


[1] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70079553707, da Sexta Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eliziana da Silveira Perez. Porto Alegre, 13 dez 2019. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia&q=&conteudo_busca=ementa_completa>. Acesso em: 09 ago. 2020.

[2] ALMEIDA, Luis Fernando. O dano moral e a perda da chance: análise das condutas lesivas praticadas contra candidatos em campanha eleitoral. UOL. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/dano-moral-perda-chance-analise-das-condutas-lesivas-praticadas-contra-candidatos-campanha-eleitoral.htm>. Acesso em: 09 ago. 2020.

[3] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. HC nº 114.080. Relator: Min. Marcelo Ribeiro. Brasília: 13 out. 2011. Disponível em: <https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23307931/habeas-corpus-hc-114080-mt-tse>. Acesso em: 09 ago. 2020.

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    é advogada civil, criminal e eleitoral, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pela Univates e pós-graduanda em Direito Eleitoral pela FMP e em Direito do Consumidor pela Faculdade Dom Alberto.

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