Segunda leitura

Sustentação oral, palestra, live e similares em tempos de coronavírus

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

20 de setembro de 2020, 8h00

Spacca
A pandemia colheu todos de surpresa, impondo mudanças parciais ou totais de práticas seculares. Aos poucos o poder público, empresas e pessoas foram se adaptando na medida do possível. As regras estão e serão ainda mais flexibilizadas, mas os hábitos jamais serão os mesmos, impondo-nos o “novo normal” em nossas vidas.

Na área jurídica o isolamento impôs a todos a entrega total ao sistema de transmissões virtuais de exposições, nos mais variados níveis. Ao contrário do processo eletrônico, que se tornou prática nacional, as manifestações orais evoluíam lentamente, com um ou outro tribunal admitindo sustentações orais por vídeo conferência e pouquíssimos realizando julgamentos virtuais.

Pois bem, de um momento para outro não apenas as defesas, mas também aulas, palestras, reuniões de toda espécie passaram a ser feitas através da internet. E as novidades da informática, que atormentavam a vida dos maiores de 40 anos, vieram acompanhadas de expressões em inglês cujo sentido poucos conheciam.

A conexão via internet passou a chamar-se on-line, a transmissão ao vivo através de redes sociais tornou-se uma live, um seminário em vídeo tornou-se webinar, um podcast significa um vídeo que fica à disposição dos interessados em caráter permanente, vindo esta avalanche de novidades acompanhada de ordens de responder perguntas pelo chat ou compartilhar slides pelo share screen ou de ser informado que o ato seria através do Youtube. E, claro, via sistemas como Zoom Meetings, Skype e os criados por pessoas jurídicas.

Com certeza, os que nasceram antes de 1980 pagaram todos os seus pecados em vida, sendo merecedores de um diploma com o título “Honra ao mérito”, além de um lugar privilegiado na paz celestial.

À toda evidência, estas novidades vieram para ficar. Ninguém imagina que em 2021 um advogado de Macapá irá a Brasília, com todos os custos e tempo que isto representa, para conversar com um ministro de um tribunal por 15 minutos. Obviamente, isto se dará on-line, através de acerto de dia e hora com o gabinete.

Pois bem, neste novo mundo, cuja tecnologia apresentará muitas outras surpresas, a exposição de ideias precisa ser feita com competência. Do estudante do curso de graduação em Direito, que deve expor em sala de aula virtual, ao mais consagrado advogado, que fará sustentação oral perante o STF através de vídeo conferência, é preciso saber convencer quem ouve. E para isto existem práticas e técnicas que devem ser conhecidas e usadas.

Vejamos, a começar pelo público. Quem vai falar deve saber quem são os ouvintes, idade média, local, o que pensam e como reagem. A fala deve amoldar-se ao que eles querem saber. Por exemplo, presume-se que o tema poluição marítima não despertará o interesse do público de uma cidade do interior da Amazônia. E a linguagem se adaptará às circunstâncias, inclusive de idade, sendo mais informal quando dirigida a jovens.

Órgãos públicos, grandes escritórios de advocacia, associações de classe, devem, necessariamente, ter estúdio apropriado, dotado de todos os requisitos da tecnologia (tal qual os cursos preparatórios de concursos), a fim de que as transmissões tenham o mais elevado nível de qualidade. Obviamente, os que não dispuserem de tais recursos devem valer-se de computadores com câmeras, ficando o telefone celular com última hipótese, face à má qualidade de transmissão.

Conhecimento prévio do sistema é indispensável. É inconcebível alguém assumir um compromisso e não saber como nele entrar ou, já participando, deixar o microfone ligado quando o outro fala ou deixar sem imagem e fingir que participa, correndo o risco de ser surpreendido por uma pergunta.

Nada de desculpar-se por isto ou aquilo. Dizer que não teve tempo de preparar é simplesmente declarar o fracasso da exposição. Basta que os outros notem e falem sobre nossos defeitos, não precisamos nos criticar.

Em se tratando de uma roda de expositores, saudá-los com cordialidade, manifestar a alegria de integrar o seleto grupo, mas não ficar se derramando em elogios a cada um, narrar como os conheceu jovem, suas passagens e a surrada piada de não dizer o ano para que não saibam a idade. Não há quem aguente.

Imagem. Quem se expõe publicamente está sob exame. Fazer sustentação oral dirigindo um veículo, como ocorreu no dia 6 de agosto passado com uma advogada de Salvador que atuava perante 1ª Turma Recursal, do Sistema de Juizados Especiais da Bahia, revela a mais absoluta falta de noção da relevância do seu papel no processo.i Da mesma forma, a falta de cuidado do desembargador da 4ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, dia 3 passado, ao servir doce na boca de uma servidora, durante a sessão.ii Ainda, o caso de um procurador da Justiça que, no mês de julho, dormiu a sono solto durante uma sessão da 4ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba.iii

No conceito de imagem, entra a roupa de quem participa. O fato de ser o ato on line não altera o dever de trajar-se de forma adequada ao evento. Não se vai à praia de camisa social, nem ao encontro virtual de uma autoridade de camiseta regata. O descuido é amostra da pouca importância que se dá ao interlocutor, alguém que não merece nenhum cuidado. Portanto, um professor universitário não dá aula com camisa de seu time de futebol e um advogado não faz sustentação oral sem gravata.

Em qualquer atividade, mas principalmente em palestras ou aulas, é normal que se exibam slides (power point). Além de saber compartilhá-los, o expositor deve zelar por aspectos importantes que nem sempre são percebidos. Slides brancos com longas frases, nem pensar. Eles devem ser elegantes, ter cores fortes e contrastantes (azul claro com branco, jamais). A fonte deve ser de fácil leitura (ex. arial) e grande (24 vai bem). As palavras devem ser reduzidas, apenas as necessárias para o bom raciocínio do que for exposto. Quando o slide tiver dois espaços, o texto mais importante vai à direita, porque normalmente é o primeiro a ser lido. Fotos com boa resolução ajudam muito na compreensão dos fatos (p. ex., desmatamento fotografado e exposto no google earth).

Vídeos são uma excelente forma de exposição, principalmente junto aos mais jovens. Um vídeo de uma ilha de plástico no Oceano Pacífico transmite mais sobre a poluição do mar do que dezenas de folhas. Mas não pode parar tudo para ir procurar a forma de introduzir o vídeo, tem que já deixar tudo preparado com antecedência. Clicou, entrou.

O tempo precisa ser controlado. Exposições virtuais são mais cansativas que as presenciais, pois é reduzida a possibilidade de linguagem corporal. Assim, o ideal é não falar mais do que 20 minutos e deixar que o resto do tempo seja usado com perguntas. Se a plateia estiver desanimada, provocar alguém a perguntar é uma boa solução.

Sequência lógica na exposição é indispensável e nisto os slides ajudam muito. Caso se opte por não usá-los, é importante escrever os tópicos e seguir rigidamente, até que se chegue à conclusão. Palestrantes que vão e voltam ao mesmo tema provocam dispersão na assistência.

Narrar casos reais sempre ajuda. As pessoas entendem melhor o Direito quando narrado sob a ótica dos fatos. Costumo exibir, quando o assunto permite, um julgamento sobre censura do antigo Tribunal Federal de Recursos, a respeito de música de Chico Buarque e peça de teatro de Plínio Marcos, colocando fotos. Explico que vigia o AI5 e, portanto, juízes não tinham garantias, podendo ser aposentados compulsoriamente e sem motivação. Então pergunto a alguém da sala como julgaria, considerando, inclusive, a hipótese de ter que sustentar dois filhos. O fato sempre gera perplexidade e faz pensar.

Reuniões de trabalho (p. ex., advogado e pretenso cliente) devem ter hora para começar e acabar. Não se concebe que o interessado fique a contar sua história de vida. Delicadamente, o advogado cortará a palavra e pedirá objetividade.

Ao final, além de agradecer o convite e a atenção em slide próprio, deixa-se o e.mail para futuros contatos. O networking é essencial para o sucesso.

No mais, é estudar, observar os grandes palestrantes, assistir os excelentes vídeos do Ted Talkiv e não se acomodar jamais.


i Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/video-advogada-faz-sustentacao-oral-dirigindo-e-toma-bronca-de-juiza. Acesso em 16/9/2020.

ii Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/332854/desembargador-do-es-da-doce-na-boca-de-servidora-durante-sessao-virtual. Acesso em 16/9/2020.

iii Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/330375/procurador-dorme-durante-sessao-de-julgamento-na-pb-desembargadores-dao-risada. Acesso em 16/9/2020.

iv Disponível em: https://www.ted.com/ . Acesso em 16/9/2020.

Autores

  • Brave

    é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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