"Notória RBG"

Progressista, juíza Ruth Ginsburg é homenageada por juristas brasileiros

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19 de setembro de 2020, 12h47

"Notória" e "Suprema" são algumas das alcunhas atribuídas à progressista Ruth Bader Ginsburg, juíza mais antiga da Suprema Corte dos Estados Unidos, também conhecida por sua busca pelos direitos das mulheres e das minorias. A notícia de sua morte, nesta sexta-feira (18/9), aos 87 anos, marcou a comunidade jurídica brasileira, que vê nela uma inspiração no modo de se fazer Justiça.

"Oxalá exemplos como o dela se multipliquem pelo mundo, fazendo da Justiça um mundo para o qual a mulher traz o seu contributo particular de sensibilidade e discernimento", afirmou a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST e uma das principais representantes do legado de Ginsburg no Brasil — tanto em seus posicionamentos jurídicos quanto na postura ética, de perfil discreto, porém firme. 

Steve Petteway
Em março de 2006, Ruth Ginsburg era a única mulher associada de Justiça na Suprema Corte dos Estados Unidos
Steve Petteway

Pioneira e progressista
Ruth Ginsburg estudou Direito em Harvard numa época em que a turma contava com 500 homens e apenas 9 mulheres. Começou a carreira como professora, por não conseguir emprego em escritórios de advocacia, que aceitavam majoritariamente candidatos homens. Atuou durante anos com projetos para derrubar leis que eram discriminatórias. 

Decana da Supreme Court of the United States (Scotus), era conhecida pela discrição, firmeza e profundidade de seus votos. Foi nomeada por Bill Clinton em 1993 e responsável por votos importantes em decisões que expandiram direitos para mulheres e pessoas LGBT.

Divulgação
DivulgaçãoRuth Bader Ginsburg morreu aos 87 anos por complicações de um câncer no pâncreas.

Chamava a atenção a fraterna amizade que desenvolveu com o conservador Antonin Scalia. A juíza conseguia não só conversar e conviver com quem pensava diferente dela, como ensinava a respeitar essa oposição.

"Um dia Scalia levava 24 rosas de presente a Ruth. Foi indagado porque presentearia quem nunca votou com ele numa decisão por 5×4. Scalia respondeu: 'há coisas mais importante na vida do que votos'", relembrou o advogado Rodrigo Becker.

Foi a integrante moderna mais conhecida da corte, sendo homenageada com bolsas e canecas estampando seu rosto, tatuagens e até mesmo fantasias de Halloween. Sua trajetória inspirou livros e dois filmes best-sellers: o documentário RBG  (transmitido pela CNN), que foi indicado ao Oscar e o filme biográfico "Suprema" (On the Basis of Sex, título original).

Ganhou destaque nos noticiários a crítica que fez ao então candidato à presidência dos Estados Unidos Donald Trump, em 2016. "Ele não tem qualquer coerência. Ele diz qualquer coisa que vem à cabeça no momento. Ele é realmente egocêntrico", criticou a juíza em uma entrevista à CNN

Trump rebateu dizendo que a juíza estava mentalmente incapaz e pediu sua renúncia por "constranger a todos com comentários bem imbecis". Logo depois, Ruth desculpou-se. "Os juízes devem evitar comentários sobre um candidato a exercer um cargo público." Em entrevista posterior, a magistrada reafirmou seu entendimento de que juízes devem manter o decoro em relação às declarações que dão.

Ralph Alswang/White House Photograph Office
Ruth Ginsburg sendo empossada como associada de Justiça em agosto de 1993 Ralph Alswang/White House Photograph Office

Desde 1999, a juíza passou por vários tratamentos contra tumores nos pulmões, cólon e pâncreas. O tratamento, porém, não a afastou da corte e do acompanhamento de casos — assim como o decano brasileiro, ministro Celso de Mello, Ruth era sabidamente workaholic. 

Veja abaixo algumas homenagens de ministros e advogados:

Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST
"Sensibilizou-me especialmente a notícia do falecimento da 'Justice' Ruth Ginsburg, por tudo o que ela representava na Suprema Corte Americana em defesa da igualdade de direitos. Decana da Corte e com uma belíssima carreira acadêmica e também na advocacia, continuará sendo um ícone de magistrada, a inspirar tantas mulheres que se dedicam às carreiras jurídicas.
Em junho de 2017, tivemos a sorte de conhecê-la, o Ministro Ives Gandra e eu, quando fomos palestrar no Wilson Center, assistindo a sessão da Suprema Corte, onde relatou dois processos. Impressionou-me sua firmeza e serenidade, carisma e objetividade. Oxalá exemplos como o dela se multipliquem pelo mundo, fazendo da Justiça um mundo para o qual a mulher traz o seu contributo particular de sensibilidade e discernimento.
Fica aqui nossa homenagem póstuma a essa grande ministra e mulher. Adeus 'Senhora Justiça'!"

Celso de Mello, decano do STF
"Os grandes magistrados, como a 'Justice' Ruth Bader Ginsburg, nunca morrem, nunca partem e jamais se vão, pois permanecem na consciência e no coração dos cidadãos a quem serviram com o exemplo de sua integridade pessoal e de sua atuação  independente, construindo caminhos, afastando intolerâncias, reconhecendo direitos, protegendo minorias e iluminando, desse modo, para sempre, a vida das presentes e futuras gerações com a grandeza do seu legado que moldou destinos, que transformou práticas sociais injustas, que repeliu discriminações e que definiu os rumos de uma sociedade aberta, plural e democrática." Ao jornal O Estado de S. Paulo.

Marco Aurélio Mello, vice-decano do STF
"Uma perda a alterar a composição do Tribunal. A colega falecida, indicada por um Presidente Democrata – Clinton – será substituída por um candidato afeito à óptica republicana – Trump. Infeliz coincidência! Como a 'óptica' é de visão e não audição, é com 'p' mesmo. Amemos o bom vernáculo. O faço".

Luiz Fux, presidente do STF
"O Supremo Tribunal Federal recebe com pesar a notícia da morte da juíza e decana da Suprema Corte Americana, Ruth Ginsburg, nesta sexta-feira (18). Sua atuação na defesa da igualdade de gênero, das minorias e do meio ambiente está entre as marcas de sua trajetória seja na advocacia, seja na magistratura da mais alta Corte do Estados Unidos da América. 
O STF teve o privilégio e a honra de homenagear Ruth Ginsburg, em maio do ano passado, ao exibir em sessão especial no edifício-sede do Supremo o documentário 'A Juíza', que retrata a atuação desta notável jurista. 
Meus sentimentos aos familiares, amigos e a todo povo americano."

Gilmar Mendes, ministro do STF
"A trajetória de Ruth Ginsburg na Suprema Corte será símbolo do empoderamento feminino na Justiça. Sua luta não foi só pela igualdade de gênero, foi pela afirmação de uma agenda de direito das mulheres. Morreu resistindo à crise da democracia." Em sua página no Twitter. 

Luís Roberto Barroso, ministro do STF
"Ruth Ginsburg marcou época como advogada e como juíza. A história é um processo social coletivo. Mas há pessoas que fazem toda a diferença." Em sua página no Twitter. 

Humberto Martins, presidente do STJ
"A juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos Ruth Ginsburg foi um símbolo da força feminina no mundo jurídico. Ela aproximou a população dos tribunais, deu lições em defesa da igualdade e ganhou a admiração de todos. Seu compromisso com  a justiça continuará inspirando o Tribunal da Cidadania.
De mãos dadas, magistratura e cidadania!"

Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada TJ-SP, cofundadora AJD e ABJD
"A magistrada Ruth Ginsburg, da Suprema Corte dos EUA, é um exemplo de luta pela igualdade para todos nós e especialmente para o mundo do Direito.
Ela sentiu a discriminação de gênero na pele, como ocorre no dia-a-dia de todas as mulheres, em todo o mundo.
Vamos imaginar que nos EUA, há três décadas, só tínhamos uma juíza na Suprema Corte. Ruth foi a segunda mulher nomeada para o cargo. Podemos fazer, neste tanto, um paralelo no Brasil, não é verdade?
A discriminação aconteceu em todas as relações. Nas relações de trabalho, sofrendo redução salarial no período da maternidade; na faculdade de Direito, quando o espaço era quase que exclusivamente masculino.
Mas o mais importante é que ela soube traduzir a discriminação e a superação da mesma  na jurisdição que exerceu, com dignidade e focando suas decisões na superação necessária das desigualdades para fortalecimento da democracia.
O exemplo de Ruth deve iluminar os magistrados e magistradas de todo mundo. É triste sua partida, mas seu legado será eterno."

Lenio Streck, constitucionalista
"Uma juíza que fez história. Abre uma lacuna política na US Supreme Court. O sonho dos republicanos é rediscutir Roe v. Wade, que desproibiu o abordo. Se Trump correr, nomeará o voto faltante para voltar a proibição. E outras pautas hoje apertadas. Ginsbourg vai fazer muita falta."

Daniella Meggiolaro, criminalista
"Ruth Bader Ginsburg foi resistência até o fim. Uma vida inteira de luta pela equidade de gênero e pela defesa dos direitos humanos e civis, com repercussão não só nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro. Não há – ou ao menos não deveria haver – mulher que não se inspire nela. Uma pena sua morte ocorrer agora, ainda durante o mandato de Trump. Espero que seu desejo seja respeitado e que a indicação do sucessor (oxalá sucessora) na Suprema Corte ocorra pelas mãos do próximo presidente eleito".

Valeska Teixeira Zanin Martins, criminalista
"Ruth Bader Ginsburg sempre foi uma grande inspiradora para mim pela solidez do seu pensamento e da sua atuação em favor da luta pioneira pelo direitos das mulheres. Seu legado certamente continuará inspirando muitas mulheres a vencer barreiras seja na no campo jurídico, seja na vida pessoal."

Maíra Fernandes, criminalista 
"Estamos em luto. Ruth Bader Ginsburg, a RBG, inspirou uma legião de mulheres, especialmente as do Direito, por sua coragem, sua ousadia, por enfrentar o
machismo com competência e muita personalidade. Ela era muito mais do que uma Ministra da Suprema Corte dos EUA. Era uma uma professora para todas nós. Uma referência progressista essencial na luta pelos direitos das mulheres, sociais, humanos, dos trabalhadores. Fará falta nesse mundo."

Saul Tourinho Leal, constitucionalista
"Boas fontes existem para fazer jorrar os elementos que dão sentido à vida. Também assim o é com as fontes de inspiração. As melhores delas alimentam os anjos bons da nossa natureza, incutindo em nós o desejo altivo de reparar as lágrimas do semelhante. Apenas as obras imortalizam. Ruth Bader Ginsburg é uma mulher repleta de obras. Por isso, colhe hoje os frutos do que plantou. Sua reputação e reconhecimento apenas mostram uma realidade incontornável: na jornada da realização dos direitos fundamentais, a história prefere os que fazem. Só pessoas assim se tornam imortais. Ruth Bader Ginsburg é uma dessas estrelas raras. Seguirá brilhando, hoje e sempre."

Fabíola Sucasas, promotora de Justiça de SP
"Ginsburg não foi apenas uma jurista que desbravou o lugar das mulheres em ambientes masculinos, mas uma mulher que lutou pela igualdade de gênero. Sua competência, para além do ativismo, também reuniu, estrategicamente, os homens, atentando-se a uma questão de Justiça. Mostrou que além da representatividade, a participação das mulheres nos espaços de poder ganha coro quando ela vem acompanhada de uma agenda desta luta. Ela foi reconhecida por isso, mas foi uma trajetória de resistência. É preciso ampliar a divulgação de sua historia não só para inspirar, mas para ensinar a importância do legado das mulheres fortes que se foram. Uma perda que não deve ser esquecida jamais."

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