Opinião

Os desafios que se apresentam para a reforma da Lei de Recuperação Judicial

Autor

  • Rodrigo Pereira Cuano

    é advogado da área Corporate do escritório Reis Advogados (SP) especialista em Direito Processual Civil reestruturação e recuperação de empresas e em Direito Digital e integrante da Comissão Jurídica de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

18 de setembro de 2020, 6h04

Tema recorrente e que ganhou maior destaque nos últimos meses, em razão do momento em que nos encontramos, submetidos à pandemia da Covid-19, é a necessidade de reforma da Lei 11.101/05, que regula os processos de recuperação judicial e falências.

A atual legislação, que já completou 15 anos, nunca foi tão invocada e, conforme estudos apresentados pela consultoria Alvarez & Marsal, há expectativa de elevação na quantidade de pedidos de proteção à Justiça que as empresas brasileiras apresentarão, em níveis superiores a 20% em comparação com o recorde histórico, ocorrido na crise fiscal de 2016.

Esse cenário, associado à necessidade premente de o Brasil atrair investidores, torna imprescindível encontrarmos mecanismos que garantam segurança e previsibilidade jurídica, o que atualmente não vivenciamos.

Conforme bem destacado pelo professor Marcos Lisboa, "do ponto de vista econômico, a legislação falimentar tem como objetivo criar condições para que situações de insolvência tenham soluções previsíveis, céleres e transparentes, de modo que os ativos, tangíveis e intangíveis, sejam preservados e continuem cumprindo sua função social, gerando produto, emprego e renda".

Ao se avaliar a taxa de recuperação em centavos de dólar, observamos que o indicador no Brasil é extremamente baixo quando comparado a outros países, tanto da América Latina quanto da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse sentido, a título de ilustração, São Paulo apresenta uma taxa de recuperação de 18,2 centavos para cada dólar emprestado, enquanto na OCDE ela está em 70,2 centavos (382% superior) e, na América Latina e no Caribe, a taxa é de 31,2 centavos por dólar (111% superior).

Em razão disso, a discussão sobre alterações na Lei de Falências ganhou corpo no Congresso, tendo sido aprovada proposta substitutiva ao Projeto de Lei 6229/05, de relatoria do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), a qual tramita agora no Senado.

Entre as proposições que foram apresentadas, destaco algumas que, se aprovadas, poderão trazer uma melhor condição de negócios ao Brasil, permitindo a reorganização das empresas em crise, com vistas à preservação da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, e, consequentemente, à conservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica.

Seguindo as recomendações do Conselho Nacional de Justiça, o projeto instituiu uma nova seção denominada "Das conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial" (Seção II-A), que objetiva permitir e minimizar, por meios alternativos de solução de conflitos, os impactos e os efeitos da judicialização nas contendas relacionadas à recuperação judicial e à falência.

Da mesma forma, quanto ao produtor rural, a proposta busca dar maior previsibilidade em relação às regras do jogo. O atual cenário de incerteza da possibilidade ou não de recuperação judicial dos produtores rurais acarreta insegurança e afasta investimentos.

A emenda nº 11, proposta pelo deputado Alceu Moreira, permite que o produtor rural possa apresentar plano especial de recuperação judicial, seguindo os mesmos moldes e regras definidas para as microempresas e empresas de pequeno porte, desde que o valor da causa não exceda R$ 4,8 milhões, além de disciplinar que os créditos e garantias vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou ainda representativa de operação de troca por insumos, não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial.

Destaque-se também que o projeto possibilita a apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, no caso de rejeição do plano apresentado pela recuperanda em assembleia geral de credores (artigo 56, §4º), situação que amplia o papel dos credores na elaboração, junto com a empresa, de um plano efetivo para o soerguimento da atividade empresarial, e também na definição de regras mais claras para o financiamento da empresa em crise, o que é fundamental para as companhias em dificuldade, que precisam e certamente precisarão de novos financiamentos para fomentar a sua atividade.

As proposições apresentadas, se aprovadas pelo Senado, permitirão trazer um cenário de maior clareza nos processos de insolvência, evitando, conforme constou do parecer do anteprojeto da lei, que as "múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos". O respeito aos contratos e a previsibilidade jurídica são fundamentais para permitir que os investimentos, tão necessários para a economia brasileira, possam ser realizados de forma segura e permitam maior retorno aos investidores.

Autores

  • é advogado da área Corporate do escritório Reis Advogados, integrante da Comissão Jurídica de Direito Bancário do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), membro associado do TMA (Turnaround Management Association) e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!