Reflexões Trabalhistas

Princípio do devido processo legal e preclusão no processo do trabalho

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18 de setembro de 2020, 8h00

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LIV, assegura a todos o direito ao "devido processo legal", o que significa que ninguém poderá ser processado sem que a decisão judicial derive de um processo regular, que assegure a ambos os litigantes a oportunidade de produção de provas, e o direito ao contraditório.

É necessário, contudo, conjugar o respeito ao princípio do devido processo legal com os demais princípios e regras que informam o processo, a fim de se equilibrar a condição de ambos os litigantes no processo.

Não se olvide que não há princípio cujo valor seja absoluto, pois a conjugação das diversas normas processuais demonstra a necessidade de harmonização das regras principiológicas, o que as leva, por sua vez, a submissão a outras regras que tornam o processo justo e harmônico.

Assim, por exemplo, o inalienável direito à ampla defesa há de se submeter à regra de que existe no curso do processo um momento específico para a defesa, por exemplo, e que se não for aproveitada ocorre a preclusão da oportunidade de praticar o ato, seguindo o processo seu desenvolvimento válido. Este mecanismo que impulsiona o processo a frente é a preclusão, que constitui uma regra de grande importância para o direito processual.

A preclusão que ora nos interessa, dentre as suas modalidades, aqui significa a perda da oportunidade de manifestação nos autos do processo pelo decurso do tempo, e que é denominada de preclusão temporal.

E até o direito à defesa pode ser suplantado pela ocorrência de preclusão, pois o processo é uma sequência lógica e cronológica de atos, que deve ser rigidamente obedecida, sob pena de não cumprir sua finalidade. Se não fosse a existência da preclusão o primeiro processo do mundo ainda estaria aguardando a juntada da defesa pelo réu, que se utilizaria da inércia para não permitir o desenvolvimento regular do processo.

E um exemplo desta situação encontramos no processo que foi noticiado pelo sítio do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, publicado no dia 16-09-2020, em que a 4ª Turma Julgadora proferiu a seguinte decisão:

Na inicial, a trabalhadora pleiteava o reconhecimento do vínculo de emprego doméstico com uma moradora de um condomínio na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Em resposta, a moradora admitiu ter havido relação de trabalho como diarista e não como empregada doméstica.

Em audiência, foi ouvida apenas uma testemunha da suposta empregadora, que confirmou a prestação de serviço em dois dias da semana. Já a testemunha da trabalhadora foi contraditada, ou seja, declarada suspeita ao confirmar o laço de amizade entre elas. Antes de finalizar a audiência, o juiz do trabalho substituto Paulo César Moreira Santos Junior, em exercício na 58ª VT/RJ, encerrou a fase de instrução informando que não haveria produção de mais provas.

Dois dias depois, a trabalhadora ingressou com uma petição para ouvir uma nova testemunha que, segundo ela, iria comprovar fato novo. O pedido foi indeferido pelo juízo de primeiro grau e a ação, julgada improcedente. A trabalhadora recorreu alegando cerceio de defesa pelo indeferimento da prova testemunhal, excesso de formalismo e incompatibilidade com o princípio do Direito do Trabalho da busca pela “verdade real”.

Ao analisar o recurso, a relatora Tania Garcia observou que “é vedado às partes praticar um ato processual e, posteriormente, pretender praticar outro em sentido contrário, por se caracterizar a preclusão lógica, concretização do princípio do ‘nemo potest venire contra factum proprium’”, princípio conhecido também como proibição do comportamento contraditório.

Segundo a magistrada, a sentença é irretocável. “Não há que se falar em excesso de rigor ou formalismo, pois a decisão recorrida aplicou escorreitamente a legislação processual. A preclusão é um dos institutos basais do Processo, sem o qual as ações poderiam se desenvolver ad aeternum”, concluiu a relatora.”

Como se vê, de forma regular o direito à ampla defesa cedeu lugar à ocorrência da preclusão, pois a testemunha que eventualmente provaria o vínculo de emprego alegado não foi trazida aos autos oportunamente, como seria necessário, daí porque se operou a preclusão, resultando a verdade processual aquela que os litigantes lograram trazer ao juízo. Nem sempre a verdade processual coincide com a verdade real, mas é essencial assegurar o desenvolvimento regular do processo, como garantia do devido processo legal.

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