Opinião

Decisão do STJ sobre penhora permite que todos saiam ganhando

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18 de setembro de 2020, 13h33

Em 17 de agosto, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, proferiu decisão no Conflito de Competência nº 171.626/PE reconhecendo a competência exclusiva do juízo da recuperação judicial para determinar constrições sobre o patrimônio de sociedade controlada pela recuperanda e não sujeita ao regime recuperacional, mas cujas ações estão abrangidas pelo plano de recuperação judicial da controladora.

O conflito de competência foi ajuizado pela Energimp S.A. e coloca em lados opostos o juízo da 1ª Vara Cível de Cabo de Santo Agostinho-PE, que processa a recuperação judicial da sua sócia majoritária, a Wind Power Energia S.A. (WPE), e o juízo da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, no qual tramita a reclamação trabalhista movida por ex-funcionário da recuperanda, que é credor trabalhista da recuperação judicial.

A medida foi proposta após o juízo da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo autorizar a desconsideração da personalidade jurídica da WPE para responsabilizar a Energimp pelo pagamento do mesmo crédito sujeito ao plano de recuperação judicial homologado pelo juízo da 1ª Vara Cível de Cabo Santo Agostinho, ao fundamento de que as duas sociedades integram o mesmo grupo empresarial.

Há muito se sabe que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é do juízo que processa a recuperação judicial a competência para decidir acerca de bloqueios e penhoras que recaiam sobre o patrimônio da recuperanda ou sobre ativos abrangidos plano de recuperação judicial [1]. A particularidade do caso concreto, no entanto, reside no fato de que, embora a Justiça do Trabalho tenha ordenado a constrição dos bens de uma empresa não sujeita ao regime da Lei nº 11.101/2005, a WPE, no seu plano de recuperação judicial, ofereceu em pagamento aos seus credores o produto da venda das ações correspondentes a 55% do capital social da Energimp, além de créditos ou dividendos eventualmente pagos pela controlada.

Com efeito, o juízo da recuperação judicial prestou a informação de que "a WPE buscará a venda de suas ações na Energimp, para assim melhorar o fluxo de caixa e reduzir parte da dívida da WPE", e que "a Energimp integra o patrimônio da empresa recuperanda WPE, inclusive com previsão de ser utilizada para possibilitar que a recuperanda obtenha sucesso em sua recuperação, com a venda das ações de que é titular".

Dessa forma, o ministro Luis Felipe Salomão atribuiu a competência exclusiva ao juízo de Cabo de Santo Agostinho, reconhecendo que "há previsão, no plano de recuperação judicial da recuperanda, de venda das suas ações no capital da empresa Energimp como forma de pagamento aos credores, sendo certo que os atos de constrição realizados pelo Juízo Trabalhista do patrimônio da suscitante afetarão o plano de recuperação judicial, bem como o patrimônio da empresa recuperanda".

Na sua decisão, o ministro fez referência ao entendimento manifestado pela 2ª Seção do STJ no julgamento do Conflito de Competência nº 161.042/RJ, suscitado pela Iguá Saneamento S/A. Naquela oportunidade, reconhecendo que o plano de recuperação judicial destinava o produto da venda de uma participação da recuperanda na Iguá Saneamento S/A aos credores concursais, e que os bloqueios trabalhistas sobre o patrimônio da Iguá impactavam direta e negativamente os resultados daquela empresa, os ministros que compõem a 2ª Seção, por maioria, conheceram do conflito de competência e atribuíram ao juízo da recuperação judicial competência exclusiva para a prática dos atos de constrição.

Assim como naquela hipótese, os bloqueios provenientes da Justiça do Trabalho sobre o patrimônio da Energimp acabariam por impactar negativamente o valor de mercado dessa empresa e, consequentemente, do ativo que o plano de recuperação judicial destina à coletividade de credores da WPE. Na prática, a responsabilização da Energimp por dívidas trabalhistas da sua controladora não apenas frustraria os objetivos da recuperação judicial, como tornaria a compra do ativo oferecido aos credores (a participação acionária da WPE na Energimp) um negócio de alto risco, possivelmente afugentando investidores ou, no mínimo, reduzindo substancialmente o valor de compra.

Portanto, ao preservar a competência do juízo recuperacional e proteger ativos (ainda que de terceiros não sujeitos à recuperação judicial) destinados à comunidade de credores contra bloqueios e penhoras que visem ao pagamento de créditos concursais individualmente considerados, o ministro Salomão não só prestigia os mais importantes princípios aplicáveis ao instituto da recuperação judicial (como a preservação da empresa e a par conditio creditorum), como atua em fomento da própria atividade empresarial, permitindo que investidores mantenham interesse na aquisição de tais ativos.

Decisões como essa permitem que, especialmente em momentos de retração econômica, todos saiam ganhado: ganham os investidores, mas ganham também a recuperanda e os credores.

 


[1] STJ, AgRg no CC nº 125.205/SP. Rel. Min. Marco Buzzi, 2ª Seção, julgado em 25.02.2015. No mesmo sentido: STJ, AgInt no CC 147.032/RJ, Rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 13/9/2017.

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