Opinião

O comportamento dos funcionários diante dos valores da empresa

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17 de setembro de 2020, 16h11

Como é de conhecimento, ultimamente as empresas têm investido e muito em sua imagem perante o público consumidor e o mundo empresarial, utilizando-se principalmente de ferramentas como as páginas de relacionamento, que levam um post a milhares de curtidas em um minuto, cuja relação custo-benefício é considerável diante do baixo investimento monetário quando comparado ao anúncio em grandes veículos de comunicação.

Mas quanto vale uma marca e sua exposição positiva?

Anualmente, as marcas são avaliadas e listadas entre as mais valiosas do mundo, com valores que podem chegar a US$ 206 bilhões, aproximadamente, como é o caso da Apple, ou a US$ 9.4 bilhões, quando avaliadas as nacionais, nesse caso, o Bradesco [1].

Além da questão financeira, a exposição de uma marca pode levar o consumidor a experiências positivas, como lembranças, memórias afetivas, opinião sobre o produto comercializado por aquele fabricante, se atendeu ou não às suas expectativas e até se vai ao encontro dos valores que carrega consigo.

É o caso, por exemplo, dos produtos veganos, daqueles não testados em animais, se a empresa que o fabrica possui postura flexível com a diversidade, empoderamento feminino, entre outras questões. Talvez, na correria do dia a dia, o consumidor não se dê conta de quantas análises são feitas no momento de escolher um ou outro produto. Mas fato é que essas considerações vêm à tona quando se define comprar um automóvel ou um batom.

O impacto de uma mídia é imediato. Com a ajuda das redes sociais, a velocidade do recebimento de opiniões é praticamente incalculável e pode levar a empresa ao sucesso ou à falência em questão de segundos.

Um exemplo recente, apenas para ilustrar, foram as rescisões contratuais envolvendo diversas empresas, como Desinchá, Hope e Rappi, com a influenciadora fitness Gabriela Pugliese, que publicou em suas redes sociais com milhões de seguidores  imagens de uma festa em sua casa, descumprindo as recomendações de isolamento social durante a pandemia da Covid-19.

Estima-se que o prejuízo financeiro para a blogueira, além de perder cerca de cem mil seguidores, tenha sido de R$ 3 milhões [2]. Isso porque a atitude praticada vai, inclusive, de encontro aos valores declarados pelas empresas que a patrocinavam e que se sentiram prejudicadas levando-as a se posicionar e prestar informações ao público consumidor, com o fim de demonstrar que não coadunam com situações como a vivida pela influencer.

Mas e quando a imagem de uma empresa é colocada em destaque diante de uma situação envolvendo um funcionário fora do horário de expediente  que confronta os princípios das empresas e, de repente, é exposta nos noticiários policiais ou repercute no horário nobre de um jornal televisivo? O quanto isso afeta a imagem de uma empresa e influência na relação empregado-empregador?

A demissão tem sido a resposta para essas perguntas.

É o caso, por exemplo, da ex-executiva da empresa Avon que foi demitida após denúncias pelos crimes de maus-tratos, violência física e psíquica à idosa que prestava serviços em uma de suas casas.

A Avon, que é empresa destinada à fabricação e comercialização de produtos de beleza, principalmente, e detém entre seus pilares a defesa e incentivo ao empoderamento feminino, não concordou com os atos praticados pela, então, funcionária e publicou uma nota diante do ocorrido, a fim de se posicionar perante seu público consumidor e seus acionistas [3]

"Com grande pesar, a Avon tomou conhecimento de denúncias de violações dos direitos humanos por um de seus colaboradores. Diante dos fatos noticiados, reforçamos nosso compromisso irrestrito com a defesa dos direitos humanos, a transparência e a ética, valores que permeiam nossa história há mais de 130 anos. Informamos que a funcionária não integra mais o quadro de colaboradores da companhia. A Avon está se mobilizando para prestar o acolhimento à vítima."

O mesmo ocorreu com a empresa Taesa, que se posicionou de forma rígida após uma de suas funcionárias ser flagrada ao desrespeitar o superintendente de Inovação, Pesquisa e Educação em Vigilância Sanitária, Fiscalização e Controle de Zoonoses da Prefeitura do Rio de Janeiro, durante fiscalização em bares em restaurantes que, igualmente, não obedeceram a normas de isolamento social.

Aliás, a infeliz colocação da funcionária de "cidadão, não, engenheiro civil, formado, melhor do que você" viralizou nas redes sociais pela falta de respeito, humildade e empatia para com o próximo, somada, evidentemente, à excepcionalidade da situação pela qual passamos decorrente da Covid-19.

Assim, bem se nota que as hipóteses de demissão por ou sem justa causa tem extravasado aquelas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e se adequado com a postura que o público espera de uma empresa.

Nesse contexto, como já abordado, da mesma forma com que as pessoas observam e julgam os posicionamentos das empresas perante a sociedade e/ou em determinadas situações podendo acabar com sua reputação em segundos , as empresas, para evitar que sua imagem, princípios e valores não sejam impactados e/ou vinculados àqueles que não a respeitam fora do ambiente de trabalho, também vêm se mostrando cada vez mais atentas e rigorosas com seus funcionários na vida pessoal.

A título de esclarecimento, o "poder de direção" é encontrado no artigo 2º da CLT [4] e concede ao empregador, quem dirige as atividades e assume seus riscos, os poderes diretivo, fiscalizatório e disciplinar perante seus empregados [5], para que estes cumpram seus contratos e as normas internas estabelecidas, conforme prevê o artigo 444 da CLT [6].

Lastreadas nesses poderes, as empresas dispensaram suas colaboradoras a primeira, por manter uma funcionaria em situação análoga à escravidão, e a segunda, por literalmente humilhar um fiscal que exercia seu trabalho numa blitz durante o período de isolamento social decorrente da Covid-19.

No entanto, a despeito desses casos terem tomado uma grande proporção merecida, diga-se, diante de suas peculiaridades , não são os únicos de dispensa por justa causa durante o período da pandemia.

Exatamente! Isso porque inúmeras empresas estão adotando essa mesma postura quando constatam e comprovam que seus colaboradores estão descumprindo o isolamento social, especialmente decorrente de publicações em redes sociais.

O fundamento jurídico é de que ao descumprir a ordem de isolamento social, cuja finalidade é evitar a disseminação da Covid-19, o colaborador não está apenas afrontando um ato legal e colocando em risco sua saúde e de outras pessoas, mas também seu contrato de trabalho, as normas internas adotadas pelas empresas que fazem parte integrante dos contratos e, ainda, manchando sua imagem e reputação perante a sociedade.

Assim, nos termos do artigo 482, "b", da CLT [7], podem ser dispensados por justa causa o que, como dito, vem se tornando recorrente durante esse período de pandemia.

Por fim e, sob outra perspectiva, vale esclarecer que não são apenas os empregados que devem tomar cuidado com sua vida pessoal, mas também os próprios donos das empresas.

Isso porque da mesma forma que podem dispensar os funcionários por justa causa, estes também podem rescindir seus contratos de forma indireta, de acordo com o artigo 483, "d", da CLT [8], caso constatem que os sócios/donos das empresas não estão cumprindo o isolamento social e/ou estão adotando posturas que eventualmente sejam contrárias aos valores e princípios que regem a relação [9].

 

NOTA DE ESCLARECIMENTO

"A defesa de Mariah Corazza, que atua no caso mencionado no artigo acima, esclarece:
A ex-funcionária da Avon nunca foi executiva da empresa, e, sim, ocupou o cargo de gerente de produtos, no departamento de marketing; não possui em seu nome nenhuma casa — muito menos mais de uma, como citado no texto.
Sobre o trecho "A Avon…não concordou com os atos praticados pela, então, funcionária e publicou uma nota, diante do ocorrido a fim de se posicionar perante seu público consumidor e seus acionistas", é importante informar que não há denúncia contra Mariah Corazza, apenas uma investigação em curso.
Quanto à rápida ação da Avon, é bem verdade que a empresa realmente agiu de forma célere, sem sequer dar voz à sua funcionária de três anos de casa sobre fatos noticiados que não guardavam qualquer relação com a Avon. A primeira notícia do MPT (Ministério Público do Trabalho) saiu por volta das 8h30 do dia 26 de junho. Às 9h, já havia afastado a profissional do seu emprego. Às 17h30, houve a demissão"
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[1] https://forbes.com.br/listas/2020/07/as-marcas-maisvaliosas-do-mundo-em-2020/.

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/28/bradesco-e-itau-lideram-rankingde-marcas-mais-valiosas-daamerica-latina.htm?. Acessos em 04.08.2020.

[2] https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2020/04/gabriela-pugliesi-perde-oito-contratos-apos-festa-na-quarentena.htmlhttps://istoe.com.br/festa-na-quarenta-podegerar-prejuizo-de-r-3-milhoespara-gabriela-pugliesi/ Acesso em 04.08.2020.

[3] https://g1.globo.com/sp/saopaulo/noticia/2020/06/26/idosa-em-situacao-analoga-a-escravidao-e-resgatada-na-zona-oestede-sp.ghtml. Acesso em 04.08.2020.

[4] "Artigo 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".

[5] MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de Direito do Trabalho, São Paulo: Saraiva, 13ª ed., 2020. p. 109 a 112.

[6] "Artigo 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes".

§único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social".

[7] "Artigo 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:(…)

b) incontinência de conduta ou mau procedimento".

[8] "Artigo 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:(…)

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato".

[9] "Coronavírus e os Impactos Trabalhistas" (p. 670). Editora JH Mizuno. 2020. Edição do Kindle.

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